![]() |
Ilustração: Paul Klee |
pálpebras
de manhã abro a janela
e deixo o sol penetrar
no corpo da casa
à noite fecho-a de novo
(estrelas ficam lá fora)
eu durmo dentro
do ovo
na lua cheia
não tenho
regras
coleção
quero espero
flagrar o amanhecer
e num gesto súbito
guardar o lusco-fusco
no bolso
(quem precisar de lilases
de azuis prematuros
tenho infinidades)
arabesca
a lua é a pupila
do olho azul do infinito
desde que o mundo é mundo
ela nos vê a tudo assiste
(o que é feio o que é bonito)
registra os fatos e repassa-os
para o gestor dos destinos
é ele quem faz (in)justiça
à espera dos pirilampos
eu vejo um mar de janelas
e detrás de um tanto delas
olhos acesos
será que alguém me vê
ou se põe a imaginar
que aqui tem gente?
bastava um aceno
roça
noite de céu arado
nenhuma moita de nuvem
nenhum torrão de lua
tão somente estrelas
semeadas
adiamentos
a lua esperava o sol
redonda um talismã
quando ela se despiu
ficou de manhã
o sol lambia a lua
o meio o lado as beiras
lamberia a face oculta
a nuvem veio
só amanhã
insônia
a boca escancarada da noite
os urros do silêncio
as teclas mudas
não tilintam os cristais
não estilhaçam a vidraça
amantes não sussurram
não há sinos de igreja
o mundo acabou
o relógio dorme
o tempo não passa
onde estão os latidos
os galos os gritos
os olhos do sol?
na cama
o corpo exausto
o vazio da tua ausência
e os mil anos desta noite
que nos engole
que nos vomita
Líria Porto - professora, poeta, natural de araguari – mg – autora dos livros borboleta desfolhada e de lua, publicados em portugal – 2009 – e garimpo e asa de passarinho, publicados no brasil pela editora lê – 2014.