GENEALOGIA
Meu nome é Adriano da Rosa Smaniotto.
Na verdade, Adriano Smaniotto,
e, mais sincero ainda,
Carlos Quintana Leminski de Melo Neto,
filho de Gregório Bandeira de Barros e Florbela Meirelles Gullar.
Irmão-amigo de Rollo Claudino Nadalini e Nivaldo Koproski Bueno,
primo-trovador de Marcos Jacques Wojchiecowski e Ivan Jacobsen de Pilar,
neto de Fernando de Sá Carneiro Quental,
e, por opção, parente de Camões Virgílio Alighieri,
cuja semente foi Ovídio Homero.
O que faço
é o que fizeram:
aro no amor e na dor,
com sementes de versos
medro palavras
e colho silêncios.
Lida diária,
os invoco e reinvento
não com o mesmo talento e audácia.
Nosso brasão,
um pergaminho carregado por águias,
exibe a frase
pulchra carmina,
razão de nossos gozos e azares
Trazemos de lastro
combates vencidos ao mundo
e certo desprezo por parte
dos que não possuem
estantes por estandarte.
Ritmos, rimas e métricas
são as histórias que comungamos.
São fantasmas,
bem o sabemos,
mas é o que aprendemos
e a família que amamos.
AS CLASSES
Quando o juiz Triplex Ecoville Hiunday
senta-se diante do promotor Batel Resort Cruzeiro
para julgar o caso da professora Piraquara Buzão Inadimplente,
o réu Trindade Cola Carbex
sente a mesma vergonha que sentia na escola:
ele sabe
que nunca teve a última palavra
e que se agora resolver gritar que vão todos à merda
o policial Cohab CIC Sem Faculdade
virá calá-lo com sua botina
como faz com os Cabeludos Classe Média Baixa Poesia.
Então se cala pela milésima vez
e só suaviza seu olhar
a presença da jornalista Água Verde Tuiuti Peugeot 207
que frígida e mimada
sente por cinco minutos
que a vida deve estar bastante errada
mas logo se tranquiliza
e aceita o cafezinho
com que a servente Caiuá SUS Assembleia de Deus
sorridente vem brindar
este nobre julgamento
Na Cidade Sorriso Postiço
Carros Pra Todo Lado
Prefeitura dos Ricos
neste lindo Paraná invisível.
POEMA PROFÉTICO I
Homens de bem nos avisam da Criança Futura.
Sim, ela já está entre nós.
Atazana seus pais seu senso de justiça,
confunde seus professores seu gratuito saber.
Convicta de sua messe ela desfila
como se sonhasse ou relembrasse .
Quando brinca, ela humaniza.
Quando advoga, ela compraz.
Não entende normas mesquinhas,
nem lhe apetecem coisas triviais.
Seu apego às modas do mundo
dura menos que um dia.
Melancólica e sozinha,
ela quer voltar às estrelas,
antes
reformará as leis
por meio dos vários reis
latentes em seu semblante.
Ai de vós,
que não escutais o coro da Criança Futura,
repartido em vários risos e gritos
de tantas outras crianças.
Ela veio cumprir a profecia do Infinito:
renovar a Terra
e reinventar a Infância.
CANÇÃO PARA A MOÇA QUE VIRÁ DE LONGE
Espero-te
com cítaras e cifras
para que não seja
a fome de canto e dança
tua sina.
Procuro por lençóis alvos
onde deitarás tranquila
teus sonhos de espuma
e teus cabelos claros.
Curo a espera
com a certeza
de que vens a passos de veludo
e de que trazes aromas de heras e cravos.
Brindo tua chegada
a cada hora triste
em que me deito solitário
convicto de que virás
compor a casa e os horários.
CAPÃO REVISITADO
Não sei de que bairro você é.
Eu sou do Capão da Imbuia,
lado leste da cidade,
onde não há prédios nem playgrounds,
e a serra ao longe ensina
lições de repúdio à Curitiba.
anote aí:
25º26´ de latitude
49º12´ de longitude
mais a vontade de estar longe
e essa eterna incompletude
O pai dizia:
“é a última bola de capotão que eu compro,
não vá por no macadame”
como é que eu ia explicar pra galera
nosso time tinha jogo
o Alviverde do Capão
a camisa verde abacate foi a camisa feia
mais linda que eu já vesti
foi o Sergião que tingiu
o Everaldo me derrubou
eu levantei orgulhoso e falei pro Leco bater
cabeceei de peixinho
1xO pra nós
até hoje vale mais que um mundial
O Pancho segurou tudo no gol
Hoje ele está morto
Hoje é um ontem que reinvento a todo custo
A Fernandinha era linda
hoje é prostituta
colocamos quinze bombas caseiras no muro da casa dela
só pra ela nunca mais nos chacotear
Eu mesmo de soltador de foguete na casa do vizinho
Ascendi pra professor
Tenho vizinho que diz que eu
Até escrevinhei uns livros
Capão da Imbuia
Sempre comigo
Capão,
você me ensinou a rebeldia e a revolução
época de ameixas, madeixas e améns
quem tinha dread não curtia sertanejo
cabelo era cabelo
com 15 eu e o Marcelo deixamos
meu padrinho dizia que eu era veado
minha mãe falou, ele é poeta, o corte é igual ao Castro Alves,
meu padrinho disse:
O Castro Alves era o Castro Alves,
eu aceitei aquilo como um desafio
a Jussara e as bandas punks e darks
meus poemas na parede do bar da dona Dinica
onde fiz minha carteirinha de sinuca oficial
Mercearia Dalke
o falecido seu Pedro
mostrava mulher transando com cavalo
quando a gente ia comprar doce de amendoim
um dia de porre
eu caguei bem no buraco da fechadura dele
fiz só para alegrar meu amigo
quando descemos do madrugueiro
minha vida, minha risada, minha poesia
Foi o capão que me privou de ser um burocrata,
O capão me salvou.
Eu estou limado,
Foi minha triagem,
Essa é minha escola
Maria Aguiar
O Marcelo mandou uma carteira do segundo andar
O Mamed assustava a gente só com o nariz
O Guidas e o Marinho guentaram o Daniel
Cortamos a orelha da Ana Paula
puxamos o brinco dela em quatro
O Luisinho, o Denilsinho e o Rodela...
Naquela tarde passei a mão na guria
ela me pegou na corrida
tomei um tapa
mas até hoje foi a melhor bunda proibida que peguei
Capão,
o time do Almir era o mais temido do grêmio
ele foi me ver num recital
ficou orgulhoso
quando me vê de longe ele grita
FALA POETA,
já a dona da espelunca
não queria nemque a poesia existisse
Capão foi a minha ascese
meu ás, minha catequese
a gente ia na missa das dez
o grêmio já tava jogando
eu olhava admirado
nem sabia que ali do lado de fora
30 anos antes
minha mãe tinha admirado o camisa 7
meu pai,
ponta direita e primeiro tesoureiro
hoje só tem a igreja
e as lembranças
toda grama e toda areia
viraram sobrados da gente
que nunca viu a mangueira
aqui atrás de casa
nem o lago,
nem meu avô João Rosa,
cego, cuidando do seu gado
Capão, você é aquele carrapeta da TZL
subindo com a bandeira do Charles Chaplin,
era domingão
a fogueteira debulhou lá em cima,
todos vimos,
você é a Caça-Balões, a Amizade,
a Cobras do Ar
e é claro
a Pirâmide e a Turma da Bruxa
que foram as minhas turmas
Capão, meus vizinhos,
meus amigos,
minhas invenções e travessuras
Capão,
Um dia, bacana estrangeiro,
Vai aprender a soletrá-lo:
A-r-r-u-i-a c-a-p-ã-o d-a i-m-b-u-i-a,
Capão, eu estou ficando velho.
Por isso vim aqui cantá-lo,
acho que você um dia,
eu não queria,
vai ter que acabar,
Capão,
talvez esta estranha vida
seja um arremedo daquela infância genuína,
você é o meu Recife de Bandeira,
a minha Lisboa de Pessoa,
toda uma vida inteira
graça, glória e ruína,
minha essência verdadeira.
Poemas de “Nova Poesia”, a ser publicado este ano, de maneira alternativa - poucas edições, papel dobrável, edições do Rafael Valter.
Ilustrações: René Magritte
Adriano Smaniotto, poeta e performance paranaense, publicou Arcano (Editora Ócios do Ofício,1995); Sapatos Tortos (Edição da Feira do Poeta,1997); Regra de Três (Ed. Ócios do Ofício, 1998); Vinte Vozes de Uma Mesma Veia (Edição do Autor,1999) Versejar a Voz do Ser É Ser de Si Algoz(Edição da FCC e Imprensa Oficial, 2000);Vísceras à Vista (Edição da SEEC, 2010). Participou das antologias: Passagens: Antologia da Poesia Paranaense – Organizada por Ademir Demarchi. Curitiba: Imprensa Oficial, 2003; Moradas de Orfeu: Antologia de Poetas do Sul – Organizada por Marco Vasques. Florianópolis: Letras contemporâneas, 2011; 101 poetas paranaenses. Organizada por Ademir Demarchi. Curitiba: BPP, 2014. Entre suas performances poéticas destacam-se recitais de poesia pelo Ministério da Cultura (1997), Fundação Cultural (1998), “Porão Loquax” (2006 a 2008), “Café, Leite Quente e Poesia”- SESC-Pr (2010), Virada Cultural (2011), “Vox Urbe” (2011,2012), Passeio Público (2012), Rádio Caos 15 Anos (2013).