Alexandre Moraes - Sem título, 2006, técnica mista sobre tela.
[movimentos de instalação sobre fibras]
saio por todos os lados voando palavras
gestos e fagulhas para músculos em quebra
trafego esta cidade entre reclusão
sangue e mar
como quem sabe onde está
ou longe
quilômetros ao norte
de lugar qualquer
pequeno
mínimo
no mesmo mar
inventando fibras
e palavras sem som
[uma linha]
a materialidade
extrema do corpo
(o pensamento).
a materialidade
exata do tempo
(os corpos).
o tempo é a
materialidade
de todas as coisas
e esta consistência,
não
uma metáfora,
mas uma linha
sem tradução
em língua,
signo,
flor ou fluxo:
o limite.
apenas nisto:
materialidade.
[grita todo para dentro dos dias]
aqui na cidade um corpo digita os dias
sentindo sob os dedos a imensidão
esbarra nos sentidos perdidos
no instante
nos estrondos das balas
que procuram recolocar os objetos
e os lábios sob direções intensas
aqui na cidade
um corpo nunca está diante
das ruas
dentro da casa
grita grita todo para dentro dos dias
abre janelas insere a noite
como que a perguntar
o movimento do silêncio
como nome originário
de todas as coisas
escreve incessante sobre a dor
porque a dor inaugura
a cidade digita os corpos
no movimento maior
de todos os instantes
das superfícies
de acontecimentos
em cada corpo
diante dos estrondos
das nuvens
das teorias desfeitas
reinscritas
sobre o dia
[para ler no Smart Phone e ouvir em silêncio]
era preciso sair
colocar
em movimento
pernas braços dedos
como índios
(queimados)
aumentar os passos
(ao redor do nada)
sair
uma voz em meia tonalidade
responde com
os movimentos moídos e soltos
uma voz nos diz rosas
outra voz diz dia
outra voz nos diz
parar
comprar
regular
entrar
ficar
(igual?)
desistir
era preciso
sentir o relógio
esquartejando
o dia
[sampleado]
vou me samplear
com todos os ruídos
colocar
num vídeo inteiro
assim vou repartindo
dividindo pães
tempo e sons
sampleado
serei outro do outro
com todos os arranhões
e quedas
para copiar-se
(ou diluir-se na água)
é preciso ter escorrido
lentamente ao dia
movimento mais banal pela casa
pelas ruas
ouvir uma voz sampleada de si
e gritar para a história da literatura
um retumbante
ululante
desgrenhado
escrever de asas
entrar
na casa
e sampleado
conversar
soltar os ícones pop de dentro dos quadros
ignorar a angústia de escorrer dia a dia
para dentro de um pacote
Alexandre Moraesé poeta e ensaísta. Nasceu no Rio de Janeiro (RJ). Vive e trabalha em Vitória (ES). Publicou os livros Pintura para primeiros barcos (2014), Preparação para o exercício da chuva (2010), A sequência de todos os passos (2009), Paisagem sobre corpo em silêncio (2008), Coisas quebradas (2005), Pequenos filmes sobre o corpo (1997) e Objetos com nomes (1995).