SELETA DE
1.
ensaio-me. para que a morte me seja ao som dos pés o som das uvas esmagadas com o sangue de todas as rosas que não vieram ser-me lençol. uma porta de chumbo a ser livro raso a ser abate e abro-te a boca para te ser luz que não sombra. em resgate.___________________________________________________
e se o eterno mais não fosse que este único momento de trigo incerto? dirias que um pássaro me dividiu o corpo ou antes que o fundo do abismo seria mais alto? como vês nada sabemos da extrema solidão. fonte ou harpa seremos sempre a metade de um livro alegórico.
2.
o tempo é mesmo só renda.
que a saudade essa sim é plana rasa e arrasa. desfaz o peito. curva o corpo. destroça a raiz. estala a pele._________________ macerada de luas que arderam aos teus pés. concebo-te estio. sempre. mesmo na linha espumosa deste inverno. onde me expurgo escorrente escorraçada estéril e efémera. o tempo que me é mísero e antigo e indócil na despropositada gramática do mal haver e mal adivinhar onde se nasce e onde se morre insepulta além das colinas debaixo do sal. são inúmeras as mãos que me desprendem e vários os dias bárbaros. o tempo é uma honra que se desfaz.
________________a linha quebrada é a linha de passagem que força o espírito a ser resistente. mea anima magnificat na crispação serena que o pensamento exclama e o dia remurmura. interrompo a chama pouso todos os ecos resta-me um adeus redondíssimo na casa das substâncias em que a língua deixa de ser a grande sedutora. mais tarde o tempo faz de grande mestre. e todas as linhas serão faces. límpidas. ressalvo a hora do meio justo e a clemência como chave____________________inclemente o limbo.
9.
em silêncio o som é um lugar de estranhamentos. como referência temporal de um concerto de vozes interiores. verso e excerto onde se nasce e morre. por uma palavra que seja identificável. ária ou cantar de aves marinhas no alto da tua boca em falésia ou em nuvem ao longe que o perto é intocável. o som do teu silêncio é tão redondo e oxímoro como o som de uma epífora onde o eu é redundante. sinal de mais por menos que a metade onde te vi partir. em barca sem porto onde voltar. envolto de música e nu de paraíso. que o sonho te é ninguém. efémero como grainha és porém o âmbar e a câmara o refúgio e o vento. tudo numa ilha. silenciosamente centrífuga. ao som do teu silêncio.
em silêncio o som é um lugar de estranhamentos. como referência temporal de um concerto de vozes interiores. verso e excerto onde se nasce e morre. por uma palavra que seja identificável. ária ou cantar de aves marinhas no alto da tua boca em falésia ou em nuvem ao longe que o perto é intocável. o som do teu silêncio é tão redondo e oxímoro como o som de uma epífora onde o eu é redundante. sinal de mais por menos que a metade onde te vi partir. em barca sem porto onde voltar. envolto de música e nu de paraíso. que o sonho te é ninguém. efémero como grainha és porém o âmbar e a câmara o refúgio e o vento. tudo numa ilha. silenciosamente centrífuga. ao som do teu silêncio.
17.
à hora absurda em que te escrevo não passo de um projecto excluído uma lança exclusiva na margem física do papel iconográfico onde não resiste a tinta nem a pele que já me foi língua. é a hora dos santos mais tristes. aqueles que perderam a manifestação e a pomba redentora. são tão estranhos estes sinais de remorso e de rigor. como se a vida estivesse cada vez mais perto de ser inhumana e gélida e morgue e mútuo consentimento do selo final. hora de chorar os vivos que ainda me são prado e preciosa submissão ao corpo cercado. de ritmos e de espasmos servos do medo. a esta hora em que adormeces o único filho conflituoso da linguagem escrevo-te vigília e poente. eutanásia dos amantes.
à hora absurda em que te escrevo não passo de um projecto excluído uma lança exclusiva na margem física do papel iconográfico onde não resiste a tinta nem a pele que já me foi língua. é a hora dos santos mais tristes. aqueles que perderam a manifestação e a pomba redentora. são tão estranhos estes sinais de remorso e de rigor. como se a vida estivesse cada vez mais perto de ser inhumana e gélida e morgue e mútuo consentimento do selo final. hora de chorar os vivos que ainda me são prado e preciosa submissão ao corpo cercado. de ritmos e de espasmos servos do medo. a esta hora em que adormeces o único filho conflituoso da linguagem escrevo-te vigília e poente. eutanásia dos amantes.
27.
29.
se um dia regressar será em sangue e em transição do esquecimento. despida de qualquer evocação do que foi explícito sono lágrimas e desistência. que o corpo me é inmedida e hóspede da solidão. já não me espero no outro lado e não te dou o rosto no pano de linho onde me desenhei a ponto de prisão. já não me sou a coragem nem o desafio nem a cura de um bem em desalinho constante. colho o desperdício e o esquecimento e desfaço as pétalas as cartas a música até o próprio cansaço e telegrafo-te um testamento de espelhos sem recados nem agravos.
recolho o que não fui rente ao peito magro que a vida des.sublima. sem pena. sem apelos. sem a pele aconchegante das noites que me foram séculos.
se um dia regressar o seguinte já será a repetição do vazio. e desisti. apago o registo o eco o livro o resgate impossível. escrava de um destino invisível saio de frente e cravo-me nas tuas costas feridas de vogais ásperas inférteis lúcidas e imperdoáveis. __________________________o tempo foi tudo o que não cingi na presença de um mal brando e persistente. morro. como morrem os animais feridos de um tiro incerteiro. espero que seja breve. e para nunca o regresso.
se um dia regressar será em sangue e em transição do esquecimento. despida de qualquer evocação do que foi explícito sono lágrimas e desistência. que o corpo me é inmedida e hóspede da solidão. já não me espero no outro lado e não te dou o rosto no pano de linho onde me desenhei a ponto de prisão. já não me sou a coragem nem o desafio nem a cura de um bem em desalinho constante. colho o desperdício e o esquecimento e desfaço as pétalas as cartas a música até o próprio cansaço e telegrafo-te um testamento de espelhos sem recados nem agravos.
recolho o que não fui rente ao peito magro que a vida des.sublima. sem pena. sem apelos. sem a pele aconchegante das noites que me foram séculos.
se um dia regressar o seguinte já será a repetição do vazio. e desisti. apago o registo o eco o livro o resgate impossível. escrava de um destino invisível saio de frente e cravo-me nas tuas costas feridas de vogais ásperas inférteis lúcidas e imperdoáveis. __________________________o tempo foi tudo o que não cingi na presença de um mal brando e persistente. morro. como morrem os animais feridos de um tiro incerteiro. espero que seja breve. e para nunca o regresso.
137.
acasulo-me de água para te ser o dom e a origem o bafo e os nós dos dedos em distância de seda. a mesma que nos é medida sem caos nem idade nem desatenções. escrita de mármore e sono extasial. um indestrutível absoluto que se glosa a si mesmo no ventre profundo onde nada é desistência e tudo se oculta. acasulo-me em faúlhas e sal grosso para melhor tecer o poderoso fio que nos é lume e afluente do rigor e da lucidez. árdua e espinhosa. íngreme e cerrada. como tudo afinal que nos é vedado e logo oscilante ao primeiro sinal de vertigem. coso ao coração o centro da terra. lacerada. e em choques límpidos que são fendas e depois respiração. a música fulgura e o silêncio é um recado passivo que não morre. acendo a noite para que possas ser-me dia neste sobressalto que nos assalta. anda. que o deserto é uma chaga e o mar a depuração. parcimonioso declínio das abóbadas estranhas à razão. decalca-me este casulo de patas rendidas ao testemunho do sonho. somos a nenhuma súplica e toda a rendição.
139.
213.
o tempo. enigma em extensão. a origem de toda a diferença onde ser outra vez é rasgar a dúvida e propor um novo e genesíaco parêntese. parar o impossível em território de promessas. umas misericordiantes outras apenas apóstolas das mãos vazias.____________o tempo de esventrar a luz e noivar o silêncio.
219.
veio muito e muito tempo depois a palavra. portentosa face desanimada. texto e pele como testemunhas do silêncio. sabemos que o futuro já é desistente. não me digas memória. a inominável está aqui. a respirar-nos.
318.
a segunda memória é de aço. suporta e entra por um labirinto incondenável mas tortuoso. arranha e reduz a metáfora que sem ser fascinante fascina e se faz ilha. é uma dor temporária a convocar passados recentes observadores errantes como aves e sós como nós. a primeira memória é um hálito. apenas. um arquipélago cartografado com minúcia de ourives e pasto espumoso. amanhã parto.___________________________(espera-me nenhum barco. ambicioso regresso aos hieróglifos submersos)
325.
já há muito me tivera calado se algo equivalente ao silêncio me fosse lençol de chamas entre as chamas indissolúveis e impuras que desarmam e passam a linguagem de símbolos e de espinhos como antas como títulos como sinais escritos a ossos e a lanças erguidas. já seria a lógica de uma história sem rumo nem epílogo nem escamas nem pausas felinas nem cristais como parágrafos. desde que o tempo não é soneto nem absoluto nem póstumo verbo como dístico que me calo e rendo ao oculto fragmento que é apenas chão. apenas lento encontro ao encontro do perigo. tudo o que destrói é cúmulo incandescente é abismo e rebanho de ais no meio dos cardos ao lado do rio no ventre da montanha no olho de gás das estrelas. e cai. comovidamente. rente à pele ferida de explosões. fúria de ordens várias. indigentes. majestosamente cruas. como corpos insurrectos navegantes sobre um mar de fundo raso onde mora o monstro maior da crueldade. já há muito me serias o silêncio se incerto me fosse o dia de partir. e é deste espanto soberano de ainda ser fala que falo acima das chamas para imitar a cintilação e desconstruir a muralha.
344.
é da casa dos afectos que ela chegou. a palavra. em cantilena de soluços como renda antiga ou talvez apenas das muitas viagens pelo vento quente da terra solitária porém solidária em sulcos de sede e de secas. travessia feita fonte ou dom. graça escrevente e fruto das mãos em cacho. que do resto a carta é mapa e registo das horas em vigília e dos santos terrenos que nos esperam como hóstias. _________________________é da casa dos afectos e das perguntas em espiral que me vens dizer o agora como se antes o futuro fosse breve constante e aberto às horas. sendo que a raiz do pensar cresce cada vez mais para dentro das ruínas e dos fossos e passa a poeira e passa a traço inchado de obscuridades. nada é desenvolto e textual nem grácil nem presença essencial. apenas ar. aragem apenas. apenas uma fascinante imobilidade de semideus à roda da roda do tempo. como filamentos ou pés de barro crucificas-me os nervos a voz a pele o silêncio e depressa o secreto é margem devassada e nada nada cruza este mar parado que tudo desbrava como lança afiada. amorável é o amor de uma carta de saudade reservada à estrada e ao voo expiatório. que vem da casa dos afectos um terrível lapso e um doce fragmento de vidro.
_________________________________sei que se é nu diante da ceifa. e que o luto é uma complicadíssima teia de folhas mortas.
* * *
Isabel Mendes Ferreira (1954- ) é escritora, poetisa e pintora, natural do Montijo. Publicou os livros de poemas "Sobre as Ervas um corpo de Junho" (1982), "Um Nocturno de Bach e um Relâmpago no Olhar" (1983), “Um Corpo (sub) Exposto” (1983), "A Pele", “Ponto Final”, “Cantochão” e “Vermelho Doce” (todos de 1990), "As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar" (2010) e "Tempo É Renda" (2014). Foi cronista no "O Jornal", no "Diário de Notícias", no “Diário de Lisboa" e nas revistas "Guia", "Activa" e "Tomorrow" e ainda Copy Writer nas Agências de Publicidade, Sistema, Ogilvy, Cinevoz, Boom and Bates, entre outras. Na Pintura, expôs na Galeria Altamira em 1985 e em 1987, no Clube 50/Espaço. Ainda nesta galeria e no mesmo ano participou numa colectiva. Em 1988 esteve presente na "80 Anos de Arte Moderna Portuguesa", na Galeria São Bento e numa individual na Galeria Interni. Isabel Mendes Ferreira está representada em colecções particulares em Espanha, França, Estados Unidos da América e Brasil. E em Portugal. Ainda são seus os textos do Livro “IMAGENS”, de Dina Aguiar e as ilustrações do “À Mesa do Amor”, de Joaquim Pessoa.