(fotomontagem a partir de imagens do Santo Sudário em http://www.divinoespiritosanto.org)
Som
“...Limpo num pano de prato as mãos sujas do sangue das canções...”
Caetano Veloso
Para Gilmar que devaneou meus sonhos da música
O som no vácuo: A marca da clave paralisa o arquetípico-corpo, risca e pendura as notas ardentes no pó-vapor do suor inexistente. Gotas de líquidos a pingar, escorrer pelas laterais, das nádegas. A volúpia arde sobre as riscas das costas amargas, magras. Em Lá a Loucura vã. As riscas-notas à derreter vazias e vermelhas por entre as pernas e a região anterior a elas, abraçando serenas, invasivas o resto de tudo. Era em seu corpo que compusera a canção, riscando as notas em sua carne fusco-quente. O púbis a dormir sobre a cama suja.
O som no silêncio: sem gritos, apenas o violão permitia-se beijar pelos dedos carinhosos, acelerados. Choro.
Depois de ardida a volúpia – do som no vácuo – carregou o corpo dela ensanguentado ao banheiro; banhou-o deixando apenas as cicatrizes. Guardou-o no armário, perfumado, enrolado em pano branco para a próxima composição.
Embriaguez
Trinta e sete planos de pétalas caídos ao chão... e a mancha branca repousada sob a paz do esquecer o silêncio. E para o além do devir, as vibrações provocadas a reverberarem, a serem invisíveis na falsa pureza jogada ao chão, estáticas, o toque suave e massivo do corpo morto, negro-quase-transparente: Suicidara-se a pobre muriçoca. Vida ruim a dela, zunir no ouvido dos outros, sugar o sangue dos outros, provocar doenças, tinha desistido de ser o que era. Enquanto os outros assemelhavam-se as moscas, lagartixas, baratas e a uma “serventia inútil” ela era somente, tão somente uma muriçoca, por isso, permitiu-se cair no copo de leite esquecido sob a mesa, falecendo naquela manhã comum junto ao líquido branco respingado em trinta e sete pingos, planos de pétalas caídos ao chão. No sonho de encontro à sua morte, finalmente seria o desejado, pétala, plano de pétala, ao menos ao chão caído.
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Danuza Lima, 26 anos: "Sou de Itapissuma - Pernambuco. Faço parte do trio que move o coletivo literário NAUvoadora, além de ser professora de língua portuguesa e pós-graduada em literatura brasileira."