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Isso é tão. Eu e você.
Morrer de noite. E renascer.
Quando já não haja abraços.
Entardecer. Em despedaços.
E então amanhecer.
fica tranquilo meu amigo que tudo isso passa e cicatriza e arranha e dói e só dói porque na vida estamos aí pra sofrer e sorrir e curtir e beber e amar e chapar e viver vivendo essas coisas todas e também as tolas e muito mais uma vez enfim é assim e que bom que é assim então se acalma e sente no fundo com força no peito pois daqui pra frente meu velho se vive e se mata a cada dia e noite e bar e madrugada por isso relaxa e puxa o banco e o trago senta aqui do lado e bebe nesta roda de fumaça nosso mate amargo e solta nessas lágrimas os teus monstros todos loucos
porque essa tarde oca ainda é pouca prum bom papo que nos aconchega a alma e sossega a paz
e quem sabe também gritamos nossos choros e ais e quando aquele vento forte rompe os lamentos um tanto sós e uma brisa leve leva essa angústia boba pra algum cais longe muitos nós
dessa realidade besta que só um dia mais ranzinza que outro e mais velho que outros
e me diga se não vê o tempo voar pela janela aberta desse coração pequeno
que bate porque não há o que dê jeito
e sabe como é preciso remar junto
por que agora e pra sempre
estamos contra a maré
estamos contra a maré
compadre
nesse riacho que nos coube nunca é tarde pra nadar
é preciso apegar-se à mão de um amigo
à qualquer sinal coletivo de gratidão
à qualquer minúscula evidência empírica de solidariedade
às raras empatias capazes de comungar os homens e as mulheres
é preciso apegar-se às flores e às frutas maduras
e à manga rosa que é as duas
faça outubro ou faça verão
não há outro jeito, compadre
comadre, de algum jeito a insanidade se apossou da razão
e tudo começou quando vendemos o último naco de nossa dignidade
por um prato de arroz e feijão
quem consegue esquecer desse dia?
os olhos abrindo-se fatalmente após uma noite de tormenta fria
ainda assim desejando retornar a ela e matar os sonhos de hipotermia
como esquecer a maré cheia e súbita
ao abrir as duas densas cortinas?
uma de couro e outra de insolência intempestiva
e deixar que a luz inunde as ideias
e da nascente dos olhos verta
a garoa antes seca
de realidades fundas
tão logo trovoem-se os cílios
e do atrito, a fagulha
faz brotar a manhã depois da manhã
numa ressaca de amanhecer
trazendo de volta tanto ontem
trazendo um hoje pra tanto talvez
é preciso acreditar na petulância do adolescente
é preciso acreditar na coragem
do sorriso esperançoso de um velho trabalhador
capaz de vencer as memórias e o cansaço de viver delas
e nelas restar-se um pouco maior
desgarrar-se da brevidade da existência, arrancar-se
das próprias raízes
já abraçadas à morte
para dedicar à vida uma homenagem de quem
caso pudesse
jamais a esqueceria, jamais
a deixaria à míngua
e a ela voltaria
quantas vezes ela quisesse
é preciso creditar o amanhã
aos que ontem acreditaram
é preciso creditar o ontem
aos que acreditaram no amanhã
mas também é preciso creditar a fé
ao presente
mesmo estando ele
mais desacreditado do que a gente
Os poemas são do livro Trato de Levante a ser lançado pela Editora Patuá.
Os poemas são do livro Trato de Levante a ser lançado pela Editora Patuá.

Nascido no sudoeste do Paraná, Jr. Bellé publicou em 2010, de maneira independente, “O sonhador que colhe berinjelas na terra das flores murchas”, com não mais que 300 cópias, as quais vendeu por aí, nas ruas e botecos, para amigos e inimigos. Seu segundo livro, “Trato de Levante”, sai em 1º de junho, pela editora Patuá. Boa parte da obra foi escrita em 2013, durante duas residências artísticas em Yaddo Artists Colony e Art Farm Nebraska. Se você procurar bem, ainda acha o “Balaclavas & Os Profetas do Caos”, sua primeira obra, um livro reportagem publicado pela Livro Novo também em 2010. Mais em juniorbelle.