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O Feitio Simbolista de Olavo Bilac

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São torres vivas, cúpulas fulgentes,
Zimbórios ígneos, toda a arquitetura
Dos sonhos que a ambição do Ideal encerra,
Subindo em largos surtos, em torrentes,
Galgando o céu, para brilhar na altura
E desfazer-se em versos sobre a terra...
(em Ressurreição)

Olavo Bilac (1865-1918) é possivelmente o mais conhecido parnasiano de nossa literatura. A sua Via-Láctea é um dos clássicos de nossa poesia - de um ingênuo romantismo inegável -, mas de uma regularidade estética que se tornaria um dos grandes méritos do autor. O fato de ter se oposto, em primeira hora, ao Simbolismo não revela, em verdade, a real influência da poética simbolista nos versos bilaquianos. O seu Tarde (1919), apesar de conter poemas parnasianíssimos, traz obras cuja tonalidade mística e musical faz lembrar, em primeira leitura, a Cruz e Sousa dos Últimos Sonetos, mas, posteriormente, em uma percepção mais atenta, ao próprio soneto de Bilac, que se reconstruía poeticamente. Andrade Muricy, na introdução de seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, concluiu principalmente que, acerca do poeta de “Língua Portuguesa”, influiu o ritmo encantatório de Cruz e Sousa, mas deixou de notar que os sonetos bilaquianos mantinham-se, em sua maioria, no mesmo padrão de acentuação (fosse nos decassílabos ou alexandrinos), o que não se mantinha nos sonetos do poeta de Broquéis.

Olavo Bilac: para além do verso decorativo.
Créditos: Taberna do Bardo

É sabido que sobre toda a tríade parnasiana o Simbolismo atuou consideravelmente – isso sem comentar a poesia de Francisca Júlia e de Teófilo Dias. O porquê da poesia desse período ser tão desconsiderada é o que temos de questionar. Em Tarde, está o famoso soneto “Língua Portuguesa” e o “Crepúsculo dos Deuses”, tipicamente parnasiano, que não deixa, porém, de ter uma interessante atmosfera niilista; no livro há também belíssimas obras como “Diálogo”, “Eutanásia”, “Introibo!”, praticamente desconhecidas ao público acostumado com a fácil imagem dos cantos de Via-Láctea. Bilac, apesar de lançar mão de alguns clichês simbolistas, escreveu ao menos três poemas que podem figurar como destaques da poesia nefelibata – considerando, não sem alguma concessão, tais obras do movimento.
Porém, não há como negar que o soneto “Sinos”, cujo ritmo é tipicamente bilaquiano, é simbolista, apesar da ausência de maiúsculas (característica que se tornaria comum em alguns poetas do pós-simbolismo). Vejamo-lo:

SINOS (em Tarde)

Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta!
Cansados de ânsias vis e de ambições ferozes,
Ardemos numa louca aspiração mais casta,
Para transmigrações, para metempsicoses!

Cantai, sinos! Daqui por onde o horror se arrasta,
Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses,
Badalai, bimbalhai, tocai à esfera vasta!
Levai os nossos ais rolando em vossas vozes!

Em repiques de febre, em dobres a finados,
Em rebates de angústia, ó carrilhões, dos cimos
Tangei! Torres da fé, vibrai os nossos brados!

Dizei, sinos da terra, em clarores supremos,
Toda a nossa tortura aos astros de onde vimos,
Toda a nossa esperança aos astros aonde iremos!


Não somente pela presença de vocábulos característicos do Simbolismo, mas pela evidente percepção do mistério, de comunicação entre todas as essências, de uma metafísica típica de uma primeira geração simbolista, e também pela curiosíssima aparição da palavra “metempsicoses”, característica, afinal, dos poetas de doutrina esotérica (longe de crer, é evidente, que Bilac pudesse cultivar, apesar de ter visitado em 1916 o grande templo desses poetas – o Instituto Neo Pitagórico – alguma relação intensa com as crenças esotéricas).
Outro soneto, talvez um dos melhores do autor, que trabalha com uma percepção sinestésica um tanto primitiva, além de uma perscrutanteânsia de infinito, a grande característica, possivelmente, dos simbolistas, é o já citado “Introibo!”. Ei-lo:

INTROIBO! (em Tarde)

Sinto às vezes, à noite, o invisível cortejo
De outras vidas, num caos de clarões e gemidos:
Vago tropel, voejar confuso, hálito e beijo
De cousas sem figura e seres escondidos.

Miserável, percebo, em tortura e desejo,
Um perfume, um sabor, um tacto incompreendidos,
E vozes que não ouço, e cores que não vejo,
Um mundo superior aos meus cinco sentidos.

Ardo, aspiro, por ver, por saber, longe, acima,
Fora de mim, além da dúvida e do espanto!
E na sideração, que, um dia, me redima,

Liberto flutuarei, feliz, no seio etéreo,
E, ó Morte, rolarei no teu piedoso manto
Para o deslumbramento augusto do mistério!

Muito cantado pelos nossos simbolistas, o anseio pelo o que não se pode atingir também chegou à poética bilaquiana. O diálogo dos versos de “Fogo-Fátuo” com o soneto LX do livro Pulvis, de Alphonsus de Guimaraens, é evidente. Eis os tercetos de ambos:

(…)

Terás saudades dos teus tempos idos,
E nos teus dias vãos, envelhecidos,
Verás a sombra da desesperança.

Depois sem forças sentirás os passos,
E aos astros mudos erguerás os braços
Para alcançar o que jamais se alcança.

(Soneto LX, em Pulvis)

(…)

Esta melancolia sem remédio,
Saudade sem razão, louca esperança
Ardendo em choros e findando em tédio;

Esta ansiedade absurda, esta corrida
Para fugir o que o meu sonho alcança,
Para querer o que não há na vida!

(Fogo-Fátuo, em Tarde)

Para Andrade Muricy, uma das obras que mais evidenciam um deságue da poética nefelibata na obra de Olavo Bilac é o soneto “Diamante Negro”. A suposição de que esse poema tenha sido escrito em homenagem a Cruz e Sousa condiz, já que, além da temática- de uma nostalgia que beira o preito - “Diamante Negro” foi uma das alcunhas mais utilizadas para chamar o autor de Missal, assim como Dante Negro, Cisne Negro, Diamante Noturno, entre outras. De acordo com Muricy, apesar de Bilac não ter deixado nenhum claro indicativo de que o poema tenha sido escrito para Cruz e Sousa, “resulta bem manifesto o pensamento secreto de homenagem, pelo menos, a uma entrevista grandeza no poeta irregular, de estética desconforme e dissonante na rotina de nossa poesia...”. Cruz e Sousa e Bilac foram opostos em suas glórias: como Muricy descreveu, um tornou-se o poeta de rotina da literatura brasileira, cujas Poesiasconstituíram-se num dos maiores sucessos editoriais para o gênero; o outro, à margem da fama e da sociedade (por fatores étnicos, artísticos...), gozou da popularidade em um pequeno grupo que o cultuava como um líder e um assinalado. Ambos, não obstante essa separação de reconhecimento, foram os maiores representantes de suas tradições poéticas no Brasil e, como podemos perceber, dialogaram esteticamente quando Bilac produziu a sua bela e importante poesia mística. Enfim, eis o referido “Diamante Negro”:

DIAMANTE NEGRO (em Tarde)

Vi-te uma vez e estremeci de medo...
Havia susto no ar quando passavas:
Vida morta enterrada num segredo,
Letárgico vulcão de ignotas lavas.

Ias como quem vai para um degredo,
De invencíveis grilhões as mãos escravas,
A marcha dúbia, o olhar turvado e quedo
No roxo abismo das olheiras cavas...

Aonde ias? Aonde vais? Foge o teu vulto;
Mas fica o assombro do teu passo errante,
E fica o sopro desse inferno oculto,

O horrível fogo que contigo levas,
Incompreendido mal, negro diamante,
Sol sinistro e abafado ardendo em trevas.

Comum aos parnasianos e simbolistas foi o culto da arte como Ideal, qual um recinto universal por onde todas as almas assinaladas por esse “dom” pudessem se elevar acima do mundo material. Para os simbolistas, a torre de marfim foi perseguida sem cessamento; no caso dos parnasianos, perseguia-se a cidade do ideal, da arte perfeita, inabitável para um ser humano. Em teoria, ambas analogias se completam, já que tanto a “cidade parnasiana” quanto a torre de marfim simbolista significavam a mesma ideia de vaticínio em que se depunha os artistas, separando-os bem, não obstante a ânsia de que a profissão escritor fosse enfim reconhecida, dos outros trabalhadores. Eis um dos casos desse diálogo na poesia bilaquiana:

PERFEIÇÃO (em Tarde)

Nunca entrarei jamais o teu recinto:
Na sedução e no fulgor que exalas,
Ficas vedada, num radiante cinto
De riquezas, de gozos e de galas.

Amo-te, cobiçando-te... E, faminto,
Adivinho o esplendor das tuas salas,
E todo o aroma dos teus parques sinto,
E ouço a música e o sonho em que te embalas.

Eternamente ao meu olhar pompeias,
E olho-te em vão, maravilhosa e bela,
Adarvada de altíssimas ameias.

E à noite, à luz dos astros, a horas mortas,
Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela!
Como um bárbaro uivando às tuas portas!

Mas, inegavelmente, a sua grande obra de feição simbolista é a belíssima “Surdina”, publicada em Alma Inquieta,compilado, posteriormente, em suas Poesias, que mereceu, de Andrade Muricy, a observação de que é uma “pintura que chega à periferia do impressionismo”. É, de fato, um poema de um intenso sentido pictórico, dos melhores do autor. Ei-lo:

SURDINA (em Alma Inquieta)

No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!

Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?

Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas...
Que frio!

Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?

Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!

Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?

Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
- A morte é o último conforto...
Que frio!

Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda voz choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.

E com que mágoa o sino canta
No ar sossegado, no ar sombrio!
- Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!


Olavo Bilac, apesar de ter passado grande parte de sua carreira como um parnasiano ortodoxo, como vimos aqui, produziu uma poesia de feição simbolista de alta qualidade. O fato dessa parte de sua obra não ser tão citada em detrimento dos sonetos meramente decorativos – os mais celebrados de sua arte - diminui o poeta ao em vez de valorizá-lo por sua totalidade. Os versos de “Surdina”, “Diamante Negro” e “Introibo!” bastam para colocá-lo também como um poeta metafísico, de uma tendência para o vago e para o inefável, totalmente em oposição àquele poeta das Panóplias, cheio do vigor do parnasianismo francês, e que, se marcou terreno na literatura brasileira, também acabou se tornando, por sua frieza descritiva e ingenuidade amorosa (aspecto curioso dada a oposição parnasiana às extremidades do Romantismo), bem menor do que a sua produção posterior manifesta em Tarde, principalmente.



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