SANTA MARIA
Se a sonora sílaba da explosão
Preenchesse o ar ao redor
Cobrindo as pessoas que vêm e que vão
Se as chamas não tragassem
A cor amarela que ilumina o mundo
O vermelho que corre pelo chão
Se pulsos derretessem ponteiros
E as horas escorressem pelo calçadão
Santa Maria
Sombras sobre sonhos
Escombros
Onde mora minha geração?
Sirenes fumaça estilhaço
Helicóptero desespero calçada
Coração tevê Deus multidão
Eu-alguém visto luto
Eu luto
Onde mora minha geração?
Se eu encostar agora as mãos no chão
Se no sétimo selo eu encontrar resposta
Se da sétima corda soar uma nova nota
Não há som sem movimento
Hoje eu vi o vento
Ele é simples como as pessoas
Que vêm e vão
Se meu coração fosse feito de pólvora
Se eu pudesse estar aí agora
Descascando bergamotas
Ser como vocês
São.
O CAMPEÃO DESTE MÊS
Campeão
De vendas
Do mês
De vendas
Do mês
Ganhou vale
Compras de campeão
Vendas do mês
Vende-se
Campeão
Compra-se
Mês.
MANCHA
Mancha não se tira
Se joga de um lado pro outro
Sem ter total consciência
De que o que se esvai é o destino
Pela pia da cozinha
A mancha se dissolve
Mergulha no escuro
E cai em outro lugar
Pedaços de tecido
E sonhos no esgoto
A mancha borra
Desgruda, gruda
Pula
Da lata pra camisa
Da camisa pra lá
Quando se forma
Algo se deforma
O que fez a mancha pra merecer
O estigma?
O pigmento?
Esse nome parece xingamento
Mancha tem nome de sentimento
Que liga namorados separados pelo mar
Mancha não se tira da pele
Um dia ela está
Até que deixa de estar
É ilusão pensar
Que as coisas somem
Quando elas só trocam de lugar.
O OÁSIS DA MINHA RUA
Poça d`água que se arrepia
Com a chuva
Crispa-se com o vento
Velha testa desnuda
Com o passar de toda gente
Sorri e pula
Com a criança
Que dança na chuva
Dá de beber
Aos cachorros de rua
É generosa com os namorados:
À noite, faz-se espelho da Lua.
Crispa-se com o vento
Velha testa desnuda
Com o passar de toda gente
Sorri e pula
Com a criança
Que dança na chuva
Dá de beber
Aos cachorros de rua
É generosa com os namorados:
À noite, faz-se espelho da Lua.
Imagem: pintura de Igor Morski
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Gustavo Lacerda, 26 anos, é escritor e redator publicitário. É um dos criadores da Vendo-me, editora de publicações independentes focada em arte e literatura.