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Foto:Julian Wasser. Marcel Duchamp, 1963. |
Odes ao cu
escritas com esferográfica
em banheiros públicos
Linguagem hieróglifa
inscreve desenhos
pornográficos
no avesso das portas
e pelas paredes
Em frente à fonte
de Duchamp
um homem chupa
Extrema ternura
nas palavras: lábios
de veludo
O messias esfarrapado
sugere que a ruptura
inicia-se na realidade
clandestina
Os signos da poesia
não são sujos
como nos discursos
atrozes que dissimulam
crimes através
de artifícios linguísticos
do tipo:
fogo amigo
*
Efêmero traduz
a impermanência
Vejo o corpo
da palavra
esfumar-se
como incenso
Admiro o ritmo
das marés
Meus amigos
vivem em si
o conflito
inferno
paraíso
Porque resta
do beijo um eco
mentolado
E as feições de gozo
desfazem-se sob
o chiaroscuro
do cigarro
Sobre a aparente
leveza do passageiro
o efêmero
impõe o peso
do seu signo
duro destino
de Édipo
*
Silhueta alguma
insinua-se no horizonte
O olhar recusa
a metáfora da ave
migratória
Voo curto
rumo ao corpo
despido
da clássica
aura
de musa
A poesia
que lemos
porto inseguro
por onde circulam
barcos ébrios
marujos sem mar
prostitutas ígnea
paisagem crepuscular
almas em busca
de outras insígnias
que âncora e leme
*
de outra maneira
um objeto deixado
sobre a mesa
está imóvel
não inamovível
a poesia não guia
pelo óbvio
semelhante a imobilidade
do predador que espreita
no poema
a palavra
não é apenas
presença
*
Mais de Gustavo Petter em Mallarmagens e no seu blog Agradável Degradado.