OS MAGISTRADOS
Nós aqui sentados
repartimos essas bênçãos,
as migalhas de anciãos
servidas aos cegos.
Há séculos negando a dor
sangramos os próprios cravos.
Tempo no tempo rasgando
o tempo e as rugas pesando nos braços.
Com nossa mortalha calada – suave carícia
sufocamos os bravos.
Numa cama imaculada advogamos
o pão morto da carne molhado no
turvo caldo.
Tememos a noite e não
repartimos
quando sagramos o medo.
– Ceamos, e é cedo.
No ar o veneno insípido do vazio
que nada professamos:
– Veja essa muda sarça!
Contemplamos o passado
e temos olhos rasos.
Somos contidos,
pasmados, acomodados,
e trilhamos longe dos penhascos
porque não voa esse deus plácido
egoísta e sem salmos
que veneramos.
Aqui, flácidos de vontade
nessa segura cama
de uma cena urbana
um monitor ilumina
[única chama]
dois corpos
vazios
nenhuma mudança
[nem de emissora]
[..]
imagem: "Magistrados de Haia", pintura de Carel de Moor (1655-1738)/ Museu Histórico de Haia
* * *
Roberto Dutra Jr. é um neurótico social como todo brasileiro de cidade grande. Adora literatura, mas as palavras não fazem mais sentido. Mestre em Letras, tem um livro publicado e diversos artigos de caráter acadêmico e crítico publicados. Foi editor de revista acadêmica, contribuiu para jornais e revistas literárias no Rio de Janeiro e tem um seríssimo flerte com a música. Adora gatos e poemas, que movem-se na penumbra e nunca revelam-se inteiramente. Leia mais textos do autor aqui.