VESPERTINO
I
Pelo jardim, nas alamedas
Em que os anjos sonham os sonhos humanos
Sob as pálpebras quedas
Dos eternos anos,
Tomei a tua mão empalidecida,
Tremente, quase sem vida,
E a pus sobre o meu coração.
O que sentiste, não sei bem...
Mas, desde então, como se as alamedas
Brilhassem mais e mais pelo jardim,
Em nós, também,
Parecia, sob a ânfora da luz se fim,
Que meu coração emprestava-te a vida,
E que davas a vida ao jardim...
II
Lembro-me... e basta a lembrança
Para que eu te veja, enfim,
Como outrora te vi em verdade,
Dizendo das quimeras do céu em rubim
E de nossa perpétua saudade...
Lembro-me... os nossos caminhos
Se abriam por sobre os mundos
Como a unção dos milagrosos vinhos...
E o céu clamava aos segundos
Que não deixasse morrer o nosso amor,
Pois que ele se via,
Quando o cansaço lhe jogava ao pendor,
Sob a glória de um novo dia.
III
Temíamos a partida. O firmamento
Sussurrava trenos de um tempo findo...
Apontei-te os roxos ipês caindo
Aos pés daquele rubro céu infindo...
E te disse, sereno, por um momento:
“Meu amor, temos o céu à nossa mão.
Quando eu partir, fita o sol... e basta...
Verás, então, que o universo arrasta
O nosso amor como ao próprio coração...
E te lembrarás de mim... e de nossa ilusão...”
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A dor que nos afeta e magoa,
Não podes avistá-la ou percebê-la
Ao rastro de um pensamento que voa,
Não... embora a sintas, não podes vê-la.
Não é o teu viver sombrio que troa,
Embora voe à toa da sorte a estrela...
Ouve... é a tua alma que triste soa,
Sem que ninguém possa compreendê-la...
Talvez, ela cante da eternidade,
Em um supremo afã que se ofusca...
Talvez, soe o universo em saudade...
Ah! E essa dor é a tua mudez brusca:
Um coração humano que se evade
Por chorar sem saber o que se busca...