Erotismo contemporâneo
quero teu
na minha
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Estilingue
se for me atirar longe
ao menos não me pegue
pelas pernas
prefiro os cabelos
me pegue pelos cabelos
se for me atirar
longe
me pegue pelos
pelos
quando for me atirar
a dois quilômetros
daqui
ou pela pele
sim pela
pele na hora de me
atirar a três mares
daqui
e eu não vou chorar
nem pedir
nada
se fui pega
eu pago
e estico eu mesma
o elástico com a cabeça
erguida dos
guilhotinados
não vai doer
não vai doer
não vai
Resolução
não há resquício de dias pequenos
no instante do olhar ao espelho
após um novo corte de
cabelo pela primeira
vez
eu
sou aquela que já
não sou
ou:
eu
sou aquela que ainda
não fui
(são as aftas que ajudam
a afiar a
língua)
eu sou aquela
que já era
A mão incurável
as meninas para tornarem-
se mocinhas precisam
aprender a não crescer
tantos dentes nas gengivas
vazias (ou os homens olharão
de longe os lábios delas) as meninas
para tornarem-se mocinhas
precisam aprender a não
deixar uma perna vazar
entre as outras (ou dirão delas
que se movem além do
necessário) as meninas
para tornarem-se
mocinhas precisam
aprender que um útero não
é um útero mas uma
granada adorada
por deus
(ou os homens as trocarão
por terroristas)
para tornarem-se mocinhas
as meninas mastigam
as próprias
febres
Face a face
passar as mãos sobre as
paredes mudas
de que adianta
não sai dessa casa
senão tempo
caçado em agonia
trazido enfim pelos dois
grandes chifres
inertes
os velhos que um dia
seremos estão pedindo
perdão
Laringoscopia
ninguém te contou mas as cordas
vocais são como duas coxas abertas
e entre elas um buraco de mulher
quando elas se abrem é como se
fosse um convite e toda voz é nada
mais que uma
trepada
bem dada
bem feita
ainda que feita de um lado
só.
também eu não sabia que as cordas
vocais eram fêmeas ou muito menos
que estavam sempre
no cio, foi só quando
emudeci que desvendei as
faltas: agora sei que a mudez é uma
doença feminina, há de se manter
molhada a garganta
os espaços abertos
e uma pílula
sempre
à mão.
* * *
Maíra Ferreira nasceu em 1990 no Rio de Janeiro, onde mora até hoje. Atualmente, cursa Letras pela UFRJ e trabalha na escrita de seu primeiro livro. Também já colaborou com a revista Letras et cetera e com o Portal Cronópios, além de publicar pequenos textos em maira não mora mais aqui.