A CASA AZUL
Frida Kahlo de branco
sem sangue de mortes
mas com vermelhos de paixão
na umidade lactante dos seios
- real casa de se morar
quem, em sã engrenagem amante,
não esticaria em sucção os lábios
perante a exótica mulher em pele?
(entro no mesmo bonde
o trem vem vindo varando ventos
a força é a de um deus invertido
meu corpo fuçado
invadido estou no chão
perfurado sou)
a exótica mulher me atravessa
uma dor só
um golpe
um ferro retorcido no meio do sexo
abrindo vazão para amor inda maior
A FLOR NA FLOR
(todas as fêmeas aragonitas impostoras descambam
na imagem do seu jardim de delícias)
em você há brotada uma flor
de carne orvalhada desde a boca
operando úmida ao movimento
das vontades de estame
é uma flor única
de grandes pétalas dobradas
cujo pólen se liquefaz
em mel viscoso
(para a boca
a sede é antiga)
o beija-flor em planos segundos
pousado sobre a imagem da Beleza
descobre o mistério da rosa-vulva
e célere logo opera o androceu milagre
o pequeno pássaro se agiganta
ao tocar com o bico o botão ancestral
magma-lava branca sem menosprezar
ares desce o canal dos desejos
em tal instante
a flor é para a língua
um cultivo de rotas
AINDA SOBRE TEUS SEIOS
se a gota escorre desde a nuca
tornando o cabelo uma seta negra
colada aos nus do corpo
se se dobra em volta e num retorno
pela foz do pescoço faz divisa
com o frágil ombro
vai dar a regar os rotundos balões
da mulher em flor
a água
a gota dela arrecadará a velocidade
suficiente para parar
no agudo botão em ponta
no meio do círculo matricial
cor de menina
a gota faz-se de boca-lábios
permanece altiva e em doce contato
como em invertida levitação
O PÃO E AS RENDAS
o pão
- ou a maçã que alimenta -
fermenta por debaixo
das pequenas dobras da carne
das suaves rendas brancas
é líquido o pão
é líquida a maçã
rio de água de sabor agreste
sentido fluido por entre lábios
a apurada correnteza
os lacrimais suores das coxas
o naufrágio das línguas
o pão
O ANTES DAS FLAUTAS
agora é assim:
uma janela para o labirinto
lá embaixo onde tudo se perde
nos passos sem orquestra
da multidão
(um chão em silêncio)
veja bem:
quando o olhar direciono
em nome de tua seda-pele
pense que daí por diante
sortes simpatizem regências
pressuposto:
o tocador de flauta
naipe de madeira apesar
do metal moderno (mais frio)
não toca sem estar convicto
das altas temperaturas
conclusão:
é doce a verdade na vontade
e muito tempo faz ajuntar na gente
uma música inteira de paixão
noutro livro fechado que de longe
é bem estória de adivinhação
Imagem: pintura "Coluna Rota" (1944), de Frida Kahlo