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4 poemas de Mia Zoch Fernandes

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 Une Semaine de Bontè ou Les Septs Éléments Capitaux
Max Ernst - 1934

V.

Tip tip tip ladeira abaixo.
O salto preso na rua ou um pé
preso ao salto.
Cling cling chaves sem fim.
O capataz anda as voltas por aqui.
Os dedos deixam o conforto de sua morada
à enfrentar a pedra fria da estrada.
Num caminhar
sem fim.
O carcereiro em mim.


VI.

Esse homem que me fez fugir, que violentou e despedaçou.
Comeu seus filhos, matou meus irmãos.
A escória do mundo o ganha pão.
Aquele que chamam bom êxito,
o dono dela.
Só porque ela não vê.
Por suas mãos sou prisioneira, por minhas mãos suicida.
As pontes estou a queimar e me queimo nela para recomeçar
e, em cada tábua seu nome alvejei.
Um por um de sua história apaguei.
A vida em mim tirei. Vida que você me deu,
não é mais eu. Vá por ali, não voltes mais
porque esse não é meu pai.


VII.

Paralisada,
uma gravura de alguém.
Linhas que definem as fronteiras de ninguém.
Como os fios de cabelo delimitam,
minha graça, meu orgulho,
tão ausentes quanto eu.
Palpitações,
provas de que não tem fim.
Dor, decepção, tudo que não foi.
Ouço no vento o chamado da partida,
corpos que não divisam águas,
águas que não divisam mundos.
Palpitações, o chamado do invisível.
A dor, o medo da carne.
Ruído interminável de civilização,
zumbido de mim mesma.
Necessidade de não ser algoz de mim.
Não se reconhecer nem parecer com outros,
um vão vazio de escada,
sem luzes que criam sombras em plena hora chegada.
Ouço a porta ou a ligação,
nunca é nada.
Mente louca e escravizada,
uma bela senhora enforcada.


VIII.

Não ser compreendida é minha maior ilusão,
sou como a sala que pelos móveis eu decorei.
Ornamentar um vão vazio é definir sua função
acorrentar seu destino à urgência da inanição.
Escravizei cada ladrilho, condicionei todo o espaço.
Quadrados de quê? Metros de quem? Nunca compreendi.
A senhora gentia limpou o espelho que continha meu reflexo, e disse:
Vês que não há nada a deixar para seus filhos,
nem nada que deixaram para você.
Apenas poeira indistinta cegando o peregrino.
Me aproximo para subjugá-la e,
viver eternamente contra as leis impostas por ela.
À mato e não morro mais.



Mia Zoch Fernandesé o pseudônimo de Milena Zoch Souza. Nascida em 16 de junho de 1986, em Santa Maria/RS. Poetisa, escritora e artista visual. Formada em Direito, reside atualmente em Brasília. Intagram: @miazochfernandes.





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