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7 poemas de Fabíola Mazzini Leone

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De fato, detesto poesia
com pensamentos levados pelo vento
a poesia tem de ficar
e encarar
a miséria, a pilhéria, o mau tempo
e eu



Erro de cálculo

quis explodir
o lado esquerdo do peito
deu errado
ficaram minúsculos buraquinhos
escaninhos de dor
por onde vaza seu desalinho
e entram dejetos dos outros
devagarinho o tempo todo



de brisa

ela anda pela rua como se não fosse
tempo de dedos crispados
ela em pausa:
bêbados ficam lindos
se sozinhos com o copo
há um som eterno de vidro transparente
ela é tão visível ao sol:
díspar da silhueta, ossos rijos
a vida encontrando consistência
mas eu busco:
mais do que o aspecto sadio
um vazio em seus olhos
como a metade consumida do copo 
disso eu retiro meu torpor:
seres humanos se resumem a quem tem ou não
joelhos para se deslocar
sorrio



Historinha de coração desenganado de fato

O fato está na entrelinha
No meio de uma frase
Na vírgula
No jeito de buscar o ar
O fato é furtivo ao olhar
Nele não há consolo
Só meios-termos
Partindo nossa história
Ao meio



Sub real

a vida é trem no trilho
da fome do maquinista
e da mulher dele arisca
como um cão a esmo

a vida é rio no sol
da nuca do garoto
e da garota dele morta
como um peixe no Tietê

a vida é luxo no arrebol
da glória do dinheiro
e do dono dele ileso
como um herói de TV

a vida é água no olho
de gente como eu ou você
e das mucosas nossas doridas
como um canto de memória

água peixe olho trem
Buñuel pisava na estação
e sabia palpitar seu fim
como os olhos de um cão

devia saber da gente
e sabia regiamente do peixe
sob o travesseiro do enredo
despiste do dia-a-dia

nesta cidade passada pela água
cidade passado de 34 quadros
nos segundos do relógio na
parede dali



Livramento

Hoje me livro da pele
Essa armadura atávica
Hoje me livro da fala
Essa moeda de troca
Hoje me livro do medo
Essa guilhotina das ideias
Pensava ela
Enquanto rodava em círculos
No próprio quarto
Depois de socar almofadas
E ler aquele bestseller que ensina tudo sobre amor próprio



***

Em meu corpo se fez manhã
Decifrando amarelos e azuis
Abrindo as janelas ao sol
Nenhum silêncio
Nenhum e-mail 
Nenhum amor me aniquilará
Estou deitada na pedra ancestral
Quarando a alma 





Fabíola Mazzini Leone
Sou uma pessoa comum, ilhada em Vitória/ES, esta cidade que tem mar, porto e muitas histórias. Escrevo por necessidade absoluta de estar inteira aqui e no mundo, junto das outras pessoas, razão de ser de toda arte.


Ilustração: desenho de Admilson Silva

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