Quantcast
Channel: mallarmargens
Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Vidamorte

$
0
0
Vidamorte

O corpo estava estendido. Exposto. Morto.
Disposto aos olhos inquietos.
Estava feia. Inchada.
Dissera que como a morte um dia chegaria, que lhe roubasse seu coração.
“Nada mais digno do que morrer de infarto.”

Estava feia. Cabelos curtos e maltratados. Olhos opacos.  Sem cor.
Gorda? “Não, inchada.” Estranha.

O pior nunca foi a morte. O pior ainda estaria por vir quando começassem a seguir, erguido, numa espécie avessa de contemplação, o cor.
Ou, então, quando ele servisse à natureza.
Quando estivesse preso. Na cadeia. E fosse o alimento. Dos bichos.
Estaria, portanto, morta.
E ainda assim o desespero era referente a essas horas de intermináveis olhos vendo sua vidamorte.

Após a travessia, foram jogadas várias flores,
de várias espécies e belezas.
Jogaram, também, terra batida e restos de chão, que, somados aos restos de vida compartilhada pelo barro, visavam entupir o buraco ali exposto.

(...)

Assim pareceu-lhe a vida. Às vezes.
Não sentiu dor no coração.
Pensou, ao contrario, que contradizendo a expectativa, ele foi o último sobrevivente.
Morreu asfixiada.
Tanto pelas flores como pelos barros.
Morreu sobrecarregada pelo outro.






Viewing all articles
Browse latest Browse all 5548

Trending Articles