nenhuma solidão
resiste.
celular, facebook,
skype, televisão.
tanta solidão
reside.
em caso de falta de ar, máscaras de oxigênio cairão
queria gritar como grita
esse menino no avião,
que não quer colocar o cinto
de segurança. queria gritar tanto
quanto ele, como não grito há muitos anos,
porque não quero todos esses cintos
de segurança que coloquei
natal
um lindo pisca-pisca enfeita a placa vende-se
da ilha de Java
da ilha de Java são lançados dados
ao mar
todos os dias em milhares e milhares
de garrafas de fibra ótica.
dentro delas comandos
escritos numa espécie de esperanto
da contemporaneidade.
nas praias de suas ilhas particulares
no mundo inteiro,
pessoas acham essas garrafas
e assim são os encontros
nessa nossa pós-história.
da ilha de Java são lançados
os dados
suco gástrico
a tampa do liquidificador
guarda sujeira nos cantos
mais difíceis de alcançar
com a bucha e nem
o detergente de coco
e seu aroma e espuma branca
conseguem alvejar esses escuros
mínimos escondidos.
minha cabeça, às vezes, é
a tampa do liquidificador.
asa
o barco viking
palíndromo
no meu coração
traduziu sempre
o meu não estar
nem aqui
nem lá
céu de amarelinha
há uma menina, em minha memória,
pra sempre na varanda,
só de calcinha,
puxando com o rodo,
a chuva pra dentro de casa.
meditando
minha cabeça, um quebra-cabeça
tridimensional,
cubo mágico, que tento desmontar
há mais de 30 anos.
um oco verborrágico às vezes
trágico de 100 milhões de movimentos por segundo,
que não encontram solução.
geometria fractal, universo,
brinquedo de infinitas possibilidades
de combinação, minha cabeça.
quebra-cabeça mágico,
minha quarta, quinta, sexta, sétima, oitava dimensão.
*
os nós
de minha rede
é que pescam
o peixe.
Imagem: Vic4U
* * *
Karina Rabinovitzé poeta. Tem 5 livros de poemas publicados, “mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!” (2014) [de onde vieram os poemas da presente seleta], “O LIVRO de água” (livro-objeto e exposição de arte, 2013), “poesinha pra caixinha [de fósforo]” (livro-objeto, 2012), “livro do quase invisível” (2010) e “de tardinha meio azul” (2005). Trabalha em parceria com a artista Silvana Rezende, desde 2005, experimentando e realizando interações entre poesia e artes visuais, criando intervenções urbanas e exposições de arte. Karina também participa da coletânea “Autores Baianos – um Panorama”, com 5 poemas traduzidos para o espanhol, inglês e alemão.