Cy Twombly - Summer Madness
MEU OLHO SE ABRE como ferida,
Abre-se como tua boca incerta,
Porto íntimo em tua fronte.
Abre-se, à faca, em lágrimas,
Abre-se em fenda, chaga impossível,
Abre-se de tua cicatriz, como um livro,
Abre-se como tuas pernas
Que me apertam inconsútil
Até que cedo e me achego cego
Em derradeiro afã
À fonte que ao se dar
Me suga por completo,
Que me sutura vivo
Da noite até de manhã cedo.
TENHO PENSADO no fato de haver
Neste mundo astronautas e dispersos
Maestros, poetas, relojoeiros.
Tenho pensado talvez que no fundo
Ourives, alfaiates, sapateiros,
Raros afinadores de piano
De cauda, afiadores de facas,
Domadores de leões, perfumistas,
Lixeiros, transformistas, xamãs, mímicos,
Piratas – corsários e bucaneiros –,
Tecelãs, coletores de cadáveres,
Tocadores de realejo, lambe-
Lambes, carpideiras, pajés, arqueiros
Etc. etc. e tal
Neste mundo astronautas e dispersos
Maestros, poetas, relojoeiros.
Tenho pensado talvez que no fundo
Ourives, alfaiates, sapateiros,
Raros afinadores de piano
De cauda, afiadores de facas,
Domadores de leões, perfumistas,
Lixeiros, transformistas, xamãs, mímicos,
Piratas – corsários e bucaneiros –,
Tecelãs, coletores de cadáveres,
Tocadores de realejo, lambe-
Lambes, carpideiras, pajés, arqueiros
Etc. etc. e tal
Sejam todos o mesmo vasto ser,
Sejam todos o mesmo vasto nada.
Sejam todos o mesmo vasto nada.
INTOCADOSpela manhã
E ainda não tocados pela tarde,
Seguem como grade escura
No cárcere em que ardem.
Nesta prisão furiosa desde o alto,
A melodia não se ausenta,
O dia é exato (e os remos
São espadas trácias).
E o mar, se as ondas são lentas
Ou audazes, mantém-se cárcere.
E o mar, terso ou tenso,
É um lar em viagem.
RETORNO A TI pelo indecifrável
Lastro das têmporas.
Voz de ninguém,
Outra vez,
Poços.
Penso adivinhar os teus passos
Em maio.
Não há pressa
Nem estrelas
No que ouço,
Só os longes dormem aqui.
Lanço minha corda ao fundo
E peço qualquer imagem
Nesta noite.
A corda não retorna
Nada.
Passas.
AO ACASO
Em profunda fonte soam tuas estrelas.
Noite silenciosa e cinzas feito um corpo esvaído
Sobre o qual se erguem os dias do futuro.
Teus sonhos segues a cidade que são,
Íntima e adiante, quanto mais lenta fores
Rumo a tua morada ou Ítaca.
Não importa o teu chegar, mas o ir pela poeira dos dias,
Pelas aporias e flores ao fundo de uma tarde violenta,
Pela ideia que tens da tua chegada em euforia.
Profundo é o sofrimento do mundo,
Em manhã ou noite luminosa,
A morte e o sono irmãos.
Thiago Ponce de Moraes é poeta e tradutor. Os quatro poemas iniciais (sem título) são inéditos em livro e devem integrar seções de Dobres sobre a luz, nova compilação em lento progresso. O poema Ao acaso foi publicado no livro De gestos lassos ou nenhuns (Lumme Editor, 2010).
E-mail: poncedemoraes@gmail.com