Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

[as guerras búdicas: o sutra do tigre aprisionado] por alexandre guarnieri - parte 9

$
0
0





o animal o espreita, o estuda, se enfurna na caverna próxima, donde faminto observa a mesma presa - o monge - esperançoso/ o homem à mostra, posto à prova, há muito a relação com a jaula (que é deles) está em pauta/ o tigre o ataca às claras com suas navalhas atávicas, sedento pelo sal da lágrima/ a arma das garras o rasga na garganta/ a fera na raiva se aferra em seu plexo sem perceber que é dela, na treva, no centro da velha cela, o derradeiro posto de única prisioneira e o que estraçalha na cólera do próprio e parvo estardalhaço é apenas uma ideia que persegue pelos séculos, e que a cancela: "não há fuga que eu possa, não há luta que eu reúna, mesmo que assuma, as condições pra vencer o lugar escuro que ocupo" // até que o monge o liberte, tigre em fúria, no cio, apenas para caçá-lo, sadista (ou é o tigre que controla tudo, o terreno, os obstáculos entre eles, as redondezas que usa em benefício da reviravolta - jogo-de-gato-e-rato - nesta mesmíssima e ancestral caçada?) // que ele o liberte de si como a flor de lótus flore, livre, que o tigre corra à solta [isto acontece agora] o corte é de dentro pra fora/ o que o tigre agarra na carne e rasga na alma, esteve por dentro sempre/ o seu peso de músculos, ossada e ira foram essas barras de ferro emprestando à jaula o formato da própria carcaça zangada/ de peito aberto, que o monge o libere, tigre livre/ que seja ele o ego que o monge agora reconhece, aceita e renega/ é ele o desejo ao qual se entrega, supera e purifica em cada célula, da mínima fibra à estrutura óssea, completa // se ainda a raiva se apodera... espera... sabe... e o fantasma do tigre revive ainda mais terrível, mas com o qual convive/ nele(s) - animal e monge/ atravessadas as eras necessárias à resolução deste mesmo conflito entre homens e feras, agora amigáveis e dividindo o mesmo solo adquirido, enfim pacífico, a mesma terra/ fertilíssima/ e mesmo que as portas de toda jaula permaneçam abertas, haverá ainda uma gaiola maior sob as estrelas e além dos planetas/ serão então o tigre, o monge, futuras constelações, quem sabe/ será o Samsara o aço de outras grades/ a serem vencidas/ mas isso ainda será desejo? uma armadilha? mais um disfarce deste tigre?



Koan

"rilke-panther-blake-tyger"


Tyger-Panther! Ardendo em brasa,
A que grades se amarra
A arma das tuas garras?
Que forja arranjou o aço,
Que bigorna o retorce e molda,
gaiola de mortuária forma? 


Na alma, a flama tanta,
Em teus músculos quem a implanta?
À tua estrutura, quem imputa?
No teu olhar quem insufla
A gana, a fúria, a luta,
tamanha a vontade da fuga?


Do círculo mínimo onde medita,
Felino aprisionado ao limbo,
Onde esteja, talvez, perdido
E nada veja além da jaula compulsória, 
Que caçador foi capaz, com toda astúcia,
levar a cabo tua dificílima captura?


Até que entenda afinal, no susto,
Num repentino impulso, que nesta selva
Qualquer liberdade e toda prisão, naquele
Algoz ou neste liberador, tudo não passa
De mera ilusão, e o que realmente importa
começa e termina no próprio coração!





















ACOMPANHE A SÉRIE!


PARTE 1

PARTE 2








*    *    *



Alexandre Guarnieri (carioca de 1974) é poeta e historiador da arte. Atualmente pertence ao corpo editorial de mallarmargens e integra, com o artista plástico, músico, ator e poeta, Alexandre Dacosta, o espetáculo mutante [versos alexandrinos]. "Casa das Máquinas" (Editora da Palavra, RJ), de 2011, é seu livro de estreia e está disponível aqui. Seu próximo livro, "Corpo de Festim" (Confraria do Vento), será lançado em 2014. Email.




Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548