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O nome da tua pele - I (por paulo guicheney)

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Não fuja. Eu entendo teus vazios, teus contornos, teus tristes olhos de criança, teu silêncio fundo como um parto. Tudo o que é teu continua. Sabes? Tuas plantas, teus quadros, tua gata. Tua banheira cheia de amêndoas, amoras, ameixas – mas não castanhas. Não fuja. Há um pássaro no jardim defronte nossa casa, ele tem o nome da tua pele.
H. I. Kupps


Eu não sei onde enfiar o amor. Ninguém sabe.
Meu pai nunca soube. Minha mãe sabia, às vezes. Mas disso também não estou certo. Em Goyastadt, tenho certeza, ninguém sabe.

Sinto o fundo. Não sei precisar o quê. Algo como a página errada do livro errado.

Quando as imagens voltam, voltam. Nada além.
Tenho nas mãos uma oração, um guardanapo sujo. Deus, os outros bichos, refletidos no meu prato de comida. Tenho essas coisas. Tenho um quarto. Toda uma casa. Um emprego e um piano. Várias estantes de livros. Um lipoma na cabeça. A rua 57. Saudades de Alice em um nível. Do qual não quero falar.
E assim, sempre.

Mas não sei onde.



O nome da tua pele - II (por paulo guicheney)

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Uma nova maneira de escrever a mesma coisa. Algo, do sangue. Imagino, Alice. O que seriam os teus braços?

Um anjo ou um animal.

Estes braços entre outros braços que teus também. Assim.

Imagino todo o tempo. Mas uma flor não é um poema. Quando criança eu estive em uma guerra. Sei que você também. Meus pais se mataram muitas vezes.

Tua guerra, não vi. Mas sei que o ballet consumiu tuas veias, sempre quando noite ou dia, quando pó ou sorriso, quando canto ou pele, quando valsa ou inveja, quando surto ou estreia, quando sereia ou chaga.

Quando o vestido azul estava em teus ombros, quando caíste em minha cama, quando.


Imagino. Volto. Todo o tempo. Longe de Cholen. Em um quarto de hotel. No Centro de Goyastadt. Olho tua mancha branca. Teus ombros. O vestido. Os filhos. Nunca nasceram os filhos. Apenas os nomes. Sempre o infinito dos nomes.


O amor, uma fileira de corpos no armário.



O nome da tua pele - III (por paulo guicheney)

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Noite em Goyastadt, perco o sono. Cai a neve negra. Queimam a sinagoga da Fasanenstrasse. 50, agora 75 sinagogas ardem. Ardem os números, as coisas todas do Eterno. Todo este mundo que é. Não é mais.

Perambulo pelo Centro. De um modo no qual caminhar é um sonho que descarna a lembrança da mãe. “Those eyes, that mouth”, canta um mendigo. Penso em uma mulher em queda. Tenho medo. Penso em mim mesmo. Em um cânone de vários anos, na barba por fazer, na bebida que devo para o Modell Wien, no piano que vendi três vezes seguidas. Penso que poderia estar um pouco mais, apenas um pouco mais, não tanto, bêbado.

Continuo com medo. Tal medo-criança. Lembro-me de meu pai chutando a mesa do café da manhã. Despedaçando o mundo de minha mãe. Meu pai era esse homem que quebrava berços, dedilhava pragas, escalava as estruturas. Da palavra – homem é aquele que detém a palavra. Mas eu tenho um medo que não sei nomear.

Lembro-me também de um hotel em Brasília. Estamos juntos. Conversamos.
– Não basta sentir?
– Eu não sei. Não basta sentir. Esta é a frase que eu mais odeio. Mas... eu não sei. Eu não sei. O quê você começou em mim?
– Você diz, aquele dia? De mãos dadas?
– Sim. Mas, antes.
– Você estava de preto.
– Você também. Mas antes. Ainda no hotel.
– Eu não sei. Sinto muito.
– Lembro-me de acender um cigarro, escorada à janela. Eu estava nua e você disse que eu seria vista.
– Sim.
– Por quê?
– Eu tive medo. Eu sempre tenho medo.
– Nós víamos a rua dessa janela.
– Sim. E depois andamos de mãos dadas, pela primeira vez.
– Não, não é disso que falo. Penso na janela. Não consigo esquecer a janela. O mundo que nascia da janela. O corpo. Contra. O cheiro da janela. O calor da rua invadindo o frio do quarto.
– Esqueça.
– Não consigo.
– Esqueça.
– Eu era uma menina. Você era um monstro.

Observo os mendigos do Centro. Do mundo que é. Tenho a sensação de que há uma garrafa costurada à minha barriga. Sinto os cacos, o rótulo. O pâncreas. Tenho medo.

Meu pai debridou minha alma, Alice.



O nome da tua pele - IV (por paulo guicheney)

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Pluralizo tudo, os tempos e os amores. As tuas falas. A minha falta toda, inteira. Esta flama-falta que me acompanha desde tão pequeno. Desde grudado à saia de uma moça branca de olhos escuros, desde um acalanto diluído em língua calma como o sono.

Eu não sou um homem, sou uma peste bíblica. Uma máquina feita de dentes, cordas, pedras e engrenagens-coágulos.

E se os ombros dançam e os olhos modulam de um verde-harpa a um castanho-nuvem, e se tantas vezes tentei encontrar Deus nos freios do meu carro, e se a moça branca como um sono acalentou a saia em uma língua escura, responda-me, Alice:

Há algo que respira meus olhos? Minha mão direita voltará a caminhar? A casa de meus avós perderá os rins? Somos apenas pó-sem-sopro? E ainda-sempre:
No teu seio esquerdo flutua hoje uma criança? O filho que nomeamos antes da onda toda mar, toda flor?
É um ponto após um ponto após um ponto após, Alice.

Alice, este nome. Que uma flor. Ou faca.

Posso nomear-te com outro nome? Nomear tal? Ou.
São apenas variações (e uma fuga) sobre uma flor e o suor de uma mulher.

E se por um momento estive dentro do teu corpo, e se os homens riem dos amores que desabaram na malha dos dias, das horas, das árvores, e se uma peste embranqueceu a saia-acalanto da língua de minha mãe, respondo-te, Alice:

Continuo flama-falta,
fliama,
flam,
fladma,
flaume,
flame.

Continuo, Alice. Encontro em uma parede de minha casa, fundo, enterrado no telhado:
A bailarina é bruta como um touro. Costura nas pernas um sorriso. Carrega terra nas veias. Ata no rosto um pedaço-mãe.


E o mundo.



O nome da tua pele - V (por paulo guicheney)

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Ainda que eu não possa voltar ao pequeno quarto no corpo da mãe, e se há uma tempestade em Júpiter que há séculos macula os bares dos bairros chiques, por que eu não poderia te amar por um ou dois anos ainda, Alice?
Às vezes perco a paciência contigo.

Fico olhando as prostitutas da 68 vendendo suas pequenas Wohnungen, como diz Lutero, e penso: quero tornar-me uma prostituta.
Nada é mais importante do que escolher uma profissão. O trabalho. Lembro-me de Meu-pai. Meu-pai ficaria feliz. Um filho prostituta.

Esse tal Meu-pai-a-fúria: fonte dos grandes abismos.

Compro uma passagem para Manchester – o século XIX da minha biografia – e desisto dentro do avião. Não há nada em Manchester.
Não há nada em Goyastadt. Também. Sei.

Não há nada em lugar algum desde que você se foi, Alice.

Genau. Não vou pedir para você voltar. Prefiro esconder Baudelaire em um quarteto de cordas.
Mas, Alice. Volte.
Volte. Meu amor incrusta de medulas o sonho.


Deus tem pássaros nas mãos. Azuis.



O nome da tua pele - VI (por paulo guicheney)

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Um casal de pássaros maus vindo da soleira da infância. Mãos dadas, as desgraças todas correm em minha direção. Sempre. Neste meu mundo. Onde minha irmã morta aparece e canta em uma língua que não percebo.

Quando eu gritei teu nome na varanda, Alice, uma moça olhou assustada do sofá. Disse, “você ainda ama essa mulher, Paul. Sinto muito.” E eu gritei e gritei.

Sempre imagino meu corpo entre outros corpos. Em um mundo de cal, silêncio. Quero abraçar minha irmã morta.
Uma criança. Ainda flor.

Vou te contar algo. Todos os sábados eu comprava broas na rua 59. Uma casa no mesmo quarteirão da 57. A senhora que me atendia está morta.
Nunca te contei sobre essa senhora, Alice. Hoje penso que gostaria de ter contado. Ela adoeceu no primeiro mês. Meu pai disse ter sido uma coincidência. Mas não. Ela teve metástase em todos os pontos cardeais. Na calcinha, uma metástase. Nos sonhos, no resto de sorriso. No esmalte das unhas. Na dentadura. Em todos os lugares cantavam em coro as metástases.

Eu desconheço algo mais humano que o Césio. Se eu pudesse, Alice. Se eu conseguisse falar. Se eu tivesse as ferramentas corretas para.
Mas eu não consigo. Seguro o telefone e não consigo. Eu não posso com a minha infância.

Todos os monstros. O pai.

Às vezes, não entendo por qual razão fomos tão maus um com o outro. Mas ainda quero te contar a história dessa senhora. A senhora que vendia broas com metástases na farinha e no sorriso. A senhora simpática que sonhava em ter uma padaria e foi atropelada por um isótopo. A mulher despedaçada, íntima do meu grito.

Gostaria de contar. E também de apertar tuas mãos. E nunca mais gritar teu nome na varanda.


Mas eu não consigo. Minha irmã canta, desliza os dedos sobre o meu rosto e chora.


O nome da tua pele - VII (por paulo guicheney)

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Eu coloquei tua aquarela no meu estúdio, ‘A moça de vestido verde’. A moça que cai e cai.

Você sempre retorna, Alice. Como uma metástase adormecida num canto escuro do corpo.

Assim como o inverno congela pássaros no céu. E eles caem.


Quando um homem encara sua metástase, Deus teme.

No inconsciente, as coisas acontecem sem explosões. Os pedaços surgem, simplesmente. Braços, pernas caem. Quem perde uma mulher nunca está sozinho. Sempre há angústia suficiente para encher os bolsos, emprestar, desperdiçar.

O amor está em todas as coisas, basta que você saiba encontrá-lo, diz a moça no sofá.  Tenho vontade de encontrá-lo, de queimá-lo vivo. Tenho vontade de tomar duas cartelas de Valium. Despedaçar meu pai, enfim.

Tenho vontade de desligar meu aparelho de surdez.

Talvez sem escutar eu não te veja mais em todas as mulheres. E talvez eu possa voltar a dormir. E me apaixonar. Conhecer outra pessoa e me apaixonar. Também dizem isso, todo o tempo. Você precisa se apaixonar por outra mulher.

Eu não quero me apaixonar por outra mulher.


Eu quero me casar com a terra.



O nome da tua pele - VIII (por paulo guicheney)

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Parece que o mar, todo em álcool e Valium, vem me engolir. Uma carnificina para não me tornar o que já sou, meu pai.

Tempo é sangue.

Eu vou adoecer, provavelmente vou morrer. Mas não vamos mais nos ver, Alice. Cansei de talhar existência de monstro. O Calígula que te estupra e canta, teus seios estão mortos. O Mengele que abomina as tuas cicatrizes. O Pol Pot que te exilou da dança. O Knochenmann que te seduziu porque removeu tua maquiagem no quarto de hotel longe de Cholen. (Ou um tubarão tigre que engole uma vaca no meio do Oceano. Um açougueiro de facas cegas.)

O problema é que não existe entre nós a Morte e a Donzela, Alice. Existe a Morte e a Morte.


Preciso de um metrônomo. Um metrônomo que dite o andamento de minha angústia.
Talvez assim.


Não me esqueço do seu amor por pizzicati. Não me esqueço de tantas coisas. As canetas coloridas que compramos em Medellin, a planta que teima em sobreviver na minha varanda – a plantinha que você me deu. Se eu pudesse, esqueceria tudo. Queimaria tudo. Abandonaria o corpo teu que.


Abraça os meu olhos.




3 POEMAS DE CLAUDINEI VIEIRA

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à noite

a próxima noite não lhe salvará
a consciência ou o traseiro.
em cada copo de cerveja escura
ou beijo roubado da velha prostituta
ou do gigolô da boate badalada,
você deixará um pedaço de sua alma,
ou do intestino.
a noite da cidade lhe escorre pelas veias
como ácido fluorantimônico
(pois o sulfúrico nem chega perto)?
deseja mais uma dose de amor cintilante fake?
que lhe agarre pelas bolas
e não largue, não solte,
não ame, não beije?
(com beijo é mais caro).
a noite da cidade lhe dará todas as respostas,
lhe cobrirá todas as dores,
dissolverá todas as dúvidas e os ossos,
o cérebro e a ansiedade,
mas o preço é alto, meu camaradinha.
é preciso mais do que coragem ou imprevidência:
é preciso tesão.
não bastam curiosidade ou arrogância,
não são suficientes a miséria e a ignorância;
não se conhece a noite por bisbilhotice.
pois ela é dura, pesada, tonelável,
pontiaguda, perfurante, instável,
indiferente, passional, ininterrupta, inconveniente, intratável, estúpida, afogável,
odienta, bexiguenta, insuportável, inapagável, irrevogável, caudalosa, e nunca nunca
nunca para, nunca, nunca deixa de ser, nunca
não basta a boa vontade
é preciso tesão, prazer
(com prazer é mais caro),
penetrar ao talo.
é preciso tesão, soltar a agonia
gritar a agonia, identificar-se com a agonia, noite é agonia
é preciso tesão, cara
porque a noite não é de grátis
e não há manuais, não há guias,
não há buscas de google que dêem conta, camarada,
não há auxílio-online para desentalar o esperma frio,
não há carapaça para as balas assim-ditas perdidas noturnas.
não há escapatória
essa é a maior verdade:
não há escapatória.
enquanto houver saída,
ainda não é noite.
 
boas notícias

a boa notícia
é que ainda estamos quase meio vivos
ainda quase meio tolos por continuar
a chapinhar em poças de lamas passadas
embora insistamos em esquecer
os mortos de boca aberta
enterrados nestas mesmas lamas

a boa notícia
é que ainda temos voz
mas, só até quando a garganta
não se entale com o silêncio atroz
dos cadáveres enlameados

a boa notícia
é que podemos gozar, e gozaremos,
mesmo que sobre o barro
e gozaremos, mesmo que sobre ossos
e gozaremos mesmo que já estejamos,
quase todos nós,
quase todos meio mortos

o cara rouba merenda

o cara rouba merenda, entende?
rouba futuros, sumos, existências.
o cara seca a cidade, entende?
seca mentes, dormentes, ossos.
o cara manda psicopatas uniformizados, entende?
psicopatas desentupidos, subdesenvolvidos armados,
para massacrar estudantes adolescentes desarmados.
E continuará.
pois o cara rouba merenda!
e manda bater nos que reclamam
e manda cercar os que reclamam
e manda silenciar para que não reclamem
e manda guardar segredo para que não reclamem
e mandará matar se for necessário
(como tanto acontece há tanto tempo em tantas quebradas)
e se não entende isso,
e se não percebe isso,
se não se revolta contra isso,
quem, ou o quê, afinal, é você?

El tipo roba merienda
tradução para o espanhol de Tata Bahia

El tipo roba merienda, entiendes?
Roba futuros, zumos, existencias.
El cara seca la ciudad, entiendes?
Seca mentes, traviesas, huesos.
El tipo manda psicópatas uniformados, entiendes?
Psicópatas desentupidos, subdesarrollados armados,
Para masacrar a los estudiantes adolescentes desarmados.
Y continuará.
Pues el tipo roba merienda!
Y manda a pegarle a los que reclaman
Y manda a cercar los que reclaman
Y manda callar para que no se quejen
Y manda a guardar el secreto para que no se quejen
Y mandará matar si es necesario
(como sucede desde hace tanto tiempo en tantas rotas)
Y si no lo entiende,
Y si no se da cuenta de eso,
Si no se está rebelando contra eso,
Quién, o qué, después de todo, es usted?

(poemas de Olá, pequeno monstro do dia, Editora Benfazeja, 2016)


Claudinei Vieira, autor do livro de contos ‘Desconcerto’ (selo Demônio Negro), ‘Yũrei, Caberê (editora Patuá, 2015) integrante da coleção Patuscada (premiado pelo ProaAC - Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo), e ‘Olá, pequeno monstro do dia’ (editora Benfazeja), além de participação em várias antologias de contos e poesia, como ‘Visões de São Paulo’ (Tarja Editorial), ‘Sobre Lagartas e Borboletas’ (Scenarium), ‘Golpe: Antologia-Manifesto’ (ebook).

SOBRE SUPER-HERÓIS, 11 POEMAS DE JORGE ELIAS NETO

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MULHER AMARGA-VIDA

Esse olhar suspeito
em meus peitos
― maravilhas americanas ―
sob listras nacionalistas
se confunde
enquanto, alucinada, rodopio
e visto minha tiara
               
não sou sexo, não sou foda
sou a sádica do chicote

por fora dourada
e dentro
uma TPM do cacete.


Parque das Hortênsias
11 de abril de 2015




Bata-me, de hobby


                                      A mão que bate
                                     é a mesma que acaricia.

O que bate
geme
nos becos de Gothan

E se de Drácula
veio a capa
e do morcego,
a asa,
dos bailes
veio o fetiche
    ― a máscara

Sou o alterego
do esteta
no jogo do dá e bota
ou a dupla face do homem
que nega
mas se enrosca?

Bata-me, mas de hobby
pois se na vida se engole
a farsa,
o Coringa e o Charada,
no intimo da caverna
se goza.


Vitória, 13 de abril de 2015

* 

Tome ferro!


                                              Homem de lata
                                              Capitalismo selvagem!

Nas pilhas de sucata
me reinvento

e se brilha a lata
é por ser ferreiro
aquele que arremata
os restos com engenho

homem ― primata mecanizado
sustentando o peso
da armadura dourada

“ pobre Tony
― homem de lata ―
cobaia da Marvel Comics

O vírus Extremis
é um câncer que se alastra
e corrompe
heróis e inocentes.”


Vitória, 23 de abril de 2015

*
  
Thormento

                                                                  Além do arco-íris deve ter
                                                                  Um lugar tranquilo pois não aguento mais
Sou ou não sou
um deus
filho da linhagem nórdica?
Serei filho de Zeus,
ou um lorde escandinavo?

Não há fonte que jorre
não há pote
sob a ponte de arco-íris
que me prove
ser Odin meu pai.

Um highlander,
ou de Jupiter enteado?

Raios e trovões
me digam:
sou um filho bastardo,
um semi-deus?

Místico martelo
remove este tomento
me absolve
da culpa da imortalidade.

  
Vitória, 23 de abril de 2015

* 

Uga-bugaHulk


                                                              Quem vê cara feia
                                                              Não vê  paixão

Doce bipolar,
vivo de extremos

Repele, eu sei,
minha roupa rasgada,
essa quase fala
          ―  Mr. Hyde
verde de raiva

É que o amargo
persiste na boca
―  vira memória ―
e marca
o primeiro momento.

Radioativo, eu sei
raios Gama dos infernos!

Mas aconchego
é unguento
e me escorre o sangue
lavando o ódio

Esvaindo a força
― sóbrio ―
desfaz-se o medo
deste humanoide

E me aquieto
para o beijo.


Vitória, 25 de abril de 2015

* 

Pou! Pá!

                                                            Poupai o milho do campo
Marinheiro, marinheiro
vou te fazer um convite
abra o olho bem ligeiro
antes que a Olivia grite

Apeia do barco agora
toma lá meu fumdirolo
pois quem nasce em Pirapora
não gosta de fura olho

A mardita da magrinha
se achegou espevitada
vinha batendo as cambita
cum medu de ser currada

Um tal macaco barbado
brucutu, da boca podre
correndo, carça arriada
mode deflorar a moça

Pipoquei na bunda dele
um cartucho de sal grosso
dei-lhe logo uma peia
que se foi num alvoroço

Sei que gosta de espinafre
mais, cá nois só tem taioba
puxa o banquinho cumpadre
queta o facho, não se afoba

Agora, a moça donzela
voz de taquara rachada
cambito fino, já era
cá já ficou paixonada

queta lá, homi de Deus!
para de soprar seu pito
ninguém toca o que é meu
nem me convence no grito

Se ela grita, tu tá morto
Que quela voz me azucrina
Se arrede, caça seu povo
Bem pra distante de Minas

E não tenha a pachorra
de ciscar no meu quintal
rasga no trecho, se mova
mas me poupe o milharal

Chegue cá, minha cabrita
despede a última vez
do moço já de partida
 pras bandas do povo ingrêis


Vitória, 24 de abril de 2015

 *

Robin, ui!
                                                                         Tudo vale a pena
                                                                         Se a flecha não é pequena

Pelo bosque afora
nesta festa que é Sherwood
enfio onde bem quero
minha espada assassina

e como sou muito culto
― já passei pela Itália
                de volta lá das Cruzadas
pras bandas do Oriente ―

aprendi que em latim
a bainha que carrego
tem o nome de vagina
e é nisso que me apego

Justiceiro, desterrado
macho fornido de carne
flecha no prumo, mirada
deixo de sobra os frangalhos

Só dá donzela rica
ostentando ouro roubado
ou concubina de um nobre
das bandas de Yorkshire

Passando por estas paragens
em busca eu sei do que
roubo e deixo saudade
sumo depois do prazer

Repasso do rico ao pobre
o que pra sua fome importa
de regalo sobra uns cobres
e os prazeres na moita

De arco, de alvo, entendo
esguio, não me embaraço
se poca, faço um remendo
devolvo, a sobra
                           – bagaço.


Vitória, 26 de abril de 2015

 *
  
Kapitän

                                                         Who does not cry ,
                                                         do not chew gum

Suas  tica
seu sonho de Terceiro Reich
tombou aniquilado
derrubei com um strike
sua volta ao passado.

Depois me reinventaram
saindo de uma geleira
que o sonho americano
é gato
de sete vidas
é como meu escudo
io-io que vem e vai.


Vitória, 26 de abril de 2015

 *
  
Capitão Mar-velho

                                                               Ei, Shazam,
                                                               herói de revista em quadrinhos
                                                               Ei, Shazam,
                                                               Fique esperto que você vai dançar

Seria justiça decidir como Salomão?
Herdar de Hércules a suprema força?
Arrancar de Atlas o peso do Universo?
Zangar com os homens ao modo de Zeus?
Alcançar vitórias imitando Aquiles?
Manter uma fortuna sendo o Deus Mercúrio?

 Justiça aos homens  desesperadoS
Vencer os tiranos ouvindo a BacH
 Suportar essa incoerência humanA
Extinguir com a guerra e ter a paZ
Ensinar ao tolo o peso da idolatriA
Distribuir a todos  tudo que é boM


SHAZAMMMMMMMM .... Fuuuuiiiiiii

 *

Tocha – cof cof...
                                                            O meu corpo arde por você

Em chamas
― descontrolado ―
uma tocha humana

                                Fosse o fogo desconhecido
                                poder admirado pelo macaco
                                da Odisseia no espaço

                                Fosse um monge
                                indignado
                                e a auto-imolação
                                buscando o Nirvana

                                Fosse o corpo
                                emprestado
                                do dublê roubando a cena

                                Fosse o ódio
                                irmanado na Inquisição
                                e o corpo queimado de uma santa

                               Fosse o magma
                               derramado
                               e um cientista fascinado
                               nas encostas de um Vulcão

                               Fosse a fogueira junina
                               e um casal enamorado
                               fazendo juras de amor

                               Fosse o terror
                               mitigado
                               da aldeia calcinada
                               a mando do Ditador

                              Fosse o sol, sob neblina
                              recostado
                              e o menino admirado
                              com a grandeza dos céus

                              Fosse tudo: sol, vulcão, fogueira
                              crispando, no ar, ardendo
                              mas não


Um Super-herói
de brincadeira
num gibi
queimando a mão.


Vitória, 27 de abril de 2015

*

Ziper-man
                                                             Um dia
                                                             Vivi a ilusão de que um zíper bastaria

Ah! Que saudade que tenho
da cabine telefônica
onde eu trocava “ na moita”
meu uniforme de guerra
me transformava ligeiro
no maior herói da Terra
singrava os ares sem medo
de hélices, drones, bactérias.

Como eram belos os dias
na pacata Smallville
onde cresci inocente
sem PCs, correndo livre
descobrindo pouco a pouco
a identidade secreta
que no inicio me pôs louco
depois, levado da breca

Os vilões daquele tempo
no período de pós-guerra
mesmo com um toque romântico
dissimulavam ― as feras
que tempos bons eram aqueles
superboy ― ah ! supermoça
Era do Ouro ― quadrinhos
Filas enormes à espera

Eu, Clark Kent engomado
herói pop ocidental
comecei minha carreira
sendo repórter em jornal
minha dupla identidade
segundo Freud ― alter ego
meio sem jeito, é verdade
com aquele traje, não nego

Quem disser que eu escorrego
numa casca de banana
devido ao meu uniforme
que mais parece um pijama
vestindo a sunga vermelha
por cima, qual uma dama
admito a controvérsia
visto até o capuz da fama

Mas hoje, tempos modernos
arrumei um artificio
mandei instalar um velcro
não deu certo, é mais dificil
faz um barulho danado
todos veem, vira comício
Voltei para velho zíper
Agarrou, o estrupício

Ah! Que saudade que tenho
da cabine telefônica (...)




*    *    *


Alguns destes poemas integram
a Antologia Escriptonita!




*    *    *


ilustrações: Lorena Elias


*    *    *






Jorge Elias Neto (1964) é médico, pesquisador, cronista e poeta. Capixaba, reside em Vitória – ES. Livros: Verdes Versos (Flor&cultura ed. - 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura ed. - 2010), Os ossos da baleia (Prêmio SECULT - ES – 2013). Participação: Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora – 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espírito-santense de letras – 2010,2011,2012,2013) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci – 2010). Colabora com poemas em vários blogs e na revista eletrônica Germina, Diversos-afinsm Mallarmargens e no Portal Literário Cronópios. Membro da Academia Espírito-santense de Letras onde ocupa a cadeira de número 2. BlogEmail.


LEIA TEXTOS DO AUTOR



LANÇAMENTO CARIOCA DA ANTOLOGIA ESCRIPTONITA | 25/11 NA LAPA

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ESCRIPTONITA
a primeira antologia de poemas 
sobre super heróis de HQ’s

Glauco Mattoso, Tavinho Paes, Fabrício Carpinejar,
Furio Lonza e outros nomes da poesia contemporânea
integram a antologia ESCRIPTONITA, organizada por
Alexandre Guarnieri, Alberto Bresciani, Jorge Elias Neto
e Nuno Rau para a Editora Patuá (SP).

São ao todo 70 poetas que comparecem com um
ou mais poemas, todos em torno das mitologias
que fazem parte das gerações do século XX e XXI,
as mitologias-remix das HQ’s, com seus herois e anti-herois,
seus vilões de personalidades complexas. 

"O mito é um espelho eterno no qual vemos a nós mesmos.
O mito tem algo a dizer a todos: ele está em toda parte,
e só precisamos reconhecê-lo", disse J.F.Bierlein,
estudioso de mitologia e religião, e é este o papel
que ESCRIPTONITA vem cumprir: olhar de frente o caldo
de cultura que nos últimos 80 anos fermentou nos corações
e almas de gerações (as primeiras HQ’s com super-herois
começaram a circular na década de 1930).

O lançamento carioca de ESCRIPTONITA vai acontecer
no dia 25 de Novembro (sexta-feira),
no Anexo Bar/Estilo da Lapa, que fica
na Rua do Rezende nº 52, na Lapa.

6 POEMAS DE MARCELO SANDMANN

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Foto: Júlio Covello. Adrianópolis, abril de 2001.

SANGUE NA GUELRA

         para Alice Gonçalves Corrêa

 “Ela tem sangue na guelra”,

ouvi certa vez minha avó dizer
(seu acento levemente português)
já não lembro a respeito de quem.

Pois eu, menino,
se sabia o que era “sangue”,
estranhei aquela “guelra”.
Sangue na guerra?

E repeti, concentrado, mentalmente:
“guelra”, “guelra”, “guelra”, “guelra”...
até a palavra se dissolver.

Um dia, caminhando
Pela praia de Guaratuba,
Alcançamos a aldeia dos pescadores,
os barcos recém atracados,
as barracas apinhadas de pescado.

“Sangue na guelra”,

ela disse, outra vez,
e enfiou os dedos por detrás
de um dos lados da cabeça do peixe,
que se debatia,aflito,
entreabrindo ali umas lâminas
vermelhas, viscosas,
que palpitavam:

“Sangue na guelra”.

NOIVA DAS ONDAS

                    para Thiago Amud

Quando meu corpo veio dar à praia,
o sol rasgava os flancos da manhã.
Sargaços se agarravam à minha saia,
conchas e peixes às meias de lã.

Três dias eu rolei por sobre a areia,
noiva das ondas, em doido vaivém.
Ora a vazante, agora a maré-cheia,
três dias e três noites sem ninguém.

Os olhos debicados pelas aves,
a carne corroída pelo sal,
os ossos encharcados pelas chuvas:

sofri os transes das horas extremas.
Por fim, apenas sombra em meio às pedras,
desenganei-me da terra e do céu.

RECADO NO PISO

Os cabelos,
no chão do banheiro,
propõem enigmas
a decifrar.

No acaso da queda,
ao toque do vento,
fios longos ou curtos,
claros ou escuros,
compõem sua trama,
um convite ao devaneio.

*

(Ontem,
minha filha dormiu aqui.

Deixou um recado no piso,
de sonhos e cismas,
apelos
e silêncios.)

ESCREVO PARA OS MORTOS

Escrevo para os mortos.
É com eles que converso enquanto escrevo.

Esta áspera ruminação:
meu desejo de dizer apenas pedras.
(Apenas perdas.)

Pedras tumulares.

Silêncio vertical, incisivo,
que se entranha.
Silêncio de águas penetrantes,
pela terra.

(Que encharquem a carne,
dissolvamos ossos
e lavem
o que reste de memória.)

Escrevo para os mortos.
É a eles que dedico meu ofício.

 FERIDO DE AMOR E MORTE

                     “Ferido de amor e morte”
                            (Manoel de Barros)


Ferido de amor e morte,
eu me arrasto pela cidade.
A noite é fria! A sede é tanta!
Os bares estão todos fechados.
Beber não alivia.

Um cão remexe o lixo
num canto da calçada.
Ele rosna quando me achego:
quer um naco de minha perna,
lasca de minhas costas,
meu coração por inteiro.

Há uma lua no céu,mas está murcha,
não vale a pena ganir.
É uma lua frouxa,que escorre
nas janelas, entra pelos olhos,
mancha tudo de luz cinza.

(Pobre lua abandonada,
mal nasceu, já agoniza!)

Ferido de morte e amor,
eu me arrasto pela cidade.
Em breve, um novo sol,
tonto de sono,
virá despencar sobre nós.

O POETA SAI DE CENA

O poeta sai de cena,
deixa versos
e o cadáver.

(Como fugir ao culto dos mortos?)

As palavras são difíceis
mas a carne cede fácil.
Que ternura! Que metáforas!
É morto fresco.

Mas se o sabor sabe a bolor,
ou já mesmo a podridão,
é que estes tempos são tempos
de rápida corrupção.

Pois fiquem à vontade, sirvam-se.
Experimentem seu foiegras,
quitute cevado há anos
com tintos de fina cepa.

(Todo leitor tem um quê de necrófilo.)

Por gentileza, sirvam-se.
Não façam cerimônia.
Vida longa à poesia!
Et bon appétit!

Os poemas são do livro Sangue na Guelra.




Marcelo Sandmann nasceu em Curitiba, em 1963. É professor de Literatura Portuguesa na Universidade Federal do Paraná, autor de canções e poeta. Publicou os seguintes livros de poesia: "Lírico Renitente" (2000), "Criptógrafo Amador" (2006), "Na Franja dos Dias" (2012), "A Fio" (2014) e "Sangue na Guelra" (2016).

3 POEMAS DE ADRIANA SYDOR

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Les Rubans de Noel (2015) - Isabelle Delamarre

tradutor


eu tenho uma vida inteira desperdiçada em lágrimas
toda mi vida a llorar, caer en lluva de sal
escorreu em meu rosto, traços fundos, todo tipo de lástima
sufrí pelos hombres que no lo saben
gritei as verdades num coro total
naufragué en los córregos menos profundos
e por fim larguei as esperanças no canto dos boicotes
poco a la izquierda para otros tiempos
mesmo assim insisto nessa música que não termina
y me río de los que piensan que me conocen
a eles ofereço, sem volta, a espada de Dâmocles
y zapateo sin piedad toda la dança del mundo



-

viagem de trem


uma missa em latim
o reflexo do rosto no trem
o som do baixo, o jazz
bombas em Bruxelas
vento varre capim.
menos uma hora em Paris
ando descalça em Londres
ouço a velha música
o livro está sobre a mesa
e a tragédia no jornal
falso espanto da realeza.
no relógio, o mesmo horário
campos de trigo, de nada
um avião, árvores secas, paisagem morta
s’il vous plaît, monsieur, éteignez la musique
há fumaça no céu
no vilarejo, piquenique
por favor, senhor, não bata a porta.

-

com o infinito ao redor

sem saber da chuva que chovia
nem ligar para a moral
dos grandes homens
dormia na rede.
e o dia passava lá fora
sem lembrança
porque o sono não era vida
nem formava história.
sonhava barulho dos sapos
passarinhos e água que caía.
sonhava com uma baía
e uma ilha
com grama do continente
e uma chaminé que soluçava
fumaça azul.
e no sonho ouvia
um galo chorando
o latido longe de um cachorro velho
e os primeiros grilos do mundo.
sonhava com brisa fresca
com sol que não existia
e risadas de meninas.
sonhava os prazeres
carne e espírito
cama e mesa
fluidos, toques e versos.
sonhava beijo e anoitecer
gafieira, pastel, cuba-libre.
dormia.



Adriana Sydor. sou jornalista, escritora e editora. creio em Pixinguinha, em Van Gogh, em García Márquez, em Fernando Pessoa porque acredito na beleza como profilaxia. no mais, tenho pensamentos secretos e sonhos que encheriam um caminhão.

Contexto e Magia: Sônia Elizabeth resenha "Sete" de JIVM

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Ouso falar de beleza, ouso falar de poesia. De consequência, ouso falar de magia. E se querem todos ouvir falar de poesia-beleza-magia é de José Inácio Vieira de Melo e seu livro de poemas SETE que estarei falando. Com ilustrações próprias de literatura popular, de cordel (embora a poética desse livro não seja) feitas por Hallina Beltrão, com sete partes e sete poemas cada, o poeta alagoano, radicado na Bahia, brinda-nos, já de início, com versos dessa categoria, começando o poema O Pianista Selvagem I como se cantasse um hino:

"Eu sou o pastor da pérolas orvalhadas.
Minhas mãos unem contrastes,
teclas de natural marfim e de ébano acidental."
..............................

Trabalha seus versos mitologicamente, num sentido sertanejo-bíblico, exuberantemente lírico e sedutor, com plenitude de sentimentos e linguagem, em ecos vibrantes. Assim:

...............................
"E foram sete vezes sete os reinos que visitei
até encontrar no soturno mundo velho
uma lua cheia que crescia sem parar
e a solidão do pianista dentro de um Noturno."

O grito bíblico e belo se faz tão retumbante como se ecoasse nas lonjuras de seu sentimento frente ao mundo, numa sabedoria em dizer com semelhança de estilo dos grandes versejadores e cantadores, enunciando sua verve poética rica e iluminada. Dessa forma:

...........................
"Jesus anda pelos pastos
recebendo as sete cores do Sol,
comunicando os sacramentos da vida
e abençoando os bichos que pecam."
......................................................


José Inácio Vieira de Melo fotografado por Ricardo Prado na Pedra Só.


Salienta esse versos diferentes, criativos, de Concertos para Cavalos I:

.........................
"Rincha o vento da lembrança.
(Sopranos:era uma vez...)"

Ainda em Concertos para Cavalos, o Poema VII, enuncia a atitude nobre do alazão, relinchos, asas, poemas. Tudo no galope e cavalgar que se concretiza, alucinado e louco " sobre telhados atônitos,/ sobre gemidos e coitos."

No Poema VII, de A Virgem Universal do Reino do Sétimo Filho, encontro versos de tamanha grandeza feito esses, que nos concedem a alegria de acreditarmos cada vez mais no milagre da poesia e sua essencialidade para a vida. Embevecida, destaco:

..............
"Por sete vezes a virgem
se ajoelhou a imprimir
o prazer supremo em mim,
tatuando epifanias!"
............................

No Poema I, de A Catedral do Nome, entonteço-me de tanta poesia. Trago os dois primeiros versos, para degustação:

"Um dia, ao acordares,
o espelho vai dizer que não te conhece."
..................

Também no Poema VI pérolas feito essas:

.................
"O outro que és é o longe
que se alonga ao meu encontro."

No Poema I, de Sete Perguntas para Voar, indagações do devir, em extremo apelo poético e verdadeiro:

"De onde vem a pastora
que apascenta o beijo de Safo
até minha língua ficar encantada?"

A contracapa da edição de SETE é honrosa, escrita pelo grandioso poeta Thiago de Mello, orelha de Salgado Maranhão e Posfácio de Ronaldo Correa de Brito. O selo editorial é da 7Letras. Um livro que já está em minha estante para infinitas releituras e comentários. Um livro para todos. Um livro verdadeiramente com o rótulo de poesia. Vamos apreciar.



Sônia Elizabeth é poeta e ensaísta. Autora do livro de poemas Sinfonia Natural e membro da UBE-GO. Reside em Goiânia-GO.



Mulheres e outros lances II - André Rocha

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Persiana Fértil. 

talvez eu seja a porra de um pássaro de asas amputadas
sem poder sentir o céu
talvez eu seja um subversivo com a camisa suja de sangue
talvez eu seja deus
mutilando criancinhas inocentes
assassinando e estuprando Estamira
eu vi orgias atrás de botecos na zona leste
sirenes gritando no acaso das madrugadas
eu apanhei de homens fardados
filhos da puta broxas
eu gozei no salto alto da Stefanie e no cabelo da Lara
senti o suor das pessoas em carnavais de salão
alucinações de lança perfume
amei mulheres doentes
gostosas e esquizofrênicas
se eu fosse um bom filho
fiel, honesto e saudável
eu não estaria fodido no dia de hoje
eu trepei em saídas de emergência
com adolescentes depiladas e coloridas
universo violeta
fim de tarde laranjado
tudo é bonito por aqui
toda linha de trem tem alguém cheirando cola
eu sou o seu sonho pesado de depois do almoço
sou o fracasso dos 12 passos
uma Exu fêmea querendo foder com todo mundo
talvez eu seja a porra de um pássaro de asas amputadas
que não pode mais sentir o céu




Pires, jornais e Alpendres.    

e se o céu desabasse
sobre a bichana sem roupas na minha sala
ninguém aprende nada com as ressacas
e esse cheiro de xota na minha cara?
foi em setembro que morri pela primeira vez
há glamour no suicídio?
fiz um pacto com as janelas
bebi pra caralho
fodi com tudo
sou a tragédia anunciada dos jovens de hoje em dia
dos assaltos, do tráfico de crack e cocaína
mas as garotas ainda são tão bonitas
nesse eterno recreio
de flores controversas
e sexo nas varandas
eu sorrio com a ajuda do ácido e aprecio bundas adulteradas pelas drogas sintéticas
sera que o verão vai demorar muito pra chegar?




Pau no Cu do Drummond.   

por entre cores, ruas e luas
Jaqueline distorce minhas noites
com beijos calmos na minha boca torta
Jaqueline fez xixi na minha mão no banheiro de azulejos cor de rosa
e sorriu sem remorso meus fetiches
se o tempo parasse ás 4h da manhã eu estaria dentro de você
Jaqueline é um sonho de padaria
toda rabiscada enfeitando os lugares por onde passa
seu cheiro bom esquecido nos meus lençóis
fios do seu cabelo espalhados pelo piso branco
expondo todas as partes de seu corpo iluminado
queria contar de você pra Maria
ela diria que meu sangue é sujo
Jaqueline é um pôr do sol na janela do carro
linda com uma lata de cerveja na mão
do meu lado na minha cama ou num colchão jogado no chão
Jaqueline é uma estrela cadente nos meus braços
na realidade do gosto de seu sexo na minha língua
logo é carnaval nega




Miguel Doente Mental.(Titio te bate)       

desconversa nos sinais amarelos
sua vontade de esquecer meu passado
faz charme em frente o espelho
no meu banheiro
empina os seios 
e finge acreditar nas mentiras que me obriga a dizer
suas paixões 
seus fogos de artifício
há mil mistérios sob a tua pele
vestindo o sol
é que gosto da Ellen e de você também
e sempre sorrio 
esqueço beijos por tantos lábios
mas é tão bom o cheiro do teu pescoço
quando o desejo incorpora na tua carne
e cochicha sacanagens em minha orelha
meu álibi é você
já sei de cor a profundidade do teu umbigo
a textura do seu ventre macio
o tamanho do teu grilo
desvirginando minhas manhãs
minha pomba-gira pagã 
fuçando minhas gavetas 
chorando, bebendo e trepando
entrando pela porta da cozinha
toda molhada de chuva



Galinha da Angola.      

sussurrou seu feitiço de domingo no pé do meu ouvido
feito criança brincando descalça no quintal da casa da vó
eu barganho todo dia com o diabo
pra te causar desgosto
tropecei nos teus olhos floridos de primavera
e cai no teu abismo de dramas numa manhã de sábado
seus remédios caseiros pra minha tosse
na surpresa da luz acessa
achei teu corpo aberto pra mim
desenhou uma estrela azul de caneta bic na minha mão e me deu sua bunda pra eu lamber
se rende as minhas farras
os porres e os poemas pra outras garotas
estudei as minúcias da tua vagina
toda pele, curva, cheiro, sabor
todo sentimento que há ali
seus dias são inteiros
enquanto minhas noites são eternidade
e eu invento qualquer verdade que te faça sorrir




Jesus Nu.     

entra pela porta porta sem bater
como um sol que invade minha janela
uma divindade bêbada em plena tarde
gastando a herança do pai
Maria Rita é o de repente
mais diaba do que gente
sem hora pra partir ou pra chegar
que mistura cachaça com coca-cola
que descobriu orgasmos  cavalgando em cima de mim
Maria Rita é uma história mal contada
uma cena de novela inacabada
noites de cocaína imaginando onde Maria estará
eu agonizo com a boca na tua teta direita
Maria Rita é um jogo de azar
desgraçando minha vida e rindo enquanto enfia dois dedos no meu rabo
me faz de gato e sapato
ignora o amor
não faz planos
esparramada na cama
Maria Rita é o chão cheio de confetes e serpentinas durante o carnaval
efêmera Maria
é o gosto amargo do ácido na ponta da minha língua



Caramujos no Quintal.    

decorei coxas, bundas e
sambas do Wilson Batista
brinquei minhas putarias de bermuda e chinelo
desrespeitei semáforos e familiares
festejei meu time campeão
quando precisei sai na mão
tantas noites só fui e nunca mais voltei
despercebido me fiz de coadjuvante atrás de dinheiro
vendendo droga na esquina
e chorei em seios aleatórios
promíscuo demais
vi deus vestido de mulher
ateando fogo no próprio corpo
me deitei com morenas de pelos grossos
musas clandestinas
eletrochoques na retina
Vênus, margaridas, Oxum's e jasmins
trepando em varandas escondidas do sol
pro sexo arder mais



André Rocha, 28 anos. Depois de ser fichado inúmeras vezes pela polícia,  o autor entrega sua hostilidade para a literatura marginal e publica o seu primeiro livro de poemas Suzana sem calcinha na calçada de paralelepípedos, pelo Editora Carrancas, 2015. André tem textos publicados no jornal Elefante de Menta, Germina e mallarmargens e escreve no blog: http://andrerocha171.blogspot.com.br e escuta samba aos domingos.


"Maratona" um conto de Raphael Rocha

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Qualquer movimento gera um subproduto instantâneo

arte | Pawel Kuczynski
     



Um homem empurra a guimba do cigarro contra o cinzeiro. “Mais uma dose de Red”, pede. O bar é populoso. Tanta gente incomoda. Agora que ouviu não consegue mais desviar a atenção do barulho de vidros e talheres se pegando. O som é suave. O uísque áspero. O homem ignora, não quer dar ouvidos. O organismo não responde. Tenta voltar a atenção para TV. Os olhos não despertam. O barulho sobe o humor desce. Pede outra dose. Seus sentidos estão mais sensíveis. Anda ouvindo muito ultimamente. O som é alto. “Tudo bem, senhor?”, quer saber o garçom. O homem sai um pouco. Toma ar. Na rua respira monóxido de carbono o suficiente para poder voltar ao bar e fumar outro cigarro. Aniquila menos que glutamato, pensa. Um carro avança o sinal vermelho e desaparece. No sentido oposto o trânsito está parado. Uma mulher dispara a buzina. Um mendigo pede esmola. Mais um carro avança o sinal e não tem a mesma sorte. O homem amaça o toco de cigarro no chão. Uma mulher chora. Pedestres oferecem ajuda por compaixão ou instinto ou ambos: instinto de compaixão. Homens ajudam. Uns assistem a cena e apenas sentem piedade. “Socorro!”, grita a mulher presa do veículo. Um jovem aproveita a imobilidade e leva dela a bolsa. Rapidamente, assim que dobra a esquina, olha o que a bolsa carrega. Sorri e vai embora. Um objeto cai. O jovem ignora. A mulher nem percebe. Está ocupada. O instinto é regido por hierarquias. Os homens tem compaixão. A ambulância chega e já é tarde. A rua é populosa. Não tanto quanto o bar. Lá dentro incomoda mais. O homem acende outro cigarro. Duas crianças atravessam correndo de bicicleta. Curiosos observam a cena. “Tão jovem”, uma velha confirma. Segundos depois a velha dá outra mordida em um sanduíche na lanchonete. Discute com a amiga o tipo de penteado que vai usar no casamento da sobrinha no próximo sábado. Seis viaturas inflam o ambiente. O barulho fere o homem que fuma. Já nem se lembra do som de vidros e aço inox se pegando no bar. Sua atenção não está voltada. Um pedestre pergunta o que houve. O homem fuma o cigarro. Não responde. Não existe para responder nada. Existe para fumar o cigarro. As janelas estão abertas. Um homem sem nome no quarto andar observa. Tem um bloco de notas nas mãos. Um motoboy entra no prédio com uma encomenda. Cães latem o pacote. A polícia pede passagem. O sinal alterna verde vermelho amarelo verde vermelho amarelo verde vermelho amarelo verde vermelho amarelo. Sobre os joelhos a mulher está aos prantos. A piedade da estranha baba resignação. A ambulância segue devagar. Não há mais o que fazer. Não há porque acelerar. A ambulância cumpre a função. É preciso reduzir o estrago. O horizonte é cinza. As sirenes estão ligadas. Há fumaça. Uma mulher desce correndo de um carro. Coloca uma máscara cirúrgica no rosto para poder chegar mais perto. O celular está nas mãos. A vida nos grandes centros é cinza. A queima de combustível é cinza. A queima de combustível não altera o dia. A queima de combustível muda a cor do horizonte, mas não altera o dia que é cinza. A ambulância está fazendo a sua parte. Não há porque ter pressa. O telefone de um passante toca e ele narra o episódio. Conta como se narrasse um filme trágico. O final emociona. Ele tem lágrimas nos olhos e um sorriso na boca. Uma mulher ganha um abraço. Um homem tem compaixão. O policial oferece ajuda. “Minha bolsa!”, a mulher grita e não tem mais força. Ela entra na resignação. O homem larga o cigarro e volta para o bar. Monóxido de carbono o suficiente fora ingerido. O âncora anuncia o episódio no boletim de notícias. A maravilha da modernidade. Qualquer movimento gera um subproduto instantâneo. Protagonistas anônimos fabricam audiência. O espetáculo é belo. Letras são borrifadas no rodapé da tela. O homem perde o foco. Não sabe em que prestar atenção. O garçom aumenta o volume e muda o canal. Um bêbado fecha a cara. A avenida se recompõe da cena. Ninguém no bar fala mais do ocorrido. Todos voltam os olhos para a maratona na TV. A mil metros dali, o jovem com a bolsa e um pacote de balas na mão vence distraído.









                                                                                                                                                                                           Foi no ano de 1986 que tudo começou. Anos depois da sua chegada ao mundo, Raphael Rocha marcou um encontro com a sua presença, mas ela não veio. Da sua "onipreausência" nasceu o primeiro livro de poemas Do Universo Rabisco o Mundo(2011). De lá pra cá, participou de antologias de poesia e teve textos publicados em alguns jornais do país, como o Correio Braziliense, Estado de Minas, Jornal de Brasília, e em importantes sites de literatura, dentre eles o Mallarmargens e a Germina - Revista de Literatura & Arte. Lançou em 2014 o projeto Commodities, uma banda que tem sua configuração alterada a cada show. Ano passado publicou seu segundo livro de poemas Fuga das Horas (2015), pela Editora Patuá. Finalista do Prêmio Sesc de Literatura 2016 com seu primeiro original de contos, Raphael está em busca de uma casa editorial para abrigar a obra intitulada Canções de ninar pedras. Originalmente, sob o nome Bombardeios [false flags], Raphael decidiu dar uma reorganizada no original após resultado do prêmio que recebeu mais de 1500 originais esse ano, e acabou alterando seu nome para Canções de ninar pedras. Mineiro, radicado em Brasília, Raphael sobrevive como jornalista e vive imerso na literatura e música.





As vozes sob ataque, soterradas, na poesia de Rafael Reginato

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imagem de http://reporterurgente.com/ - em 26/12/2012








Trabalho Vigilante
E se no meio de tanto papel e mesa
nós formássemos uma fortaleza
a cuspir amor de nossos canhões?
Haveria então chance de defesa
por trás das muralhas de ilusões?



Vozinha
Estalactites de pedra,
icebergs de asfalto.
O homem de ferro
concreta, concreta.
Sob telhado de vidro,
uma indigna cratera
olho aberto de basalto.
De lá dentro, soterrada,
como brita que cedeu, 
uma vozinha metálica:
o poeta que sobreviveu?



Poema de 4
I
Quem imagina subir escadas
pular degraus, chegar na frente,
desrespeita gravidade, esquece
que um só tropeço já é indecente

II
Quem vai subir de elevador
para chegar mais depressa
esquece que o último andar
é ainda céu sobre a cabeça

III
Paraglider, paraquedas,
normal ou paranormal
parada sem paradeiro
se o chão é parapeito

IV
Quem quer voar muito alto
pensando ser super-homem
logo se espatifa na grafia
que super ainda é homem


_____________________________
Rafael Reginatonasceu em Porto Alegre e vive atualmente em Florianópolis. É publicitário e bacharel em Letras. Publicou dois livros: "O Ponto G do Plínio" (Editora AGE)  e "Entreilha" (Editora da UFSC). Tem contos e poemas publicados em coletâneas regionais e nacionais.


7 POEMAS DE LEDUSHA & 1 ENTREVISTA

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Foto: Júlio Covello.
a disposição dos astros
a composição do verso
desafogo fatos
abrindo um botão: ah
fatia de poesia
em pânico partida
pele linguagem
vapores do desejo
estar entre o risco
do silêncio e ilhas.

FELICIDADE

nada como namorar
um poeta marginal
incendiado
nada
como um mingau de maizena
empelotado
de tanto amor acumulado
uma casinha em botafogo
um quarto uma eletrola
uma cartola
                     &
depois da praia sonhar
que a bossanova voltou
pra ficar
eu você joão
girando na vitrola sem parar.


TEMPERAMENTO

poesia encontra-se nesse abril ressentida.
olho o relógio
aquário da minha história:
nem mesmo um ritmo torto.
volto à paisagem descabelada
amoreiras telhados
tarde inverno de sílabas ariscas.

essas mulheres.

  
Foto: Júlio Covello.
  
OUTONO

afasto esse poema que vaga pelo quarto
passional com um postal
carioca

nefasto esse poema
que detesto
como detesto
os dias lindos
de maio

PONTARIA

não fossem esses óculos
acertaria em cheio
o coração do príncipe.

  
SINHAZINHA EM CHAMAS

ai quem me dera uma tuberculose
uma overdose
uma carência esplêndida.

DE LEVE

feminista sábado domingo segunda terça quarta quinta e na sexta
lobiswoman.


Leda Beatriz Abreu Spinardi ou Ledusha nasceu em Assis, no interior de São Paulo. Mudou em 1978 para o Rio, onde publicou seu primeiro livro, Risco no Disco, em edição  independente.  Atualmente mora em São Paulo. Embora seja incluída entre autores da Poesia Marginal, Ledusha  afirma que sempre esteve à margem dos marginais. Marca característica de sua geração, porém, é o uso da linguagem coloquial, sem deixar de lado citações literárias. Além de Risco no disco, publicou Finesse e Fissura, em 1984, 40 graus, em 1990. Exercícios de Levitação, em 2002 e Notícias da Ilha – 31anos de poesia, em 2012. 


Confira, abaixo, breve entrevista com a autora, que relança Risco no Disco pelaLuna Parque Edições em dezembro.

Teu primeiro livro, Risco no Disco, foi lançado em 1981. Que lembranças você  tem de sua estreia na poesia ?
Ledusha S– Era um período efervescente, no Rio, em termos de poesia, política, havia vários jornais alternativos  e artes. Eu sempre escrevi, já tinha um materialzinho. Tinha lido o 26 poetas hoje, da Heloisa Buarque, era amiga do Cacaso, me hospedava em seu apartamento  em Copacabana, onde conheci a maioria dos poetas:  Pedro Lage, Chacal, Charles, Ana C, Chico Alvim, Luis Olavo Fontes - o Lui, e outros. A Helô, que parecia ser a “guru” deles, também.  Embora tenha sido influenciada por essa lufada de liberdade que o grupo trouxe à poesia, preferia permanecer à margem da Poesia Marginal – tenho dificuldade com grupos, nomenclaturas -, daquelas discussões todas. Nessa época vivia entre São Paulo e Rio, até que me fixei lá no Rio em 77 ou 78. Segui escrevendo e, em 1981, com o auxílio luxuoso do poeta Pedro Lage, publiquei o Risco no Disco(edição independente). Éramos vários poetas lançando juntos cada um o seu trabalho, e a essa reunião chamamos Coleção Capricho: Chico Alvim, Pedro Lage, Lui, Ana C, e outros cujo nome me escapa agora.

O mesmo livro está sendo relançado pela Luna Parque Edições. Como aconteceu este relançamento ? O livro é igual ao da estreia ?
Ledusha S– A editora e poeta Marilia Garcia, da Luna Parque Edições, propôs reeditá-lo. Foi uma surpresa bacana, por que é um livro que  fez muito eco, as pessoas sempre perguntaram dele nesses 35 anos. Escreviam pedindo, algumas achavam em sebos e curtiam tempos depois, então  pareceu oportuno, uma ideia feliz, e topei sem grandes reflexões. Basicamente é igual à primeira edição, apenas a arte da capa teve uma releitura – mas mantivemos a foto do godardiano À bout de souffle, sua marca.

Teu nome está ligado à geração da Poesia Marginal. Nos anos 70, poetas que não conseguiam ser publicados por editoras, imprimiam seus livros e vendiam em bares. Você se identifica com o movimento ? Qual a importância da Poesia Marginal para a poesia brasileira ?
Ledusha S– Comecei a tomar o rumo da poesia na mesma época, embora escreva desde menina, mas sou apenas contemporânea, não faço oficialmente parte da Poesia Marginal. Conheci os poetas que tocaram o movimento, convivi com eles, mas não faço parte. Como disse antes, fiquei à margem da poesia marginal. E Risco no Disco foi lançado em 1981, quando essa geração já estava em outra.
Foi importantíssimo em vários sentidos, o movimento unia comportamento e escrita irreverentes naqueles anos medonhos de ditadura; resgatou a poesia falada, e um outro conceito de “qualidade literária”, se é que posso dizer assim, além do sistema de edição e distribuição. Abriu caminho para muita gente, além de ter momentos maravilhosos da Ana, do Cacaso, do Charles, Guilherme Mandaro, Chacal, poetas que amo.
Minha trajetória foi diferente da do grupo, meu segundo livro, Finesse & Fissura, já saiu em 84 pela Editora Brasiliense, então do saudoso Caio Graco, na coleção Cantadas Literárias. Quem dirigia essa coleção e me convidou para participar foi o Luiz Schwarcz, que depois criou a Companhia das Letras.  O terceiro é o 40 graus, pela Francisco Alves editora, 1990. E o quinto, de 2012, Notícias da Ilha – 31anos de poesia, uma reunião do meu trabalho mais vários inéditos, pela 7 letras. Mais uma vez contei com a generosidade do Paulo Mendes da Rocha na capa, e a edição traz uma apresentação belíssima do poeta Carlito Azevedo.

Seu quarto livro, Exercícios de Levitação(2002), é a compilação de  uma coluna que você manteve no jornal Folha de S.Paulo, de poesia em prosa, escritos entre 1996 e 2000. Como foi escrever a coluna ?
Ledusha S – Sim, eu tinha esse espaçozinho, num canto privilegiado da Folha Ilustrada, ao lado do horóscopo, e a princípio não poderia publicar poemas, em seu formato vertical mais comum. Como precisava demais desse trabalho, passei a escrevê-los na horizontalidade mais característica da prosa, e assim o mantive por quatro anos – então foram chamados de prosa-poética. Completo: por pura necessidade (risos). Experiência sensacional, escrever texto de criação com prazo, era um por semana. É claro que publiquei muita coisa ruim, porque, queira ou não, existe certa pressão e às vezes isso é muito tenso, mas de um modo geral foi positivo, valeu demais o exercício. Sim, o livro é uma compilação desses textos, mas também contém alguns poemas que não saíram na coluna. A capa é das que mais gosto, da editora 7 Letras, em papel cartão cor neutra, acinzentada, com desenho do querido Paulo Mendes da Rocha, o arquiteto e urbanista maravilhoso.

Você começou a escrever poesia e ficou conhecida num tempo em que havia poucas autoras escrevendo, ou reconhecidas. A antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda, por exemplo, embora destaque o avanço das conquistas sociais das mulheres na literatura, traz apenas cinco poetas mulheres.  É bom ter mais mulheres escrevendo poesia  hoje ? O que mudou nos anos de sua juventude e hoje?
Ledusha S – Aí no caso acho que seria interessante perguntar à Helô, não sei qual o critério que ela usou na seleção. Ela publicou uma segunda antologia, anos depois, mas não me lembro se havia mais mulheres. É importante e necessário que mais mulheres ocupem mais espaço em todas as áreas, e na nossa tenho visto uma infinidade delas, hoje. Acho muito bom, mas não posso comentar a qualidade dessa produção por falta de conhecimento. Sei desse grande número de poetas mulheres pelo Facebook, hoje em dia leio mais prosa. Claro, tem as excelentes Bruna Beber, Angelica Freitas, Marilia Garcia, por exemplo, que leio com prazer, mas mesmo assim conheço menos do que deveria, do trabalho delas.

Caixa Vazia - William Delarte

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Ilustração: Paul/deviantART

paraCelBentin

a lesma
do tédio
vai
se arrasta
segura na mão de deus
segue seu rabo
vai
deixando um fio
lastros
fiapos
uma luz de desespero
fincando
vai
ficando
no ar
um dia sepulta o outro
o outro o sepulta
um dia
a notícia pressentida
tarda
insuportável e só
memórias de água
o tudo das coisas
vai
no seu lugar
o tempo
de concordata
ações na bolsa do nada
diga-me, amigo,
o que te move pra casa?
o que te arranha?
o que te acampa?
o que seria do cachorro
sem sarnas pra se coçar?
a caixa está vazia
pra todos
só muda
o tamanho da caixa
morremos
por chaves de ouro
mas só temos essa

pobre rimazinha pobre
ah, pobre amigo,
meu pobre amigo,
essa dor
vai
passar?


WILLIAN DELARTE

as visões através do ar espesso nos poemas de Aldo Jr.

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Imagem de http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2015/07/







Nevoeiro

tenho lido muitos versos
e não encontrei nenhum amparo

feito flechas num santo
acorrentado
eles me perfuram
e ferem meu peito
que não sangra
mas emudece e aquieta-se
numa escuridão nublada

poemas são nevoeiros
encobrindo os navios no porto





Eu não sou mais um segredo

desde que você entrou em mim
e me despiu para uma vida
que até então desconhecia
eu não sou mais um segredo

desde que me virou do avesso
o amor e o desejo
as pernas e os cabelos
eu não sou mais um segredo

desde que fui amado
e ocupado por um impulso
de me manter amando

e pude perceber que só assim
é possível continuar andando
eu não sou mais um segredo

e vivo pleno
por ter sido revelado


____________________
Aldo Jr.é poeta, autor dos livros “O que silencia” (Editora Alternativa Books, 2014) e “A moça com olhos de sessão da tarde” (Editora Penalux, 2016).












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