Trata-se de Daniel, o capanga de Deus, de João Reimão, filme inspirado em seu romance e realizado em 1977 com Arduino Colasanti, Paulo Cesar Pereio e Regina Duarte. Primeiro e infelizmente único longa-metragem realizado pelo poeta, escultor e publicitário João Baptista Reimão. Um drama místico que não é diluído pelo contorno sociológico ou pelo pensamento dualista, mas centra seu enredo na busca metafísica de um homem em conflito com a chamada civilização cristã-ocidental. Depois de se encontrar com uma mulher e com seu duplo (Sandra e Beatriz, ambas vividas por Regina Duarte) Daniel, o protagonista, tem uma visão e engendra uma viagem por dentro de si mesmo na direção de um lugar mítico que é, ao mesmo tempo, interior e exterior: a Clareira. Este enredo é trabalhado pelo diretor como uma espécie de poema em diálogos. Um filme ousado que remete aos trabalhos de Alejandro Jodorowski e enfatiza o universo dos conflitos amorosos que se desdobram em metafísicos, tal como ocorria na obra do subestimado Walter Hugo Khouri, que desenvolveu essa espécie de tessitura filmica, no caso de João Reimão, costurada com profunda inteligência e sensibilidade. Na história do cinema, existem poucos casos de realizadores de apenas um ou dois filmes que colaboraram de algum modo para o avanço da arte do cinematógrafo, como observamos acontecer em Victor Sjostrom, autor do faroeste metafísico O vento e emCharles Laughton de O mensageiro do diabo. É nesse contexto que podemos inserir Daniel, o capanga de Deus, isto é, o contexto dos filmes que foram criados por uma forte questão pessoal e existencial, e encontram vazão mediante uma poética crivada por uma camada de transcendência. Justamente por este motivo, é lamentável que o filme de João ainda não tenha sido exibido pelo Canal Brasil, nem tenha sido lançado em DVD. Alô,Cinemateca Brasileira! Alô, Museu da Imagem e do Som de São Paulo! Alô,Sesc! O Brasil está nos subterrâneos. , é no fundo que estão as águas mais limpas, onde poderemos ver nossos rostos refletidos nos céus. Este é o paradoxo: a lama e o esgoto estão no alto dos arranha-céus e as fontes estão enterradas, as flores mais belas florescem debaixo da terra! Este filme é uma flor no meio do caos de cacofonias do cinema brasileiro dos dias de hoje e, sim, pode iluminar, conforme indica o nome da produtora (clareira...). Foi realizado sem patrocínio, ok, João era um publicitário altamente reconhecido, mas quantos publicitários são poetas capazes de realizar um filme como este? Existe ainda uma belíssima correspondência entre Daniel... e a vida de seu realizador, paralelismo sobre o qual tratarei em outro ensaio de maior fôlego. João vive hoje em Piraju com a família e lançou quatro livros: Tessitura de violeta, contos de 1962, Daniel, o capanga de Deus , romance de 1977, 69, Poemas de 2009 e Lendário da Estância, crônicas de 2012.
Marcelo Ariel com a colaboração de Ana Cristina Joaquim ( Revisão)
Marcelo Ariel com a colaboração de Ana Cristina Joaquim ( Revisão)