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3 poemas de Priscila Lira

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 Ilustração: Olaf Hajek




–Lição 6  (extraído do manual de feitiçaria)
  
A bruxaria da ferida é não ter mais que um sentido:
aquele que todos nós sabemos
e do qual não se pode fugir.

Ferida é um pedaço teu que morre, e só.

O fracasso te rasga,
o amor te rasga,
uma queda no asfalto te rasga,
o mundo te rasga

e é lá onde essa palavra se instala: no rasgo.
FE-RI-DA
Sem duplos sentidos, nem incompreensões.

Não há para onde sumir,
ela só dói, ela vai doer

até que o teu pedaço apodreça
e vire casca.



-Lição 11 (extraído do manual de feitiçaria)

Tu és um tolo em achar que bailarinas buscam magreza por pura imposição totalitária da arte.
Elas querem outra coisa,
querem ouvir um som que não está na música, que acaricia seus ouvidos mais que Tchaikovsky
querem que o amante sussurre todos os dias
algo que só pode ser dito quando o objeto em questão está aparente.
Elas querem que o ar se componha todas as manhãs pela combinação dessas nove letras:

Clavícula.

A clavícula refletida no espelho se transforma em palavra,
entranha no pensamento,
monta um labirinto lá dentro e
a partir desse momento
a única coisa que a bailarina consegue fazer
                                                                                                                               é dançar.




A vida é uma dor tranquila
indivisível
se espalha pelo teu corpo e
engasga de surpresa.

Não para morreres,
para lembrares que é dolorida
indivisível

A mentira se engole
e te mastiga feito fosses um pedaço de bife
cru

A geografia te arranca pela raiz e
deixa tuas folhas por todas as cidades por onde passaste.
Mesmo que voltes,
não as recuperarás.

A derrota te acompanhará por todos os cantos
rondando-te,
quando menos esperares
ela te engasga
não para morreres,
para lembrares que é dolorida, a vida,
indivisível.

A morte, tu escondes no fim do labirinto da tua cabeça,
mas ela se move e tu não percebes
encontra teus pais no meio do caminho, um filho,
ou mesmo tu, perdido no próprio jardim

Mas é uma dor tranquila, a vida
tu te acostumas
passeias pelo labirinto
a colher plantas e abelhas
dormes, amas, esqueces, traveste-se, deixas a barba crescer,
sorris, lembras-te, com leveza, das folhas perdidas,
incorporas a mentira consigo,
digeres a derrota com um sal de frutas
e caminhas até quando (?)

ela te engasgar de surpresa
para que tu morras
e lembres que é dolorida, a vida,
indivisível.


Priscila Lira

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