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Acidente ferroviário na Estação Montparnasse, Paris, 1895. |
Não aguentava mais o barulho dos trens. Locomotivas iam e vinham no imenso pátio ferroviário de Praia Formosa. Vagões de todos os tipos - tanques, fechados, isotérmicos, hoppers, gôndolas, plataformas, especiais - acoplavam-se, desacoplavam-se na montagem de composições para destinos diversos. Trabalhava emputecido. Onze dias de greve descontados no minguado contracheque. O telex, no pequeno cubículo onde se mumificava longas horas por dia, ampliava o pesadelo sonoro. Quis ser ferroviário para seguir viagem interminável. Mil aventuras de ouro adormecidas, mil mulheres esquecidas à beira de trilhos embriagados, morrer cada noite em um corpo para amanhecer em outra cidade. Acabou lotado numa área de manobras com ar de sucata. Agora a vida em aberto transformara-se em peso insuportável: âncora lançada em meia-água na Baixada Fluminense com mulher e três filhos. Mais um estrondo, dessa vez muito forte; a locomotiva descarrilou e tombou dois vagões. Pôde ver, pelas grades da janela da estação, cem metros à frente, sua cabeça esmagada entre dormentes e rodas de aço. Correu apavorado para o banheiro; já não podia ver, mas sentiu, horrorizado, que só existia do pescoço para baixo.