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Balão de Ensaio - Jandira Zanchi

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O FUNDO DA SOMBRA


quais peso e medida
são o vintém
de uma alma?

Se as correntes das águas,
tão morosas e sinceras,
sabiam-se destinadas
a serem supridas
por de aço e ouro
avenidas
coladas em turbilhões
de luxo e lixo
vaidades de náusea
enfim
se à direita e à nascente
da luz dadivosa
escorregaríamos nossos corpos
primários em suas primevas
pois se enfim...

aquele homem que
se alimenta de lixo
a quanto peso se pesa
a sua desdita?

Nenhuma luz apaga
o fundo da sombra
antes, nela submerge,
até arrancar da nódoa
de pouca esperança
alguma aventurança.

Mas, se espreito
o espaço e seu vôo
a alma e seus nódulos
a marcha e seus traçados

em que leveza me levo
Se de mim extraio o cerne
E do mundo vislumbro
Os ditames dos limites ?

Pois são ambos
ambivalentes
e necessários
rasgados ao esquadro
do arquiteto celeste
enamorados de
suaves e empinadas
linhas ascendentes
airosas arvoradas
ao longo infinitude.

Por que ao homem
a alma
fundo e chão
percorrendo o martírio
em seu coração de Ave?



VENTOS E VERMINOSES
 


Sentei-me no terreiro
aonde rábulas e rabinos
examinavam a massa massiva
risadas
agonias e precipícios
na alta manhã
de ventos e verminoses.

Espiava o dia ardente
cheio de briga
acendendo a apoteose
lenta e esquiva a hoste
por onde formigavam
uns desdém e uns uivos
cismados e enviesados .

Já poupara-me das enrodilhadas
seqüencias de entraves
suas supostas conseqüencias
mirabolantes
evidências
e crivos
cravos
clavículas
amontoados de encaixes
e esdrúxulos apartes
 

não se supunha
não se evidenciava
era, ao que constava,
uma longa e fibrosa luta,
de seres e pareceres
- túnel –
funil de tempos de
pouca tempera.

aos mares deitei-me
aspirei essa espuma
agridoce e branda
de marolas
enfeitadas
no sol curtido e revestido
paz pacífica
adormecida de fundo
farturas crespas e findas
quem sabe, irradiar-me.



PEDAÇO DE CÉU


Orgulho-me de levantar
um pedaço de céu
onde diviso uma constelação
de Negras Marias
saídas e bênçãos
– Aquiles –
águas-vivas de desejo e suor
no percalço do ventre.

Afronto, irrequieta,
a estremecida vontade
de voar
até o Pássaro de Deus
onde um homem, branco
e solene,
acordado ao Sol levante
adormecido de maré diurna
na terra seca
esquecido por tantos e
temido pôr nenhum

lágrimas de sal
faminto de piedade
escuso de vontade
seguro de evidências.

Exultei em existir
para além do para-brisa
estrondoso de
furta-cor
amaciado e amaciante
de desejo e nó
na escuridão .

                         Ainda expio a textura
                         lisa
                         do tempo de paixão.




AS FORMAS


As formas não
se conformam
deformam e
plastificam
- auroras livres –
as cores
e os doces
da liberdade.



OCEANIAS
 

Cai na tarde
alta
de mariposas
amarelas
um fruto de fartura
e benção
dos barcos barreados
ousados
em suas oceanias.

Maré marítima
de tanto silêncio
valente canto de
esperanto e espera
espiralou-se
à Nau
Odorífera
lagarta do deus.

                             Vendaval na noite.....

Fria
faminta
de pequenas
redondezas
barro na
porcelana
chinesa
riscada
de alto a cima
no viés da dor.



CLAUDICANTE
 

Alvéolos de partículas semicerradas
alheias e frias, pingando sua calda
quente e quimérica
Ruiva e Romã
enlevos de ouro e prata
azul lançado para água
e estirado no mar

ainda me fazem sonhar......

Claudicante, a neblina da noite, faiscante
de pudor e amassada de desejo, não extrai em seus ruídos

nenhum símbolo sedimentado
nenhuma curva consciência de onipresenças

antes, enrola-se a meus pés, arfante,
vinil de neve agridoce e quase rude em
seu percurso de longa latitude de extorsão

enviesada e serena nos compartimentos
ora fluídos, outros, efervescentes de gases
e experimentos dessas terras extensas.



DESCRÉDITO


e o passo da vida
é passar o homem
até o descrédito
da fonte
(como se sua alma
de pássaro pudesse
beijar clausuras e
arvorar créditos
a malfeitores do
banquete dos Anjos).


JANDIRA ZANCHI 


Poemas de Balão de Ensaio (Protexto, 2007).

Ilustração: Giorgio de Chirico

 




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