souzalopiana
por Eduardo Miranda*
pessonha boa pessonha
pessonha do peito pessonha
eu não falo do verbo peçonha
peçonha que falo pessonha
é peçoa pessonha que peçonha
peçonha do peito peçonha
peçonha boa peçonha
pessonha que bem peçonha
peçonha pessoña e pessonha
mais que qualquer peçoa
como já dizia o poeta
sepolazuos in letras invertidas:
peçonha carcome pessoa
Nota do Editor: poemas publicado inicialmente aqui.
* * *
haicai#32
por Roberto Dutra Jr.*
irmão das almas
venta a tormenta de Fogo
– Palavras sem palmas.
* * *
A um poeta renascido
por Mauro Gama*
Nessa lousa do espaço
caso topes
com o abraço
de milhões de ciscos
e asteriscos das mais
lácteas vias
em que te inebrias
sabe ver a letra
as mãos os olhos
dos brasileiros amigos
envoltos em perigos
sem conta e despenhadeiros
políticos
mefíticos
paralíticos; mas nada
– sequer a vida – os
intimida: cá
estão contigo camarada.
* * *
antiode
(improviso para Souzalopes)
por Júlio César*
pastel de sábado solta gordura
de quinta de óleo de fumaça
e pela beira da feira um peixe
pula do gelo da barraca e
sacode no chão duro a meio
metro do meio fio do meio alface
aberto perto do saco de batata
moleque guarda carro de dondoca
ou pede esmola ou carrega sacola
de feira ou bate carteira de alguma
velha distraída pensando na vida
ou no tomate melhor pra molho
moleque tem sede de pastel de camarão
com catupiri com copo de garapa
mas aguenta o sol com água de torneira
suja no copo sujo de boteco sujo
que vende conhaque fiado
pra bêbado de cara enrugada e olheira
uma mãe passa pelo moleque com sede
com bebê no carrinho e mamadeira de
leite em pó da melhor marca do mercado
do shopping da televisão do quarteirão
a bermuda branca da mãe aperta as coxas
grossas torneadas na academia e ao
empurrar o bebê a bundinha empinada
bêbado engole dose bem servida
e a bebida é um raio é um conhaque
um direto na barriga e ele balança
cambaleia e cai no colchão de sangue
de moça desvirginada por dinheiro
filha de bêbedo trepa por dinheiro pelo
pão e a cachaça e a feira e o aluguel
com o sangue e o gozo do patrão
no chão no colchão e sem sabão que
apague a venda da bucetinha da filha
querida guardada na parede da sala e
na foto do prezinho de camiseta amarela
a filha vende a vagina a preço de pastel
ou de cerveja ou de prestação de aluguel
paga no motel com camisinha de cereja
mas se o dia não clareia ou se clareia
com raio de luz no céu que ilumina
os anjinhos trepando entre plumas
entre nuvens e a filha trepando
na boléia do caminhão mais tinhoso
barba de caminhoneiro marca rosto
de filha de bêbado que vende a bucetinha
a madame passa com carrinho de ferro
de mercado sobre preso morto do Carandiru
preso no caixão de madeira no chão
nu e de pau duro e com sexo ereto
apontado pro pescoço do bacana na
cama do motel ou no farol da avenida
e se um câncer me alcança o duodeno
ou o pâncreas e caixão de madeira me
alcança eu deitado nu no corredor
a faxineira faxinando sangue meu e
me escorrega um osso do sabão pra
boca de lobo e preso pelo tendão
resiste ao esgoto escuro sem senão
no varal a minha dor pendurada não
seca e escorre suco gástrico da minha
dor nada digere a minha dor e minha
dúvida no varal na chuva de verão
a enxurrada mete a minha dor na boca
de bueiro ou de um cão de carroceiro
mas se o raio da tempestade de verão
me arranca a sombra eu no caixão
sem sombra sem senão só o caixão
a foto do jornal me pega sem sombra
nu minha mãe me vê nu na foto
de barriga pra cima como eu dormia
com os anjinhos no bercinho amarelo
da família como eu deitava na banheira
azul como na foto do meu álbum
o ser tem fome de lua cheia e uma
lagartixa cor de pele correndo pela
barriga vazia jogada na calçada da
avenida ipiranga no centro da cidade
minha mãe me vê no chão na posição
fetal e me cobre com um xale de crochê
do meu lado no asfalto um naco
de carne fêmea de filha de alguém
fede no chão e um cão vira-lata
lambe o osso de costela no meio
da carne amanhecida e as moscas
têm sede de carne tenho sede de
carne de fêmea também e cravo os
dentes na carne nas moscas no cão
no útero da metafísica um câncer de
chumbo e um filho meu se empurram
meu filho cuspido pela vagina da
metafísica cai na rua da feira
e pede pedaço de pastel de frango
raio de sol corta casca de castanha
do pará no canto da caixa de concreto
e corta carne de peão que corta cana
no sertão ou em São Paulo
e meu irmão lá em Cuba bloqueado
corta cana e um foguete americano
apontado pra testa do meu irmão
abro o fecho da minha pele pelo peito
como cadáver pelado sem pele sem pêlo
viro minha pele pelo avesso amasso e
jogo no balde com sabão e água fria e
esfrego tudo no tanque com os ossos
fatigados minha pele tem pêlos molhados
passo a pele a limpo e a fogo e ferro
o fogo do ferro chamusca o pêlo do meu
peito que fede mas o ferro não estica
a ruga da minha testa nem a prega do meu
sorriso nem a teimosice que carrego nem
a olheira de bebedeira que me cega o brilho
de olheira é cinza chumbo de cigarro de
carvão de alcatrão ou de prisão toda cadeia
é cinza peça de xadrez é cinza ou de madeira
minha pele encolhe com sabão e água fria
mas eu não sabia e visto a pele que não me
cobre um pedaço de tíbia quebrada
pregada com machadinha e parafuso que
fica pra fora e enferruja com a chuva de verão
e a garoa e a enchente de São Paulo mas nem
ligo se meu parafuso enrosca no buraco do meio fio
fico preso mas nada me prega a certeza na cabeça
a vida é uma avenida etcética um espamo
de solo fendido que funde a flor no feto
meu olho cravado na rocha vê árvore
brotada no céu de copa para o contrário
vida: signo que se escreve na carne com
caco de vidro ou agulha de tempo ou
unha de gato cravada nas costas do ser
* * *
SOBRE O HOMENAGEADO
Nascido em 12 de agosto de 1954 em Recife, Pernambuco, Mário Luiz de Souza Lopes - ou simplesmente, Souzalopes - foi cedo para as terras grapíunas, onde chegou aos sete anos de idade, radicando-se em Itajuípe, Bahia. Sua infância e adolescência, passadas a beira do Rio Almada e no bucolismo do perímetro das Terras do Sem Fim, título do famoso livro de Jorge Amado (que retrata a briga pelas terras do Sequeiro Grande, em Itajuípe), formataram a base deste poeta, advogado e crítico literário, graduado em Direito pela antiga FESPI, hoje UESC nos idos de 1970. Era um devorador de livros e desde cedo manifestava, na verve poética, a irreverência e a aversão aos academicismos literários. Radicou-se em São Paulo desde 1982 até a sua morte, no primeiro semestre de 2012. Teve 3 filhos: Bárbara, em 1978, Iara, em 1980 e Luiz Guilherme, em 1984. Souzalopes publicou poucos livros, artesanais, distribuídos aos amigos. CONFIRA OS LINKS ABAIXO. Apesar de desconhecido na Bahia foi militante ativo em vários movimentos de contracultura, em jornais e revistas nacionais. Com o Grupo Cultural Cacoré, realizou um Seminário de Poesia na Capital Paulista. Souzalopes escreveu para a Revista Brasil Revolucionário, onde publicou o Manifesto do Partido Comunista em Cordel. Faleceu em 28 de maio de 2012. Os familiares e amigos fizeram, no dia 12 de agosto de 2012, na Vila Malva, uma Cerimônia Póstuma onde as cinzas de Souzalopes foram depositadas sobre as águas do Rio Almada, conforme o seu último desejo. Agora, a convite de mallarmargens, amigos pessoais, agregados e admiradores da obra poética de Souzalopes, até então conhecida por pouquíssimos, pretendem conferir mais visibilidade à produção do artista. Vale lembrar a iniciativa pioneira do amigo pessoal Eduardo Miranda*, que publicou eletronicamente parte da obra do poeta, de onde foi extraído o texto "ferro & carcoma", nunca publicado, que ganha versão simulada de um livro real. Souzalopes também deixou poemas esparsos publicados aqui e ali em revistas de papel e esquinas da internet e o volume inacabado "ÕIO", uma colagem de poemas dos livros anteriores. Também citamos a importância do Espaço Cultural Mané Garrincha pela preservação, reunião e divulgação da obra do poeta. A partir de hoje, mallarmargens pretende lançar luz sobre a obra deste artista, até então pouco valorizada, estudada e entendida pelo Brasil afora. Evoé Souzalopes!
OBRA DISPONÍVEL ONLINE [via ISSUU]
HÃGUA
FERRO & CARCOMA
PAU & PELO
MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA EM CORDEL
* * *
ATENÇÃO!
LEIA TODA A HOMENAGEM A SOUZALOPES
[parte dois: 4 poemas para souza]
* * *
Eduardo Miranda é músico, escritor, poeta, tradutor, profissional de tecnologia da informação e conoisseur de vinhos. Guitarrista e fundador do grupo "WEJAH", colaborou no "Stillwater Sessions", é integrante da banda "Wellfish" e atualmente lidera o projeto musical "The Virtual Em3". Publicou o livro de poemas "Quase" (Casa Pyndahýba, 1998) e as coletâneas "Amigos" (Casa Pyndahýba, 1994) e "Contra Lamúria" (Casa Pyndahýba, 1995). Editor da Revista Eletrônica "TUDA", também comete seus próprios rabiscos e dá expediente em alguns blogs por aí - confira aqui. Escreve sobre vinhos no blog "dagos" e nas horas vagas ainda trabalha com Tecnologia da Informação em Dublin, República da Irlanda.
Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui (zona da palavra) e aqui (mallarmargens).
Mauro Gama nasceu em 1938, no Rio de Janeiro. É poeta, tradutor, ensaísta e crítico literário. Foi redator em várias revistas, jornais, enciclopédias e dicionários. Publicou, entre outros, "Corpo verbal" (1964), "Anticorpo" (1969), "Expresso na noite" (1982) e "Zoozona seguido de Marcas na noite" (2008). Traduziu sonetos de Michelangelo (2007) e poemas de Gérard de Nerval (2013).
Júlio César nasceu e vive em São Paulo há 35 anos. É poeta e economista por uma série de acasos. Em 2011, publicou "Gurupá & Poemas do Vento". Atualmente, trabalha no livro eletrônico "35", que pretende publicar em breve. Pertence aos quadros do Espaço Cultural Mané Garrincha.