(Paulo na companhia de Borges, em São Paulo,
em 4, 60, 460 quadros anos)
em 4, 60, 460 quadros anos)
Um homem cortado ao meio pelo lixo. Um quarto do lixo da cidade de São Paulo enterrado em terrenos irregulares. No lixo um quarto de cegos voltados para a análise da matéria. Outro quarto deles inclinado à abstração das formas elementares da vida parasitária do lixo. No monturo vazio de certezas, mas não de linguagem, o homem cortado ao meio pelo lixo revira entre achados aproveitáveis um livrinho. Uma voz originária da experiência da história perdida leva-o a pressentir a existência justa. A história, qualquer história, tudo deixa atrás de si. Como aquela em que o profeta precisa de deserto para gritar. Ou esta em que o deserto entregue ao destino busca a identidade do escriba. Quem somos nós? Vulcões acesos ou adormecidos? Ou aquele criminoso por vir? Uns e outros movimentam-se, ora embrenhando-se na trama espessa do monturo, ora contemplando os amplos e lânguidos terraços na leitura dos dados. Os primeiros remexem sucatas e dejetos na esperança de dar sentido aos bens da terra e de redescobrir os princípios da vida. Os outros dão braçadas na linha do horizonte a partir de seus gabinetes atrás do motor do mundo que se desmunda. Do livrinho no alto do monturo ouve-se um chorrilho e a errância deste conflito. A literatura pode ou não ser colhida ao vivo? Até que ponto o chorume que escorre da estrumeira pode ser uma combinação de palavras que buscam saturar a paixão breve, violenta e obstinada por nós mesmos? Ou seria um erro acreditar que o homem cortado ao meio pelo lixo, contemplativo em sua insignificância, deve abrir mão da palavra para ouvir o chamado de sua vocação?