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Lançamento do livro "Renascença", de Ana Elisa Ribeiro, acontece amanhã (18/08) em Belo Horizonte


Marina Bueno Cardoso lança seu segundo livro de crônicas, "Descansar do Mundo", em São Paulo

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Foto: Daniel Guimarães

“DESCANSAR DO MUNDO”: CRÔNICAS QUE REVERENCIAM 
A CIDADE E SUAS DIFERENÇAS


A jornalista Marina Bueno Cardoso lança pela Editora Penalux, no próximo dia 24 de setembro, seu segundo livro de crônicas com o sugestivo título “Descansar do Mundo”. O evento será no Bar Balcão, em São Paulo, a partir das 19hs.
O título da publicação parece nos fazer um convite ao distanciamento das despreocupações com a turbulência mundial e condição esquizofrênica do país na atualidade. Mas não é bem isso.  A proposta da cronista é que os leitores mergulhem no dia-a-dia da urbe e confrontem-se com as diferenças, encantos, injustiças, curiosidades, impaciência, sonhos, gentilezas, misérias, vitórias, ironias, espantos e tudo o mais que permeia a vida de quem mora na capital paulista. Suas crônicas sintetizam os muitos universos de SP e a necessidade de desprender-se momentaneamente das agruras e frenesi cotidiano, sugerida pelo título, revela-se por inteiro numa delas.
Com cuidadosa edição e ilustração de capa de tela de Gregório Gruber, “Descansar do Mundo” traz uma variedade de temas e abordagens, como ressalta o escritor e professor universitário João Anzanello Carascozza que assina o texto da orelha: “O livro abre com a primeira experiência da autora ante as tradições judaicas e finaliza com a dolorida narrativa da morte de sua mãe – e, entre essas duas margens, proporciona-nos numerosas experiências de fruição literária, oferecendo uma multiplicidade de temas e de tipos humanos que florescem na metrópole”.
É o jornalista, biógrafo e também cronista Ruy Castro quem escreve na quarta capa do livro: “Ao ler as crônicas de Marina Bueno Cardoso, sinto-me estranhamente à vontade dentro delas  em família com suas palavras, seu ritmo, seu universo. Crônica é conversa fiada e gosto de suas histórias e do jeito que ela conta. Marina é coisa rara, uma cronista paulistana. Como uma cronista que se preza, ela mete os pés pelas mãos – ou seja, sai a pé por São Paulo e nos traz seus personagens, cheiros, cores. Ou, como ela própria diria, coisa (s) da cidade que tem voz própria, calor entre as pessoas e onde tudo é possível, até o impossível.”

A autora circula pelo perímetro dos Jardins, Pinheiros, Vila Madelena, Santo Amaro, Brooklin e, apesar de estar nessas ilhas prósperas da cidade, dá voz a todas as tribos. Nenhuma delas passa ao largo da sua observação. Com olhar e ouvidos atentos, ela capta a emoção de personagens tão interessantes quanto diversos: ambulantes que fazem show de acrobacia nos faróis; profissionais low profile; o garagista que “arranha” no francês; os pernetas pedintes que não perderam seus sonhos.  Esses e outros tantos anônimos e famosos que dão vida à cidade têm lugar em seus textos.
“Também avulta dessa obra o apelo à memória que recupera preciosidades do passado (a história da pichação Cão Fila K26; o lanche na Vienense) e as atualiza com o conhecimento de hoje - outra qualidade rara na crônica tradicional, quase sempre enraizada no tempo presente”, ressalta Carrascoza, enfatizando: “Descansar do Mundo resulta, por sua pluralidade, num livro singular de crônicas.”

Livro: “DESCANSAR DO MUNDO”
Autora: Marina Bueno Cardoso
Gênero: CRÔNICAS – Editora Penalux
 140 PÁGS – ILUSTRAÇÃO DE CAPA DE TELA DE GREGÓRIO GRUBER
Lançamento: dia 24 de setembro (segunda-feira),
a partir das 19h, no Bar Balcão.

Rua Dr. Mello Alves, 150 - SP
Preço: R$ 38,00
Site: www.editorapenalux.com.br/loja
Editora Penalux

Trajetória

Marina Bueno Cardoso começou sua trajetória pela crônica como colaboradora do extinto Jornal da Tarde, do grupo O Estado de São Paulo, entre 1993 e 1995. Num longo intermezzo, dedicou-se à carreira profissional em Comunicação Corporativa e atuoucomo colaboradoraem revistas da Editora Abril e no suplemento Casa & Cia na Folha de São Paulo.  Em 2008 voltou a escrever crônica e a partir daí participou de oficinas literárias com escritores distintos como Marcelino Freire, Fabrício Carpinejar, Anna Rüshe, Noemi Jaffe e mais recentemente com Ronaldo Bressane.
 “Petit-Fours na Cracolândia”, seu primeiro livro, foi lançado pela Editora Patuá com Prefácio de Ignácio de Loyola Brandão, em 2015. Marina recebeu o Prêmio Paulo Setúbal com a crônica que deu título a publicação. Posteriormente, foi convidada por Maurício Machado, head do portal saopaulosao.com. br, a escrever crônicas quinzenais, replicadas pelo portal literário musarara.com. br, sob a batuta de Edson Cruz.          
 “Entre Perucas e Solidéus”, crônica que abre o livro “Descansar do Mundo” foi publicada nos portais mencionados e premiada pela Associação de Letras de São Joaquim da Boa Vista.

Mais informações:
marinacardoso@uol.com.br
Celular (11) 99263-8190

Material enviado por Carlos Saldanha Mancur, do “Portal Divulgação Cultural”.


Três Poemas de Caio Cardoso Tardelli

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(Pintura: Symphony in Green and Gold, por Thomas Dewing)


A NOITE TRISTE

O incensário do céu me elevou, um dia,
À noite triste, à noite, enfim, que não existe.
Que imenso jardim de antiga alegria
Esperava-me ali, abandonado e triste.

Esperava-me, sim, abandonado e triste,
Porque de lá partira, um dia, sem perceber,
O meu mais belo sonho que já não existe...

E eu pude ver, então, o luar se estender
Sobre o jardim daquela noite triste
Como uma floração do que não há de ser...

E assim, na messe angélica, na messe carmim
Que de uma pálida saudade consiste,
Pude ver nascer, lentamente, em mim,
O luar que banhava a noite triste…

-


Ó tu, que tão longe estás,
Como uma nuvem calma
Que sonha na escuridão da noite,
Tu, como o último rastro de luz
Que se fita no poente do horizonte,
Olha a estrada percorrida e vê,
Não importa quão longe estejas,
Como a minha alma,
A cada segundo que tomba,
Deixa um tanto de mim
Pelo caminho que rondas...
E vê bem que o nosso sonho ainda,
No céu turvo, no fulgor carmim,
Ou na estrela que te afaga o olhar,
Que o nosso sonho ainda fulgura
Somente para que tu, que tão longe estás,
Ainda possas me encontrar.

-

Vivo os meus dias voltado
À grandeza do que outrora
Vivi e que, a cada hora,
Qual velho céu naufragado,

Mais distante do agora,
Crepuscularizado,
Afasta-se do meu fado
E do fim que não demora.

E que solidão parece
Sugar a minha alma,
Com os lábios de prece,

Se o meu outrora ponho,
Nostálgico e sem calma,
Na fonte augural do Sonho!

Lançamento de “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas”, de Luiz Otávio Oliani

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Editora Penalux


Livro dialoga entre o poeta do presente e do passado
 

Dialogar entre a poesia contemporânea e a tradicional, esse é o intuito da nova obra do escritor Luiz Otávio Oliani. Publicado pela editora Penalux, o livro “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas” traz a reflexão, por diferentes ângulos e influências literárias, sobre as grandes questões de todos os tempos: o amor, a solidão, a morte, a efemeridade do tempo entre outros.

Segundo o autor, a obra reúne, de maneira harmoniosa, “vozes” poéticas do presente e do passado. O livro mostra os palimpsestos, ou seja, os textos escritos e inspirados em autores tradicionais, que conversam com contemporâneos e com águas diversas, a partir de temas sem ligações com autores específicos.

As referências de escritores alcançam extremos longínquos, como quando se fala de Drummond ou Kafka, mas também demonstra proatividade e atualidade, ao inovar trazendo influências de poetas modernos, como, por exemplo, Alexandra Vieira de Almeida, Jorge Ventura e Astrid Cabral.

- A ideia era mostrar que o poeta precisa dialogar com o “cânone literário” para produzir sua própria obra, sem ignorar os que antecederam - ressalta.

Sobre o autor
Luiz Otávio Oliani é poeta, contista, cronista e dramaturgo. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, em Direito, pela Universidade Estácio de Sá (UNESA). Atua como professor de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Produção Textual em diversos estabelecimentos de ensino.

Como escritor, publicou 12 livros, sendo 9 de poemas e 3 peças de teatro. É membro da APPERJ (Associação Profissional dos Poetas do Estado do Rio de Janeiro) e da Academia Humanística, Artística e Literária “Lítero Cultural”. Participa de mais de 200 livros coletivos nacionais e estrangeiros como poeta, cronista, contista ou autor de prefácios, orelhas ou resenhas críticas.  Participou da Revista Literária Sociedade dos Poetas Novos. Ainda representou o país, em 2017, no IV Encontro de Poetas da Língua Portuguesa em Lisboa (PT).
           
Serviço:
Livro: “Palimpsestos, Outras Vozes e Águas”
Editora Penalux
Páginas: 108
Tamanho: 14 cm x 21 cm
Link para comprar: http://editorapenalux.com.br/loja/palimpsestos-outras-vozes-e-aguas 
Valor: R$35,00
- Orelhas de Adriano Nunes
- Quartacapa de Antonio Carlos Secchin
- Prefácio de Diego Mendes Sousa

"5° Encontro de Poetas da Língua Portuguesa" acontece de 31 de agosto a 1º de setembro, no Rio de Janeiro

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Divulgação

Museu da República recebe Encontro de Poetas da Língua Portuguesa
EPLP chega a sua quinta edição com antologia comemorativa

A poesia celebra mais uma vez a língua portuguesa. A partir do dia 31 de agosto, será realizada a quinta edição do Encontro de Poetas da Língua Portuguesa (V EPLP). A abertura do evento será no Museu da República – Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Depois do Rio, as cidades de Olinda, Recife, Lisboa (Portugal) e Luanda (Angola) sediarão a edição. O evento é gratuito,aberto ao público e com classificação livre.
Segundo Mariza Sorriso, poeta e organizadora da iniciativa, o projeto, que teve seu princípio em 2013, visa integrar e reunir anualmente poetas de todos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), além de dar a conhecer a arte e a cultura de todo o mundo lusófono. 

Atividades
A abertura acontecerá no auditório do Palácio do Catete, a partir das 10h, no dia 31 de agosto. A programação da tarde vai contar com passeio literário guiado com visita à Associação Brasileira de Letras (ABL), Biblioteca Nacional e Real Gabinete Português de Leitura entre outros locais relevantes para a cultura.
No dia seguinte, 1º de setembro, será apresentada a palestra 'A importância da integração dos poetas de língua portuguesa para a literatura' pelo prof. Luiz Otávio Oliani. À tarde, haverá o lançamento da antologia comemorativa do encontro, intitulada ‘A Poesia do Fado e dos Tambores’ (Dowslley Editora).
- Apresentamos o fado representando o colonizador e os tambores as ex-colônias de Portugal. Ao todo, são 273 poemas de 135 poetas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe – explica Mariza.
A mentora do encontro comenta também que o livro evidencia a diversidade cultural que compõe os países lusófonos e reforça ainda mais os laços. “Os ‘sentires poéticos’ cumprem o papel de profetizar a história e traduzir a sensibilidade humana”.
- Na edição deste ano, reverenciamos alguns poetas consagrados em cada país sede de realização do EPLP, pela sua contribuição à cultura lusófona. Homenageamos os brasileiros Gonçalves Dias e Castro Alves, a portuguesa Fernanda de Castro e o angolano A. Agostinho Neto – declara a mentora do projeto.
Mariza destaca ainda que o desejo é integrar o maior número de poetas lusófonos, incluindo alguns que, por questões socioeconômicas, não teriam chance de serem ouvidos ou lidos. “Por isso, unimos poetas das mais variadas idades e níveis de vivência poética, renomados e premiados, ao lado de estreantes na poesia”. 

Programação nacional e internacional
Depois do Rio, em setembro, nos dias 14 e 15, quem recebe o projeto são as cidades de Olinda, no Artes & Serenatas, e em Recife, no Gabinete Português de Leitura de Pernambuco.
Em seguida, os poetas se encontram em Lisboa (PT), que conta com ampla programação entre os dias 19 e 21, culminando, no dia 22, com a cerimônia na Biblioteca do Museu Nacional do Desporto-IPDJ. E, por último, o evento acontece em Luanda (Angola), nos dias 28 e 29, no Instituto Camões e no Memorial António Agostinho Neto (MANN).

Serviço:
Certificado de participação somente para poetas, professores e estudantes de letras.
Prazo até dia 26 de agosto
Grátis e Aberto ao Público
Classificação: Livre
Museu da República
Sexta-feira dia 31.08.18
De 10h – abertura do evento - Museu da República
Das 10h30 às 12h – sarau com convidados
Às 13h – Pausa para o almoço
Às 14hs – início do circuito literário guiado nos principais pontos da literatura e poesia do Rio de Janeiro (ABL, Gabinete Português de Leitura, Colombo, Biblioteca Nacional). Saída a partir da Confeitaria Itajaí, centro do Rio.

Sábado - Dia 01.09
De 10h às 12h – Atividades culturais e palestras
De 12h às 13h30 – pausa para o almoço
A partir das 14h – Apresentação dos poetas e lançamento da antologia comemorativa
Às 17h – Apresentação musical de ritmos lusófonos
Às 18h – Confraternização e encerramento do evento.

Divulgação

Relançamento de “Enclave”, de Marcelo Labes + Debate com o autor

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Editora Patuá


Relançamento de “Enclave”, de Marcelo Labes + Debate com o autor

“Se a poesia de Labes tem relevância por conta própria na cena contemporânea brasileira, o tema deste livro – a princípio ligado à nostalgia típica de sua poesia, especialmente no último livro, “Trapaça” – ganha uma relevância política mais ampla dado o contexto político do país”.
(Tomaz Amorim)

“Longe de uma saída fácil – que estaria, por exemplo, em falar de fora desse espaço –, o que o livro propõe como gesto fundamental é permanecer no |enclave|, trazendo-o ao primeiro plano justamente para poder criticá-lo e eventualmente (por que não?) superá-lo.

Marcelo Labes decide viver e falar a partir de seu enclave. E, assim, alarga as fronteiras da poesia que se faz fora dele”.
(Henrique Amaral)

Revelar esconderijos e ressaltar estigmas podem ser atributos de uma poesia que se pretenda política, contemporânea, crítica de uma realidade onde os assombros somam-se tão rapidamente que procuramos por exílio – mesmo que dentro de nossas cidades, nossos estados e países.

Enclave é um livro de poemas e isso precisa estar claro. Não vão ali tratados sociológicos ou revelações históricas, mas versos. E essa é sua vitória: recobrar a angústia que a impessoalidade não permite que a ciência exprima.

No relançamento de Enclave em São Paulo, Marcelo Labes recebe Caio Augusto Leite, Matheus Guménin Barreto e Rafael Tahan para uma conversa sobre o livro, seus poemas e a situação poética do confronto entre o sul do país e o exercício da brasilidade numa região que se pretende apartada do Brasil, apesar de estar preenchida dele até as entranhas.

QUANDO: 24/08/2018 19h
LOCAL: PATUSCADA LIVRARIA, BAR & CAFÉ
Rua Luís Murat, 40, 05436-050 São Paulo-SP
Link para o evento: https://www.facebook.com/events/484239195320953/



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Marcelo Labes nasceu em Blumenau-SC, em 1984. É autor de Falações [EdiFurb, 2008], Porque sim não é resposta [Antítese, Hemisfério Sul, 2015], O filho da empregada [Antítese, Hemisfério Sul, 2016], Trapaça [Oito e Meio, 2016] e Enclave [Patuá, 2018]. Integrou a mostra Poesia Agora (edição carioca), em 2017. Tem poemas publicados em InComunidade, Mallarmagens, Livre Opinião - Ideias em Debate, Ruído Manifesto, Enfermaria 6 e Revista Lavoura. Edita a revista eletrônica ‘O poema do poeta’, onde publica originais manuscritos, esboços e rabiscos de poetas e ficcionistas.

Lançamento do livro "Agora vai ser assim", de Leonardo Tonus, acontece na próxima quinta, no Rio de Janeiro

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Foto: Gustavo Gloria
Livro de poesias “Agora vai ser assim”, de Leonardo Tonus, acontece na próxima quinta-feira, dia 23 de agosto, na Livraria da Travessa de Ipanema.
O encontro acontece às 19h00 e será moderado pela escritora e filósofa Marcia Tiburi.
Local: Livraria da Travessa (Ipanema)
Rua Visconde de Pirajá, 572
Ipanema – Rio de Janeiro.

Mais informações em: https://www.facebook.com/events/1695901263863561/


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Leonardo Tonusé Mestre de Conferências Habilitado a Dirigir Pesquisas na Sorbonne Université (França). Membro do conselho editorial e do comitê de redação de diversas revistas internacionais, atua nas áreas de literatura brasileira contemporânea, teoria literária e literatura comparada, com pesquisas sobre imigração. Em 2015, foi curador da parte francesa do Salão do Livro de Paris e, em 2016, da exposição Oswald de Andrade: passeur anthropophage no Centre Georges Pompidou (França). Em 2014, recebeu a condecoração de “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Ministério de Educação francês e, em 2015, a de “Chevalier des Arts et des Lettres” pelo Ministério da Cultura francês. Publicou vários artigos sobre autores brasileiros contemporâneos e coordenou, entre outros, a publicação dos ensaios inéditos do escritor polonês Samuel Rawet (Samuel Rawet: ensaios reunidos. Civilização Brasileira, 2008) e as antologias La Littérature brésilienne contemporaine – spécial Salon du Livre de Paris 2015 (Revista Pessoa, 2015), Olhar Paris (Editora Nós, 2016) e Escrever Berlim (Editora Nós, 2017).

7 poemas de “A Transfiguração da Fome”, de Sara F. Costa

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"Message from the Sea", de Christian Schloe

Não podemos ser o mesmo,

porque temos que renovar
as nossas montras interiores
a cada nova estação.
escolhi o tom de veludo típico do Verão
alarguei as ruas para facilitar
a fuga do sol.
os últimos anos foram tardes azuis
mergulhos em mares dourados,
êxtases de saudade partilhada
com outros expositores perdidos.
movemo-nos para a capital europeia
em forma de epopeia
não podemos ser os mesmos
presunçosos, pálidos, ardidos,
ano após ano,
porque trazemos um feto escarlate
na agonia da fala
que oferecemos
às floristas indiferentes
ao crescimento dos prédios.
não nos podemos vender sempre
porque o poder de venda varia,
oscila com o caminho,
sufoca lentamente a criação.
no fim tudo o que podemos expor
é a fratura.
"Eine Kleine Nachtmusik", de Dorothea Tanning
Pós-traumático


diz-me qual é o meu papel
neste teatro de pânico,
que rumos nos sobem à voz em janeiro,
que idade teremos
e onde teremos o coração.
diz-me com que destreza a loucura se instalou,
e de quem são os dedos amargos
que me descem pela garganta
quando é que o sono me vomitou nas mãos
para apontar uma arma aos olhos.
devolve-me o brilho das razões,
a cabeça em dor movendo-se
entre os jornais selvagens
e o silêncio a apodrecer-me o ventre.
Arte de Amy Judd
Aquele filho que vai nascer,

quantos mundos traz no peito?
quantos fôlegos marítimos,
quantas vozes quebradas a derramar
sobre o poema.
se necessito de ti é porque
trago o peito nómada
nas manhãs marítimas,
visto-me de ternura
e contamino-te.
quantas vezes ouviu o teu filho o meu nome
nos alicerces do útero
que não me pertence,
quanta dor oval,
quanto sémen esventrado,
aquele filho que vai nascer
na tua ressaca de mim.
Arte de Lohmuller Gyuri
O Centro do Universo 宇宙中心


chamam-lhe O Centro do Universo
mas eu não vejo estrelas,
na verdade, pouco se vê nos dias de junho
para além do sismo cinzento intermitente
por cima destas cabeças estrangeiras.
wudaokou é um sismo diário.
quando as horas me acordam
não reconheço a economia próspera.
ou a cultura milenar,
limito-me a recuperar o fôlego.
queimo-me nas sombras espalhadas ao longo da rua.
procuro dentro de mim os diálogos rasos
com que se escrevem provérbios chineses
“para onde a água escorrer, formar-se-á um canal”
foi assim que os bancos substituíram os hutongs
e os vendedores de rua passaram a existir no telemóvel.
as cinco bocas bebem tantos sonhos
que se tornaram numa embriaguez perpétua
com bicicletas oníricas em direção ao pescoço,
carros por cima dos braços,
cérebros carbonizados no tórax,
dragões de ouro que cospem espuma taoista. 
ao longe reluzem as pupilas do imperador,
observam o músculo do fôlego
e jogam mahjong com as nossas vidas.
Arte de Mario S. Nevado
Um homem para junto ao fogo


é no esquecimento que ardes
junto à solidão dos lençóis,
o medo que estremece pela terra
no silêncio menstruado das aves.
gritas a partir do mar báltico,
espero-te junto ao império do meio,
a meio do animal doce que trago no ventre,
de pálpebras coroadas
e pernas abertas para o ouro voluptuoso.
um homem para junto ao fogo mais sujo,
julgo ser eu,
a selvagem sensível,
a posição íntima multiplicada pela memória,
os pedaços de noite que me brilham nos lábios,
a liberdade implacável da fuga.
"The City of the Slat", de Santiago Ribeiro
Catedrais Contemporâneas

esta é uma vila com mais de dez milhões de habitantes
são carros e gente e bicicletas
num caos perpétuo.
é certamente uma vila porque as pessoas têm mãos sujas
e expectativas de sobrevivência pelo seu próprio cultivo
da paz interior.
vidas de néon que constantemente atravessam estradas
em direção a catedrais contemporâneas:
os edifícios que tentam chegar a Deus
ou são os donos dos edifícios deuses sem causa?
passa por mim um fantasma global
cheio de violência nómada.
trocamos respirações poluídas.
o outro lado do mundo é igual ao outro lado do mundo.
Arte de Valentin Rekunenko
Jornada

venho do fundo da primavera,
misturo-me com os poetas
que vivem na memória da montanha.
venho do império da curiosidade,
acompanha-me uma angústia de bambu
e um impulso de pedra.
a viagem existe enorme
dentro de todos os aviões que apanhei
rumo a mim mesma.
na melodia trémula das manhãs
entrego-me sem medo
a todo este esquecimento estrangeiro.


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Sara F. Costa (1987) nasceu em Oliveira de Azeméis. É licenciada em Estudos Orientais e Mestre em Estudos Interculturais: Português/Chinês pela Universidade do Minho em parceria com a Universidade de Línguas Estrangeiras de Tianjin, China. Tem recebido vários Prémios Literários nacionais na área da poesia. Participou no Festival Internacional de Poesia e Literatura de Istambul 2017 e em 2018 fez parte da organização do Festival Literário de Macau e do Festival Internacional de Literatura entre a China e a União Europeia em Shanghai e Suzhou, China. De momento reside em Pequim. Tem publicadas as obras poéticas A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos (Pé de Página editores, 2003), Uma Devastação Inteligente (Atelier Editorial, 2008), O Sono Extenso (Âncora Editora, 2012), O Movimento Impróprio do Mundo (Âncora Editora, 2016) e A Transfiguração da Fome (Editora Labirinto, 2018).


Lançamento do livro "Tríptico Vital", de Mariana Basílio + Debate: "O prefixo da morte é amor"

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Divulgação: Tapera Taperá, Editora Patuá

Editora Patuá Tapera convidam vocês para o debate "O Prefixo da Morte é Amor - Literatura e Finitude'' com os autores e pesquisadores Bruna Mitrano, Leonardo Chioda, Mariana Basílio, e Matheus Guménin Barreto. 


A conversa será sobre um dos temas mais delicados de nossos dias, dentro e fora da literatura: a MORTE. Assombramento, negação, luto, heroísmo. Os participantes conversarão sobre passagens do livro A Negação da Morte (1973) de Ernest Becker, além das observações e descobertas na filosofia, prosa, e poesia de nomes como Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Carlos Drummond de Andrade, Hilda Hilst, Ingeborg Bachmann, José Luís Peixoto, Virginia Woolf, etc. – incluindo as suas próprias vivências e escritos.

Um pouco sobre os participantes: 

- Bruna Mitrano (Rio de Janeiro, 1985) é poeta e mestre em Literatura portuguesa (UERJ). Pesquisou em sua dissertação a relação da morte na obra de José Luís Peixoto (''O peso das mãos: morte, memória e afeto em Cal, livro de José Luís Peixoto'', 2013) e vivencia a temática em seu livro de estreia na poesia, "Não" (Patuá, 2016).

- Leonardo Chioda (Jaboticabal, 1986) é poeta e aluno de mestrado em Poéticas de expressão portuguesa da Universidade de São Paulo (USP). Trabalha e escreve sobre as formas de ocultismo e transcendentalidade em sua poesia e no Tarot. Publicou "Tempestardes" (Patuá, 2013) e "POTNIΛ" (Selo Demônio Negro + Hedra, 2017).

- Mariana Basílio (Bauru,1989) é escritora, poeta e tradutora. Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Publicou traduções de autores como Alejandra Pizarnik, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, May Swenson, e William Carlos William. Autora dos livros "Nepente" (2015) e "Sombras & Luzes (2016), atualmente publica o terceiro livro, o poema longo ''Tríptico Vital" (Patuá, 2018), que tem como epicentro o desenvolvimento do ser humano e o assombramento da morte. 

- Matheus Guménin Barreto (Cuiabá, 1992) é poeta e tradutor. Doutorando da USP na área de Língua e Literatura Alemãs - subárea tradução -, estudou também na Universidade de Heidelberg. Publicou traduções de Bertolt Brecht e Ingeborg Bachmann. Encontram-se poemas seus no Brasil e em Portugal, e integrou o Printemps Littéraire Brésilien 2018 na França e na Bélgica a convite da Universidade Sorbonne. É autor de A máquina de carregar nadas (2017, 7Letras) e Poemas em torno do chão & Primeiros poemas (2018, Carlini & Caniato, no prelo). 

Após o debate, o evento contará com o lançamento oficial de "Tríptico Vital". A obra, contemplada com o apoio ProAC 32/2017, foi recentemente uma das 11 finalistas da Residência Literária do Sesc (2018). Terceiro livro da autora, é dividido em três seções: "Da Existência", "Da Experiência" e "Da Extensão. Com texto de orelha de Micheliny Verunschk, e ilustrações coloridas de Leonardo Mathias para Patuá, a obra homenageia Hilda Hilst. 

Após a mesa, convidados da autora farão leituras de trechos do livro. 

Trechos da orelha de Micheliny Verunschk: 

"Este poema de Mariana Basílio (...) é construído dentro da lógica que rege os estágios da vida de um ser humano em fricção com o mundo que o cerca, o mundo histórico, biológico, de conquistas e ruínas. É, portanto, um projeto ambicioso que questiona o que é e no que dá isso de existirmos."

"Tudo acontece porque partimos, sentencia a voz poética. E o poema flui como resposta à ruína, contraponto à catástrofe. Poetas audazes são salutares para que a poesia continue cumprindo sua vocação de linguagem sempre nova, por isso há que saudar a voz de Mariana Basílio e esse poema que nos captura para um outro território." 

 PROGRAMAÇÃO

19h30 - Bate-papo "O Prefixo da Morte é Amor - Literatura e Finitude" com Bruna Mitrano, Leonardo Chioda, Mariana Basílio, e Matheus Guménin Barreto;
20h15 - Leitura de trechos do livro "Tríptico Vital", de Mariana Basílio;
20h30 - Início da sessão de dedicatórias;

Valor do livro: R$ 20* (Preço de custo – apoio ProAC)

Serão aceitos pagamentos em cartões e dinheiro. 
As compras serão feitas diretamente na livraria.

*Valor exclusivo para a data do lançamento.

Lançamento do livro "O cio da salamandra não seduz camaleões", de Edmilson Felipe

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Divulgação: Editora Penalux e Portal Divulgação Cultural

O cio da salamandra não seduz camaleões: um romance sobre a rápida passagem da vida
Em seu novo livro, escritor e professor da PUC questiona e aprofunda a estética da existência

A estética da existência, termo apontado por Michel Foucault no terceiro volume da obra História da Sexualidade – O cuidado de si, traz como reflexão a possibilidade de criação de outros estilos de vida em resposta à reprodução de padrões e valores de uma determinada sociedade, tendo em contraponto a transformação da existência humana em obra de arte. O escritor Edmilson Felipe parte deste pressuposto para desenvolver o enredo de seu novo livro, O cio da salamandra não seduz camaleões, romance que sai pela Editora Penalux e cujo lançamento ocorrerá no próximo sábado, na capital paulista.
Na história apresentada por Edmilson, um homem solitário carrega consigo o desejo de mudança. Apelidado de Zero, este personagem vivencia, tal como um camaleão, diversas situações pelas quais novos lugares e personagens passam a fazer parte de sua história, acentuando forte interação entre passado, presente e futuro.
Os outros personagens que surgem no romance assumem formas tentadoras diante de Zero, como as mulheres com as quais ele se relaciona sexualmente. São presenças decorrentes de seus relacionamentos antigos, namoros desmanchados. Essas relações fugazes traduzem a vida em seu estado mais passageiro. Aspecto que merece atenção especial, pois representa o ponto central do livro. Ante esta questão, o escritor aponta a rota filosófica do seu enredo: “Novas subjetivações, sociabilidades e encontros. Desejos incandescentes que promovam outros níveis de vínculo com a realidade. Um cotidiano pautado por encontros e desencontros; situações-limite que induzam ao questionamento da própria vida na sua dimensão efêmera, atemporal e sobretudo artística”.
Todavia, existe alguma autenticidade entre os personagens, mesmo inseridos neste contexto tão fugaz. Zero, o protagonista, alimenta em seu íntimo o desejo de mudança. Ele que vive uma vida de padrões, trabalho, sexo, está sempre com uma ânsia que o impele a mergulhar em um oceano de acontecimentos. Libertar-se de uma vida comum é a pulsão que move a engrenagem da narrativa em torno da vida de Zero: a procura de um estilo de vida diferente em meio à transitoriedade de sua existência.
“Acredito que o livro possa contribuir para uma reflexão mais aprofundada de como todos estamos estancados num estilo de vida tão retilíneo e uniforme que não dá mais conta de ser vivido”, diz Edmilson Felipe, justificando sua proposta ficcional. “O cenário contemporâneo requer um olhar para essas mudanças, tanto comportamentais, como situacionais, em que um melhor entendimento do real possa ser analisado e superado”, finaliza.
Celio Almeida de Carvalho, que assina o texto de orelha, assim resume o livro: “Histórias cruzadas num mosaico alucinante. Uma narrativa que ignora o tempo linear e busca na desordem a construção de histórias que se retroalimentam, num redemoinho de desejo, tensão e morte. Mas O cio da Salamandra Não Seduz Camaleões, de Edmilson Felipe, não se prende ao comum. Não se trata aqui de uma história carregada de erotismo e suspense, apenas. Trata-se de uma busca, de encontrar o caminho rumo ao Km Zero”.  
O lançamento do livro ocorrerá dia 25 de agosto, sábado, a partir das 19h, no Bar Canto Madalena (R. Medeiros de Albuquerque, 471 - Vila Madalena, São Paulo – SP)

SERVIÇO

O cio da salamandra não seduz camaleões, romance –Edmilson Felipe (Editora Penalux, 2018; 120 páginas).
Preço: R$ 36,00
Link para compra:
http://editorapenalux.com.br/loja/o-cio-da-salamandra-nao-seduz-camaleoes


Sobre o autor

Edmilson Felipe é Doutor em Antropologia, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Participa do Núcleo de Estudos da Complexidade nas linhas de pesquisa: Itinerários Intelectuais e Dinâmicas Culturais Contemporâneas. Atua na área de Antropologia, com ênfase em Complexidade e Conhecimento, Indústria Cultural, Cinema, Arte e Tecnologia e literatura.
Psicanalista, escritor e poeta, participa de vários eventos literários na cidade. Produção Literária: O Susto do Sapiens: Ensaios antropoéticos– Poemas (2.000; 2014 - 2ª. edição) – Antes do Medo –Poemas (2005).Dias de Rock and Roll –Romance (2012). Self no Cadafalso – Poemas (2.015). Almanaque da Carne –Poemas (2.017).

a multiplicidade e o mistério do ver nos poemas de Tomaz Amorim Izabel

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Imagem cedida pelo autor
                                                   
                                                                          



o olho do pavão

miríade de íris
tapeçaria de plumas
olho no olho da cauda
na bunda.

entre quatro estômagos ou asas
mais potentes, entre a rigidez segura
dos músculos, das presas, peçonhas
e garras,
escolheu a cartografia ritual
da penugem grafa.

este homem não,
ele se embeleza e
e se enfeita e
se apetrecha,
quando abre seu leque
não se esconde mas se
mostra à pavoa fogosa
ou ao pavão curioso
que por ventura o vir,
pode vir, aqui tem
colares de olhares
a serem olhados.

pavão mister
ioso, qual o mistério
do seu olho?
mister pavão, que mira
com dezenas de olhos
o branco do ovo.

será quase cego
estúpido às variações sutis
e às texturas do matiz?
será tetracromata
tão atento e delicado
que não bastam as cores da vulgata
uniformemente misturadas?
será o pavão um místico
que enxerga não dois no outro,
mas terceiro, quarto e quinto
olho?

por que tamanha vaidade em um voo
tão curto? o que se pode ver, mesmo
com tantos olhos, do chão?
mas o pavão não responde,
só olha — silencioso — ótimo,
mestre da sua própria óptica.






                   "Breakfast", de Jonelle Summerfield                  




                                                      
uma galáxia tecida em crochê

tapeçaria real do microondas
e auréola sobre a geladeira
santo sudário apócrifo, panos de prato
dentes tortos e cariados
de um ou outro garfo
ossários arquivando galáxias e sudários e garfos
copos de plástico coloridos e engordurados
onipresença do plástico
maçãs e peras de plástico
natureza-morta
folhas de alface e cebolas cruas
submersas em caldo de vinagre
quadrado perfeito sem uma ponta
azulejo quebrado
nobreza gorda do filtro de barro
do botijão e seu mantinho branco
imperial, mais alto que todos
responsável pela ordem estética e térmica
pinguim de geladeira.






"Two Women Drinking Coffee", de Jean Édouard Vuillard
                   




                                     
borra de café

eu que tantas vezes olhei fundo nos olhos do destino
todo mundo é triste, não há quem
ela estava como quando ficam mudando rápido de canal
um menino vestindo leggings
todo arco-íris tem a mesma angulação e cores
mudam os olhos do guará e da preguiça
estes goles quentes de ansiedade macchiata
tanta guerra declarada por causa de angulação de nariz
há mil gerações, trampolins de alcoólatras
a vida digna, mas cansativa
ninguém aguenta mais se cansar
o mundo é grande, mas cheio de entulho
um dia eu também sentei a beleza no meu colo
e a chamei de apocalipse
ela tem os olhos amarelos
é cada vez mais magra e seu nome já soa ridículo,
pomposo demais para sua figura
não nos falamos há muitos anos, meus amigos,
desde as jaquetas de couro sintético da adolescência
voávamos em círculos acorrentados
na cruz da igreja matriz
falávamos em línguas e nos lambíamos com fluência
cabos grossos enterrados no fundo dos rios
há hieróglifos elétricos pintados nas marquises
sempre fomos felizes, nós, vira-latas magros
muitos nos afagam, o cardápio de restos é variado,
mordemos botas de motoqueiro,
suportamos solidários os hálitos uns dos outros e parimos
filhos às dezenas
os espinhos, dizem que são folhas com medo de evaporar.
eu li uns livros enquanto esperava
na sala de espera e o médico já foge pelos fundos
entre o tênis e o asfalto um fio se derretendo de chiclete
a vida cobrará a conta e seremos nós então a fugir?
estes pequenos gaviões de bicos italianos
recebendo no peito plumado erupções suaves de ar
quente, planando,
alguém que fala de vez em quando envergonhado
de coisas bonitas em voz baixa
é uma vergonha total mesmo, neste estado de coisas,
lembrar que não é sempre assim
você me dando beijos no rosto com seus lábios mornos
tem chá nos seus cabelos e conchas do mar
só me caso na igreja se casarmos todos,
incluindo os mortos e o padre
a humanidade poderia ser uma mesa de bar,
sentados frente a frente,
ao lado de peixes e tatus sujos de terra
nossos filhos androides crucificarão a primeira
inteligência artificial
pena não sabermos ler a grande poesia
que escreveram os golfinhos
tão primitivo e tosco quanto cobrir a terra de asfalto
o cobalto dizem que queima azul
há uma dúzia de pores-do-sol costurados,
sim, no seu vestido
a borra de café e sua aplicação cívica nos tapetes
de corpus christi
andré nogueira, você é uma rima em pleno modernismo.




____________________________________
Tomaz Amorim Izabel é poeta nascido e criado na cidade de Poá, às margens da grande São Paulo. Estuda literatura, mas também pensa sobre justiça social e amor. Mantém um blog onde publica suas criações literárias [tomazizabel.blogspot.com] e outro em que faz crítica cultural [3paragrafosdecritica.blogspot.com].

5 poemas de "O Amor Curvo", de Daniel Gil + Ilustrações de Felipe Stefani

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Ilustrações: Felipe Stefani

Eu te amo com espanto
E solidão.

Com as lâmpadas oblíquas
Do céu fechado

Da roupa esgarçada
Do incrédulo que reza
E não sabe.

Amo como um troglodita
E não te digo

O amor curvo
Feito criança com medo.

Mas esse meu amor
É mais bonito que a água

É simples como um tropeço
É maior que o tempo.

Esse adivinho espantado
Ensimesmado.

Eu te amo como quem
Já não acreditava.
Juro.
O amor perpassa o policarbonato
A matéria magnética dos discos
Kubricks, polanskis, a anteposta luz
Ainda a desvelar. Seus dentes místicos

Incidem sobre cordas, pregadores
As roupas gotejantes da semana
A máquina, a memória (tudo gira
E se desbasta, mas o amor acorda

As cortinas). O vidro se trepida.
Chaves, página, tábua de cortar.
O amor combina as borras do café
Imbica a direção dos passos, vai

Sem destino imediato. Não colide
O espelho, a reflexão, os Four Quartets
O elétrico aparelho de afeitar
Na pia (em nada se depara, o amor

Renasce de si mesmo, sucessivo
Sem tributos à morte). Seus anéis
Tintinam o interior impermeável
As realizações. O amor se lança

Ao termostato, às linhas de drenagem
Acondiciona serpentinamente
As paredes, o jeans na maçaneta.
Súbito sobressai das luvas de

Boxe, da vida oculta dos cabides
Do juramento inabalável (dentro
Da vibração do dia, sempiterno
Emenda sonho e vigilância). Tufa

Os travesseiros. O edredom intui
Adivinha sua própria gramatura
À investida do amor. É ele! o sopro
O movimento que repousa

Em mim, em ti, Amor da minha vida.

Tem nos lábios o gesto forte:
Seu gesto forte é cor de rosas
Tem na pele o palor dos dentes
Tem olhos úmidos e verdes como o lodo.

Aureoladas pétalas
Como se um dia o cobre se pusesse
Macio, rio com despenho
De pétalas: o fio
De cobre do cabelo.

Tem: é riquíssima.
Herdeiro do horizonte
O azul das águas não vai ter o quanto.

Sua vida é uma espada luminosa
E no andar a postura prateada
Suas luzes se deitam lúbricas
Na noite tem a copa mais vermelha.

Tem seios tão precisos como um tom de cor.

Minha paixão é límpida
Como o leite.



Doce asfalto onde pisa meu instante
Esse instante onde piso e o outro adiante

Doce lume, disperso e prisioneiro
Mais duradouro que o maior isqueiro
Baba de uma doçura tão distante
Que do mar a ela cabe o rio inteiro

Ciscos em meu espaço, cheiro
Do mundo e música perseverante –

Da ausência, da saudade, da lonjura
Essa presença apetecível
Mas nunca de matéria que não dura –

Te amo com a memória, imperecível.
De olhares empoeirados caídos
No chão ou de
Folhas sem som
Se sepultando. De metais sem
Luz, com o vazio, com a
Ausência do dia
Morto bruscamente. No alto das mãos
O deslumbrar de
Borboletas, seu decolar cuja luz
Não tem fim. Guardavas o rastro
De luz, de seres rotos que o
Sol abandonado
Entardecendo, arrasta às
Igrejas. Tingida
Com olhares, com objeto de
Abelhas
Teu material de inesperada chama fugindo
Precede e acompanha o dia e sua
Família de ouro. Os dias
Espreitando cruzam em
Sigilo, mas
Caem dentro de tua voz
De luz. Ó dona do amor, em teu
Descanso
Fundei meu sono, minha
Atitude calada. Com teu corpo de
Número tímido
Subitamente
Espalhado até as quantidades que definem a terra
Atrás da peleja dos
Dias brancos de espaço e
Frios de mortes lentas e estímulos
Murchos, sinto arder teu regaço e transitar teus
Beijos
Criando singelos
Pássaros em meu sonho. Às vezes
O destino de tuas lágrimas se ergue como
De meu rosto a idade, ali estão
Batendo as ondas da morte: seu
Movimento é úmido
Pendido
Final.



_____________
Daniel Gilnasceu em 1981, no Rio de Janeiro. É secretário executivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorando em Literatura Brasileira na mesma instituição. Foi músico da Companhia Folclórica do Rio e atua eventualmente em pesquisas editoriais de estabelecimento e fixação de textos literários.

matéria que vem do céu - a poesia de Paulo Otávio Barreiros Gravina

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Arte de Leonid Tishkov

No meio do caminho...

A concha também é pedra
Guardando o som do mar,
A Lua disseram que é pedra
E o Sol, pedra amarela.
O caminho todo é pedra,
Asfaltando a alma,
Uma alma de pedra.
Este poema,
Pura pedra.
E só montanhas maiores
Movem montanhas.

Pedra também sou eu,
Apedrejado,
Educado
Pela pedra.
Minhas retinas,
Pesadas como pedras.
E quem coração tiver
Em que medusa já não tenha navegado
Que atire a primeira pedra.
Oremos
Ao deus de pedra.
"Counting Stars", de Whitlinger
As estrelas cochicham toda noite
Sobre o dia que passou.
Cheias de si, elas assistem à novela
Terrena fazendo uma boquinha,
Costurando, jogando buraco
E falando baixinho
Para não acordar ninguém.

Elas nos veem envelhecer
Na velocidade da luz.
Então, antes de adulterarmos
Nossa vida com carteiras
De identidade, pequenas mentiras
E falta de imaginação,
Lembremos das estrelas e
Amanheçamos.
Fonte: Etsy
Jamala via o céu,
Dia 13/02
Ano 2007,
Percebeu só depois:
Ficou a cruz no céu
Do avião que passou.
A cruz desceu na reta,
Pesada com ardor,
Descendo foi direto
Atingir o terror;
A mãe ergueu o véu
Para gritar socorro.
Perdeu a luz o céu
A terra perdeu cor,
Subiu um fogaréu
E tudo se acabou.
Jamala tinha dez
A bomba vinte e dois.


______________
Paulo Otávio Barreiros Gravina graduou-se em Economia e concluiu o mestrado em Literatura Brasileira na PUC-Rio. Trabalha com redação, tradução, revisão e edição de livros e de textos. Também já participou de alguns projetos para incentivar a leitura e atua como diretor-geral dos arquivos do Centro Dom Vital. Em 26 de janeiro de 2018, lançou o primeiro livro completo que editou e traduziu, Eureca, de Edgar Allan Poe, em edição ilustrada. Depois disso, em 11 de maio de 2018, lançou também Prefácio a Shakespeare, de Samuel Johnson, em edição ilustrada.

Lançamento do livro "Desta Terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela", de Ignácio de Loyola Brandão

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O que sobrará desta terra chamada Brasil?

Novo romance distópico de Ignácio de Loyola Brandão pode ser entendido como parte de uma trilogia, junto com Zero e Não verás país nenhum

“A comissáriachefe, voz calma, avisa: As portas
deste país foram fechadas com atraso de três séculos e meio devido a falhas operacionais e também por motivos técnicos alheios à nossa vontade, já que tais serviços estão entregues à equipes terceirizadas.”

          Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela (Global Editora, 376 páginas, R$ 59) é o título do tão aguardado romance de Ignácio de Loyola Brandão. Seu romance anterior havia sido O anônimo célebre, publicado em 2002. O próprio autor, em entrevistas recentes, declarou sua surpresa ao constatar, ao final da concepção do romance, sua ligação natural com seus desconcertantes Zero e Não verás país nenhum. Neste novo livro, Loyola eleva à máxima potência a distopia presentes nesses dois livros fundamentais do escritor que em 2016 recebeu o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra.

“Fatos do passado remoto, sempre revividos.
Hora do rush. No metrô, o homem ejaculou
no pescoco da jovem. Preso, pagou pequena
multa e foi liberado pelo juiz, que disse: “Ele
nao cometeu ato constrangedor, nem colocou o
penis na vagina da denunciante”.

        A narrativa de Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre elatranscorre num futuro indeterminado, em que, ao nascer, todos recebem tornozeleiras eletrônicas, são seguidos, vigiados, fiscalizados por câmeras instaladas nas casas, ruas, banheiros. Nesta terra estranha, e ao mesmo tempo tão próxima de nós, a peste se tornou epidemia que dissolve os corpos. A autoeutanásia foi legalizada para idosos. Para o governo, quanto mais longevos morrerem, melhor. Circulam os comboios de mortos das mais variadas doenças. Os ministérios da Educação, Cultura, Direitos humanos e Meio Ambiente foram extintos. As escolas foram abolidas. A política, matéria rara, se tornou líquida. Coexistem 1.080 partidos. E ninguém governa verdadeiramente. Uma nação moderna, mas arcaica. No meio disso tudo, conhecemos o desenrolar da história de amor entre Clara e Felipe, conturbada como o mundo em que vivem.

        Alinhavando encontros e desencontros, lembranças e esquecimentos, Loyola recolhe, funde e amplifica as vozes e experiências que se chocam num mundo em caos e desalinho, expondo os nervos das fragilidades e ambições humanas. E assim tece uma trama intensa e contundente. E altamente provocadora como as dos romances de nossa literatura que surgem para impactar gerações e gerações de leitores.

Sobre o autor

Ignácio de Loyola Brandão nasceu em Araraquara em 1936. Jornalista e escritor, passou pelas redações de Última hora, Claudia, Realidade, Planeta, Lui, Ciência e vida e Vogue.
Tem mais de 40 livros publicados, entre romances, contos, crônicas, viagens (Cuba e Alemanha) e infantis. Entre seus romances mais conhecidos, estão Bebel que a cidade comeu, Zero, Não verás país nenhum, O beijo não vem da boca, Dentes ao sol, O anjo do adeus e O anônimo célebre.
Seus livros estão traduzidos em inglês, alemão, italiano, espanhol, húngaro, tcheco e coreano do sul. Com o infantil O menino que vendia palavras, ganhou o Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Ficção de 2008. Em 2016, Ignácio de Loyola Brandão recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.

Informações:
. Título: Desta Terra nada vai sobrar a não ser o vento que sopra sobre ela
. Autora: Ignácio de Loyola Brandão
. Editora: Global
. Páginas: 376
. Formato: 16 cm x 23 cm
. Preço: R$ 59,00
. ISBN: 978852602436-6
. Número de catálogo: 4049
. Lançamento: Agosto de 2018
. Origem: Nacional / Idioma: Português
. Edição: 1ª edição
. Gênero: Romance

Informações à imprensa:
Carla Haas – MTb 64.064/SP
Tel.: (11) 3277-7999 – Ramal 276 | Celular / WhatsApp: (11) 98923-2992
e-mail: carla@globaleditora.com.br

Lançamento do livro 'O filho estrangeiro', de Marcos Nascimento

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O Filho Estrangeiro (Editora Multifoco) é o primeiro livro do autor Marcos Nascimento, uma obra concebida em dois livros com poemas que sofrem a erosão e os frutos dos anos que passam ora na velocidade de uma cidade sendo demolida ora na lentidão das tardes adolescentes. Os temas naufragam e submergem seguindo uma linguagem de maquinaria pesada e marcam mudanças no corpo, na cidade e na natureza dos que perambulam por ela.
Montanhas, cães de rua, prédios abandonados e amigos de escola, todos giram por espirais que dão nascimento às novas moradias, ainda que ali já habitem velhos fantasmas e famílias de bichos. O filho estrangeiro é aquele que viaja a fim de sobrevoar o que vê como limite, podendo ser aprisionado na próxima fronteira.


"levanto a minha loucura como uma facho ardente" - 4 poemas de Luana Muniz

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Arte de Marcelo Monreal

eu não quero que gostem de mim
com a suavidade dos dramas mexicanos
não quero vassalos lânguidos
de série da HBO
não me interessam omoplatas rígidas
como o mármore gasto das basílicas
nem desmaios greco-romanos
não quero devaneios bruxuleantes nem
mornidões de cinema francês
tenho pavor dos personagens cálidos
de romeus idílicos
e da beatitude xamânica
eu quero que gostem de mim com a mesma sujeira
das coisas mundanas
quero que me tomem com a sequidão dos
camelos no namíbia
com a peculiar soberba das
tia-avós semitas
e a banalidade indiferente dos
cherokees pagãos
quero que me bebam com o mesmo praguejar
dos chineses embriagados de ópio
e o mesmo sibilar das ilhas místicas
de calipso
só me interessa a carne negra e leviana
dos homens dementes
e o tambor dos tapuias de pele densa
eu quero que gostem de mim
com a mesma nevralgia
dos oxirás feiticeiros
e a mesma rispidez das lógicas cotidianas
só assim o querer me serve:
que me cobicem em salva de prata
com a certeza do quebranto

da miséria

e do desterro
Arte de Christian Schloe
eu com minhas unhas pintadas de azul cobalto os dedos curtos bem formados os dedinhos de pardal eu com minhas tetas obscenas amarronzadas como leguminosas a teta desobediente em que mamam os homens dementes eu toda vitalícia sendo ridícula porque o ridículo tem gosto de leite morno você leu o meu caderno preto e disse a textura é da sua boceta sorrio ávida porque lembro do teu pau áspero no meu sedoso essa fusão ontológica e acredito que este instante é a mais pura bruxaria o amor é tão mutante você planta uma linguada branda em minha pélvis e de repente meu liso no teu crespo a minha língua caminhou tantas vezes pela tua cruz dourada meu amor coisas estranhas nascem das dobras você diz enquanto me alisa o ventre y continua derramando em mim o seu espanto você é uma cornuda o anjo mau desmiolado de deus o javali degolado com estudada lentidão estou morrendo estou morrendo estou morrendo

sorrio novamente muito frouxa as palavras caindo como caem dentes apodrecidos da gengiva isso tudo é pressa pra gente se amar?
Arte de Jean-Paul Avisse
deus me olha com seus olhos doces e lassos a gasosa mão esquerda pousada no colo tão humano tão argênteo que minha espinha se quebra em várias sorrio débil imaginando o condenável que sabor tem o deus - penso histérica – será viscoso como o leite primeiro que brota será consistente ou encorpado como os licores amarettos será palatável caramelo frutado vazando da fonte qual gosto tem a língua onipotente é rugosa ou insossa como as eucaristias todas – eu me pergunto – qual idioma fala esse deus uma balbúrdia de sons sacrossantos ou cada consoante malditamente calculada dentro da mais rigorosa fonética é labiodental a língua do deus ou sedutoramente
- babilônica?
Arte de Wojciech Siudmak
vocês tinham que me ver agora
to sombria to bombástica to hermética
to totalmente desvairada sim e também mirabolante
to promíscua to ridícula to macia
to seca como o kalahari mancomunada com o maligno
o cabelo escuro os olhos doces e lassos as unhas como garras a calça de veludo sintético apertando as coxas as coxas apertando a cara eu sei eu sei preto é a cor da independência mas você tem que usar calcinha branca ralha minha mãe é preciso usar branco é mais auspicioso e eu digo sim eu sei tenho que ser docinha desejar lindezuras ao velho de saco murcho do quinto andar sim mas quero o preto porque o preto me orna melhor mamãe tome jeito menina se comporte continua tão vermelha não sossegas nunca regateira eu sei eu sei eu amo o longe e levanto a minha loucura como uma facho ardente
mas to poderosa que inferno e deleitavelmente humana
to crua to magnética to melodiosa
os anéis nos dedos de calíope
to beatífica como o esfíncter anal do mundo contraído
to tão demoníaca
que se não houvessem esses escrúpulos todos
e esses fogos e esse cintilar artificial e o rosário na mão de mamãe
convidaria vocês pra se masturbarem junto comigo



___________

Luana Munizé mineira-come-quieto, nascida em Belo Horizonte, em 1992. É formada em Letras pela UFMG, onde se especializou em Teoria da Literatura e Literatura comparada, bebendo na fonte pouco ortodoxa dos temas eróticos. Priápica, brejeira e mancomunada com o maligno, escreve alguma ficção e outros poemas avulsos na internet. Gosta de corromper o que ama, talvez por amor.


Resenha do livro "Memórias da infância em que eu morri", de Hugo Pascottini Pernet, por Krishnamurti Góes dos Anjos

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Editora Penalux

Como se constroem os homens...

Por Krishnamurti Góes dos Anjos

“Memórias da infância em que eu morri”, é o livro de estreia do senhor Hugo Pascottini Pernet. O romance conta-nos, em primeira pessoa, a história de Hugo, um menino de apenas nove anos que de repente se vê ameaçado por uma grave e misteriosa doença. Muito bem; a proximidade da morte, ou o mistério em que a enfermidade é encerrada pelos próprios pais, ou o que é pior, a sensação da forte consciência de estarmos sós no mundo que acomete o menino, o levam a registrar seus dias, primeiro em “Fragmentos do diário”, depois com o agravar da doença, em “Fragmentos das fitas cassete”, onde grava mensagens sobretudo destinadas a sua mãe, e finalmente registra apenas, vejam bem, apenas, certos “fragmentos das gravações da mãe falando ao pai”. São justamente esses os capítulos que dividem a obra de Pernet, precedidos de um Prólogo e encerrada simplesmente com uma foto de um menino carequinha dentro de uma banheira, o que sugere-nos ser obra, senão de auto-ficção explícita, algo que medeia o “Entre realidade e invenção”, como está aposto ao título do romance na capa. Sobre isso, o escritor e crítico literário José Castello pergunta na orelha do volume: “Mas quem pode, sinceramente, dizer o que é a realidade? E quem pode aprisionar e domesticar a ideia da invenção, que é justamente uma abertura para o inesperado e o desconhecido?”
Bom, até aqui intuímos que teremos um “osso duro de roer” pela frente. Ocorre todavia uma outra questão que nos é lançada logo nos primeiros capítulos. Não é verossímil que um menino de 9 anos, em nosso tempo de games e futilidades de toda sorte, seja leitor compulsivo de Alberto Caeiro (um dos heterônimos de Fernando Pessoa). Estamos a nos ater à questão da verossimilhança externa – daquilo que seria aceito pelo senso comum, tido como possível, provável. Aprofundemos a questão: no universo literário, que para quem ainda não se deu conta é tido como arte, a criação é como um todo, a transfiguração do real. E como tal, não podemos deixar de referir a verossimilhança (do latim verisimilis, cujo sentido se atém a “provável”). Quando falamos em transfiguração do real, fazemos referência a um mundo imaginário, a algo criado pelo próprio artista. No entanto, não é porque a história é uma criação (romance) que ela não deve possuir uma lógica, uma equivalência com a verdade. A narrativa precisa ser constituída de um universo possível, no intuito de provocar no leitor a sensação de que algo pode realmente existir, acontecer. Assim, os fatos não precisam corresponder de forma exata ao universo exterior, mas necessariamente precisam ser verossímeis, semelhantes à realidade. Mas é justamente sob outro viés dessa mesma questão que a obra de Hugo Pascottini ganha foros de legitimidade porque o autor aposta na verossimilhança interna. Na coerência narrativa, ou seja, pela seqüência articulada dos fatos que por sua vez, vão nos mostrando que uma causa (um fato), desencadeia uma conseqüência, dando origem a novos fatos e assim sucessivamente, e isto muito habilmente sob a ótica de um menino com toda a sua carga de inocência e descoberta da difícil condição humana. Daí percebermos o sentido da epígrafe que abre o volume, que adivinhem de quem é? Fernando Pessoa: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. E a isto, e ante a narrativa que vai se desenvolvendo para o leitor é que puxamos o fio da coisa, ou o título dessa resenha.Como se constroem os homens? Observamos as reações do menino ante as dificuldades que se alongam desde a (in)tolerância dos outros frente a sua inclinação natural para a literatura (tanto para ler como para escrever), a falta de abertura para uma vida mais transparente que os próprios pais impõem, as dores insuportáveis de exames para retirada de sangue, as medicações pesadas que o enfraquecem e mesmo o levam a delírios, as discussões familiares, a imposição da religião (que já matou tanta gente no mundo, e continua matando). A certa altura o menino escreve:
“Os adultos são muito estranhos: acreditam no que inventam. Pior, inventam qualquer coisa em que precisam acreditar”. P.26, ou;
“Não suporto ficar repetindo ave-maria, ave-maria, ave-maria... para um céu inventado”. P.35.
E talvez a mais dolorosa descoberta. O desamor, a falta de apoio incondicional à plena formação de nossos próprios filhos, metaforizada na figura de uma mãe, dada a futilidades de “revistas de fofoca” e que se fecha, ante a doença do filho, num quadro depressivo, justamente quando tal doença (do filho, lógico). deveria ser a força maior para a superação. Este o lento tomar de consciência de Huguinho. Assim vamos construindo homens. Pena que nem todos tenham a inclinação natural daquela criança para um olhar sereno ante o sofrimento, talvez a poesia de Fernando Pessoa tenha contribuído para tanto... quem saberá dizer? O que a realidade nos esfrega na cara, dia a dia, é o perpetuar de criaturas amargas, indiferentes, irresponsáveis, ora vítimas, ora carrascos dos outros. E para não dar spoiler na obra, transcrevemos um trecho para reflexão (não sem antes dizer que Spoiler é quando revelamos fatos a respeito do conteúdo do livro. Numa tradução livre, é o famoso termo “estraga-prazeres”). Confiram o desfecho surpreendente da narrativa no livro.

TRECHO: “Sabe de uma coisa? Acho que vou desistir de tentar falar com a mamãe. Vou desistir de buscar uma explicação pro fato de ela sumir nesse momento da minha vida em que mais preciso de apoio, por isso vou continuar fazendo gravações só para você Clara. Você deve se perguntar por que comecei a gravar áudios pra você se passamos o dia juntos. Eu sei que você está sempre perto de mim e eu poderia falar diretamente a você, mas a verdade é que não, não poderia, não conseguiria, preciso desse gravador, talvez para poder dizer coisas que não conseguiria dizer frente a frente ou que ainda não conheço. Porque tenho certeza que me ouve, que está do meu lado, desde a primeira vez que te vi, desde a primeira vez que conversamos, na recepção do hospital, quando eu estava esperando pra começar a minha segunda sessão de quimioterapia, bem cedo, ainda meio sonolento, sem saber distinguir o sonho da realidade. Em casa, no meu quarto, eu já não faço outra coisa senão dormir o dia todo, às vezes nem sei se acordei ou continuo dormindo, acompanhado por essas imagens que parecem uma praga, se espalham sem rumo e só podem ser vistas dentro do meu corpo”. P. 134.  

Livro: “Memórias da infância em que eu morri” [Entre realidade e invenção I]– Romance de Hugo Pascottini Pernet -  Editora Penalux, Guaratinguetá- SP, 2018, 173 p.
ISBN 978-85-5833-343-6

OBS: LINK COMPRA E PRONTO ENVIO:
http://editorapenalux.com.br/loja/memorias-da-infancia-em-que-eu-morri

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Hugo Pascottini Pernet nasceu no Rio de Janeiro em 1990. É formado em jornalismo pela PUC-Rio. Já participou de diversas coletâneas de contos, entre elas, Contágios, organizada pelo escritor e crítico literário José Castello. Integra o grupo literário “Os quinze”. “Memórias da infância em que eu morri” é seu livro de estreia.

Krishnamurti Góes dos Anjosé escritor, Pesquisador, e Crítico literário. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo– Romance Histórico, Gato de Telhado– Contos, Um Novo Século– Contos,  Embriagado Intelecto e outros contos e  Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional -  Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance. Colabora regularmente com resenhas, contos e ensaios em diversos sites e publicações, dentre os quais: Literatura BR, Homo Literatus, Mallarmargens, Diversos Afins, Jornal RelevO,Revista Subversa, Germina Revista de Literatura e Arte, Suplemento Correio das Artes, São Paulo Review, Revista InComunidade de Portugal, e Revista Laranja Original.

de barro e pedra - nydia bonetti / natália gregorini [ilustração]

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Alguns poemas do livro:




tons inefáveis
quando à tarde
olhos que há muito haviam se perdido
e se fechado em conchas
de não mais querer
puderam
ler um poema sem palavras
vindo das pedras





garimpar palavras em minas alheias
não quero
passa um rio por aqui

recolho pedras





recolhe cacos do vaso de barro no chão
nada restou inteiro — mas a flor
ainda pode ser
sonhada





há em tudo um hiato
entre o sentir e o verso — universos
segue o poeta
em busca da pedra que transmuta
descrente — crê cegamente
na improvável grande obra





outra vez cantaremos o pássaro
— é tarde! grita a montanha em frente
eu digo: — é noite
e canto
o pássaro noturno que não virá
— mas onde? se esconderam os pássaros
gritam as pedras
e despertam silêncios/viveiros
de outros cantos





editora Urutau
rua adolpho arruda, 41
jardim das laranjeiras 12910 455
bragança paulista-sp
brasil américa do sul
Tel. [ 55 11] 94859 2426
contato@editoraurutau.com.br
www.editoraurutau.com.br
[editores]
ana elisa de arruda penteado • tiago fabris rendelli • wladimir vaz
[revisão] ana elisa de arruda penteado
© bonetti & gregorini, 2017.


http://www.editoraurutau.com.br/livros-1

Lançamento do livro "Um para dentro todo exterior", de Paulo Sabino, acontece em setembro no Rio de Janeiro

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Paulo Sabino

Gente poética, depois do lançamento do livro de estreia do poeta Paulo Sabino na Flip - Festa Literária Internacional de Paraty, chegou a hora do lançamento na cidade do Rio!

"Um para dentro todo exterior" será lançado dia 5 de setembro (a primeira quarta-feira do mês), a partir das 19h, na Blooks Livraria (Praia de Botafogo, nº 316 - a livraria fica dentro do Espaço Itaú de Cinema).

O livro conta com textos de apresentação dos acadêmicos Antonio Carlos Secchin, Antonio Cicero Oficial e Nélida Piñon e do vencedor do prêmio Jabuti Salgado Maranhão.

Paulo Sabino espera vocês!
Dia e horário: Quarta-feira, 5 de setembro às 19:00
Local: Blooks Livraria (Praia de Botafogo, 316, Rio de Janeiro)

Mais informações em: https://www.facebook.com/events/507615116332439/

*Texto retirado da página do evento.

"Fear", crônica de Sergio Schargel

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Fonte: Tribuna da Internet
Fear

João levantou-se, tirou os tampões do ouvido que permitiam não ser acordado a todo instante graças ao seu sono leve e foi ao banheiro para molhar a cara. Ainda meio atordoado de sono, ignorou o fato de que seu quarto parecia maior e mais pomposo. Aliás, não se lembrava de dormir em uma suíte. Movido praticamente de forma automática, com a mente ainda grogue e sem raciocinar direito, tomou um banho. Sentia-se estranho desde que acordara, quase como se fosse outra pessoa, mas creditava isso ao sono da manhã e ignorara a sensação. Quando ao escovar os dentes e olhar no espelho pela primeira vez no dia, porém, levou um gigantesco susto e não conseguiu conter um grito de desespero. Sem qualquer explicação aparente, João havia se transformado em Temer. Ele mesmo, o presidente.
Quando certa manhã João acordou de sonhos intranquilos encontrou-se em seu banheiro metamorfoseado em um inseto monstruoso. O horror foi tamanho que o pobre João mal conseguiu conter o grito. Imagine você, caro leitor, façamos aqui um exercício de empatia – qualidade que tanto nos falta - transformado de uma hora para a outra sem quaisquer explicações ao melhor estilo Kafka logo no homem mais odiado da nação. Pobre João. Antes fosse uma barata gigante.
Mas nem tudo era dor e danação. Passado o horror e a surpresa iniciais, João, homem padrão que era, logo pensou nas vantagens que tal condição poderia trazer. E vantagens, para ele, atendiam pelo nome de Marcela. Ora, se estava preso por alguma razão nesse corpo odiado, por que não aproveitar ao menos a regalia de uma bela esposa? Era solitário, nunca havia se casado e há anos não se relacionava com alguma mulher. Essa era a oportunidade de finalmente tirar o atraso que seu antigo corpo sem dinheiro, poder ou beleza o sentenciara. João voltou para a cama e de fato Marcela dormia no outro canto. Com um sorriso malicioso no rosto, aproximou-se, passou as mãos suavemente nas pernas da primeira-dama e se agachou para dar-lhe um beijo, ao que foi recebido com... Um empurrão?!
- De novo isso, Michel? Se você não consegue nem colocar o seu amigo de pé, por que vem me perturbar?
Aquilo pegou João/Michel de surpresa. O que aquela mulher queria dizer com “não conseguir botar o seu amigo de pé”? Sem responder nada João correu para o banheiro, tirou a calça e descobriu o maior de todos os horrores: era broxa. A impotência já tomara conta daquele corpo envelhecido. O horror, o horror. Não bastava ser agora o próprio Michel Temer, era também um Michel Temer broxa. Dor e danação. Dor e danação em seu maior grau possível. Ainda atordoado, voltou para o quarto, onde Marcela já sentada continuava a falar:
- Nós já tínhamos decidido que não faríamos mais isso, por que você continua insistindo? Por mais conveniente que seja nosso casamento, se você continuar com isso teremos que nos separar. Já imaginou o escândalo? Não seria interessante para você né Michel, poderia inclusive expor seus podres. Então para com essa merda e volte a se masturbar com a faixa presidencial.
João ficara surpreso, aquela mulher não tinha nada de recatada e do lar. Ela era o demônio.
- O que foi – continuou – acha que eu não sei o que você faz no banheiro até tarde?
 - Eu...
- O que você está esperando, Michel? O dinheiro não vai se roubar sozinho, você sabe. Tem uma longa jornada de “trabalho” pela frente hoje “querido”.
João conseguia sentir apenas um ódio intenso por aquela Lady Macbeth e pela forma de escárnio com a qual ela se dirigia a ele. Pela primeira vez sentira alguma pena de Temer. Talvez o homem não fosse assim tão mal. Mas esse pensamento logo foi substituído pela raiva e melancolia de estar trancado em um corpo impotente. Bom, ao menos ainda era o homem mais poderoso do país. Ainda assim, por alguma razão que a razão lhe fugia, mesmo sendo supostamente o homem mais poderoso do Brasil, não conseguia impor suas vontades a ela e uma misteriosa força o compelia a obedecer.
O velho e bom clichê do sonho seria uma saída muito simples para essa história e João não é estúpido, logo percebeu que aquela situação, por mais bisonha que fosse, era real. Como qualquer bom brasileiro médio, acostumado a consumir desenfreadamente qualquer coisa empurrada goela abaixo pela TV, João possuía perspicácia e conhecimento em filmes B de Hollywood para saber que trocas de corpo sem explicação são extremamente comuns e acontecem quase todos os dias por aí. Então não, esta bizarra troca de corpos não possui explicação, já que esse nunca foi o objetivo desse conto. Quão pretensiosamente kafkiano da parte do narrador.
Sem explicação, sem lógica e sem sentido, João era agora o presidente. E devia agir como tal, até entender o que acontecera e o que podia ser feito a respeito. Isso se algo pudesse ser feito a respeito. A situação era absurda, mas - peço perdão aqui pelo uso dessa frase lugar-comum mas não encontrei nenhuma que se adequasse melhordevia dançar conforme a música. Só que não fazia a menor ideia de como se portar ou do que deveria fazer como presidente. Era um humilde porteiro que de repente, do nada, se viu como presidente do Brasil. Como reagir, como proceder? Era óbvio que ninguém acreditaria se dissesse que não era o presidente, então precisaria agir o mais próximo da forma como Michel agiria.
Tão logo pôs os pés no Palácio do Planalto, nosso ilustríssimo João, devidamente travestido de presidente, foi recebido por duas figuras nefastas. Tratavase, como não poderia deixar de ser, de sua querida e útil assessoria. E note que aqui me refiro usando o pronome “sua” já considerando João como o presidente em exercício nesse país conturbado, já que tecnicamente a assessoria era de Michel Temer. Só que, porém, entretanto e todavia, desafiando as leis metafísicas, João ERA agora Michel Temer. E, portanto, os assessores eram “seus”. Se é que alguém pode ser de alguém, ou, mais ainda, se algo pode ser de alguém já que não existe alguém com autoridade o suficiente para definir isso, mas aí se pensarmos muito nisso entraremos ainda mais na metafísica e problematizar não é a ideia dessa pequena crônica. Aliás, seria essa pequena anedota uma crônica ou um conto? Ainda não estudei literatura comparada o suficiente para descobrir, deixo a decisão para o leitor acadêmico que esteja lendo nesse momento, se é que há um. Para facilitar a leitura, então, usarei pronomes possessivos e afins já tratando João como o presidente, dado que seria extremamente inconveniente – e acredito que você concordará comigo – tratar o personagem como sendo o porteiro João e não o presidente João/Michel Temer, que, para os efeitos, todos acreditam que seja.
- Senhor Temer, o senhor por acaso já se esqueceu do combinado?
O mais difícil de se tornar quem se tornara, para João, era fingir entender o que lhe diziam. Mas era o que esperavam dele, não podia recuar, qualquer outra opção soaria absurda. Acreditava fielmente que um homem deveria se posicionar sempre de forma resoluta e demonstrar dominância, mesmo que em seu interior o medo o dominasse. Já ficou claro que João era um tanto quanto conservador e machista, como grande parte dos brasileiros médios, o que explica essa sua filosofia de vida. Dessa forma, tentou transmitir confiança embora tenha falhado e acabou por soar inevitavelmente débil ao responder seus assessores: - Eu... Não... – sendo prontamente interrompido sem que sequer conseguisse dar prosseguimento à mensagem, não que houvesse algo a ser dito já que João/Temer estava puramente confuso e desnorteado. Normalmente não é muito delicado interromper pessoas, mas caso o seu interlocutor tenha misteriosamente trocado de corpo com o presidente e encontre-se completamente desamparado, não há problema em ser mal educado. A interrupção foi bastante proveitosa - pois como o leitor bem sabe e já peço novamente perdão por me aproveitar de um lugar-comum, mas vocês sabem quão difícil é superar vícios de linguagem - há males que vem para o bem.
- Senhor, nós havíamos dito explicitamente que não era para comentar a reforma previdenciária em público sob o risco de falar besteira e assim por em perigo o seu acordo com os demais deputados e senadores. Não percebe o que fez ao dar aquela declaração ontem? O país só fala disso. Toninho me ligou hoje dizendo que era para cancelarmos as concessões à sua empreiteira já que o governo parece caminhar para mais uma crise e precisamos de qualquer forma evitar mais um escândalo.
- Eu...
- Por favor, não conceda entrevistas, coletivas ou qualquer coisa do tipo pelos próximos dias. Procure evitar repórteres, mas se questionado limite-se a dizer que a reforma é imprescindível para o país retornar seu crescimento. Dito isso é nosso dever afirmar que Toninho junto de alguns outros deputados e senadores estão bastante irritados e demandam uma audiência hoje. Como sei que jogar Damas consigo mesmo não ocupa muito do seu tempo e, portanto, estará livre, a marquei para as 13 horas. Claro que estaremos com o senhor para auxilia-lo e impedi-lo de falar besteiras.
- Eu...
- Enquanto o horário da reunião não chega o senhor pode manter-se ocupado jogando Damas em seu gabinete, como de praxe. Nós cuidaremos das atividades presidenciais, para a sua e a nossa segurança.
Com um sorriso sarcástico e cruel, o assessor deixou João enfim sozinho. Como os leitores podem imaginar, nosso protagonista encontrava-se sem reação, praticamente em choque. Pelo visto a impotência que circundava a figura de Temer não era apenas física. João sabia que o presidente nunca fora onipotente ou mesmo uma unanimidade, mas a fragilidade com que presenciou o cargo o surpreendeu. Temer não passava, então, de uma simples marionete, um boneco sem vontade própria que agia como protagonista apenas para manter as aparências quando, na realidade, existia algo muito mais poderoso, muito maior por trás. Ventríloquos que ditavam o destino do Brasil, que poético.
Recolhendo-se a sua insignificância João pôde então ter um momento de sossego. A sós, enfim, refletiu sobre sua atual condição. A vida como ‘golpista’ não era, afinal, de todo mal. Apesar de broxa, de ser odiado por toda uma nação e de ser um presidente decorativo, ainda possuía suas regalias. Sempre poderia chorar em Paris. Entre aproveitar o resto da vida no Distrito Vermelho em Amsterdam ou trabalhar incessantemente e ter que negociar com seu patrão para ter quaisquer enormes privilégios como férias, a resposta era óbvia. Ser o Temer não era tão ruim assim. Claro, não tinha amigos, amor verdadeiro e ainda era impotente. Mas de que importava essas coisas? Ao menos agora tinha dinheiro. E, com dinheiro no bolso, até o ódio alheio se torna irrelevante. Nunca mais haveria de acordar as 5h da manhã para se atrasar por 10 minutos no condomínio e ter de ouvir que era um preguiçoso. Nunca mais teria que trabalhar por doze horas sem receber hora extra. Nunca mais teria que almoçar rapidamente sob o perigo de ser descontado o tempo do seu salário. Quem disse que o dinheiro não traz felicidade nunca foi pobre.
Considerando numa balança, não havia perdido muito, a vida como João não era assim tão boa. Claro, sentiria falta de seu pênis não impotente e de seus amigos do bar. Mas fazer o quê? O golpe do destino foi certeiro. Haveria de recomeçar a vida, o que, com alguns vários milhões em uma conta na Suíça, não é assim tão difícil.
Enquanto isso, no outro lado desse país continental, uma história semelhantemente diferente se desenrolava. Pois quando Michel Temer acordou de sonhos intranquilos viu-se metamorfoseado em um trabalhador. Mas essa é uma história para outra ocasião.



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Sergio Schargelé carioca, fruto de uma mistura cubana com polonesa. Formado em Jornalismo e Publicidade pela PUC-Rio, atualmente aplica para um mestrado em literatura e sonha em criar carreira na área como pesquisador, professor e/ou escritor. Mantém uma página no Facebook onde posta fotografias, poemas e outras peças artísticas: https://www.facebook.com/sergio.schargel/.

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