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2 PROSAS DE CARINA DESTEMPERO

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RUPTURA


Não adianta. Nada do que eu pense, sinta, fale, imagine, crie, escreva, nada vai ser capaz de dizer tudo o que eu quero te dizer, nem te fazer mudar de ideia, mudar de vida, mudar. Já eu mudo o tempo inteiro, é como uma doença, eu durmo uma, acordo outra, no almoço sou uma terceira e já não lembro mais quem eu era ontem, há uma semana ou quando nasci. Eu nasci? Talvez nem tenha nascido ainda, talvez esteja nascendo agora, talvez nascer e viver possam ser sinônimos, enquanto vivemos estamos sempre nascendo, nascendo outros, diferentes de quem fomos meia hora antes, mas, ainda assim, os mesmos. Não gosto de ser a mesma, mesmas escolhas, mesmos erros, desses não consigo escapar, por mais que os saiba, os entenda, não paramos de repetir um erro quando o entendemos, mas quando conseguimos desapegar daquilo que o motiva. Para sair do círculo é preciso um passo pro lado, um ciclo não termina sem ruptura, por isso busco a mudança, algo de novo, quem sabe agora, quem sabe dessa vez, quem sabe? 


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PONTO FORA DA CURVA


Vinte e duas horas e sete minutos do dia cinco de setembro de dois mil e treze, uma garrafa de cerveja, a mesma, há aproximadamente uma hora e trinta minutos, quatro pessoas, uma conversa, um exagero de, talvez, cinquenta e seis fotos, uma mesa, um livro, um cubo, um poema, um salto, mais uma conversa, uma mão, outra mão, duas mãos dadas, um olhar, um beijo, dois beijos, perder a conta do número de beijos, perder a noção do tempo, perder a razão, perder a vontade de ir embora, perder o medo, ir ao banheiro por quatro minutos, encontrar um pensamento racional, reencontrar o medo, fugir.

Setenta e sete dias, duas ou três discussões de relacionamento, uma briga, uma mensagem recebida as três e horas e quarenta e um minutos da madrugada, duas câmeras, quatro fotos, quatorze textos, um esquema perfeitamente construído levando em conta trinta e sete variáveis, um mapa, um roteiro, uma noite, um corpo sentado num ângulo de noventa graus em relação a outro corpo, dois rostos a aproximadamente dez centímetros de distância, oito centímetros, cinco, três, dois rostos tão próximos que não é possível mesurar a distância, cento e quarenta batimentos cardíacos por minuto, um beijo, dois beijos, perder toda a capacidade de analisar, perder as palavras, perder a vergonha, perder a noção de que há outras pessoas no mundo, perder o mapa, o roteiro, o caminho, jogar todas as trinta e sete variáveis no lixo, desistir de inserir os três novos fatores na equação, abandonar o experimento, viver.

(Não adianta tentar escrever em linha reta se você é meu ponto fora da curva.)





Foto: Luca Pierro


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Carina Destempero é psicóloga, apaixonada por psicanálise e por literatura. Escreve para os sites Confraria dos Trouxas e Digestivo Cultural, entre outros, e é editora de literatura na Caixa Preta Editora.









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