Falta a palavra inicial para dar vida a algo que insiste em nascer. Espero com os olhos fechados o sopro no ouvido ou o resgate de uma inspiração causada pelos alucinógenos. Olho para o relógio, olho para as paredes, olho para a janela e não há nada que me oferte a palavra inicial. São quatro horas e vinte quatro minutos. Olho para o telefone e sinto vontade de tirá-lo do gancho, só que a vontade e a ação se desentendem e minha mão continua ocupada tentando violar o espaço que separa os meus dedos da velha máquina de escrever. Ouço um caminhar no teto, não é um invasor, é apenas a vizinha do 222com insônia. Lá fora não há barulho e nem mesmo silêncio, no entanto a algo indefinido que atrapalha o sono de todos. Brasília é realmente um lugar estranho: as pessoas não vivem aqui, apenas povoam. Não há gatos e nem cachorros correndo soltos pelas ruas e nem beijos de namorados nos portões. Por aqui não há portões, só grades e porteiros treinados para desejarem uma boa noite para todos. Quinze para as cinco da manhãe consigo sentir toda a matéria do tempo me tocando. Os ponteiros do relógio emitem sons que ousam revelar o nome da palavra inicial e meus ouvidos tentam decifrar a dicção mecânica daquele tic tac. Talvez a palavra tenha relação com silêncio ritmado, pois entre o tic e o tac há uma ausência constante de som. Ainda assim observo atentamente cada respiração acidental dos objetos do quarto, pois sei que as respostas se encontram no improvável ou naquilo que sempre foi o que é. Suspeito apenas de que Brasília continuará sendo Brasília por longos anos e talvez a única mudança que possa acontecer seja uma variação em suas funções. Todas as madrugadas são iguais: onde há Plano tem insônia e tédio, onde há Satélite tem medo e homicídio.
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