Compreendido como um movimento literário que se fixou basicamente no sonho, na metafísica, e cuja postura diante do mundo, para muitos, foi resumida nas célebrestorres-de-marfim, o Simbolismo, no Brasil, também produziu uma grande e considerável arte social – no conceito de sociedade e o que é relativo a ela, inclusive a ordem social. A perambulação dessas temáticas vão desde o maior - Cruz e Sousa - até um pós-simbolista que publicou suas obras até a década de 60, como Pádua de Almeida.
A grande influência da literatura portuguesa influiu para a não abstenção dessas temáticas nas obras em nossos simbolistas. Aqui faço ponto para duas grandes figuras lusas que, mesmo não sendo simbolistas, aguçaram essa percepção social na arte: Antero de Quental e Cesário Verde. O primeiro, em cujas Odes Modernas (1865) o socialismo à Proudhon é celebrado, foi um dos sonetistas que mais influenciaram o Simbolismo brasileiro, tendo, absolutamente, um espírito muito semelhante, por exemplo, ao de Cruz e Sousa – fosse no aspecto político ou espiritual. Já Cesário Verde – que, segundo o simbolista Antônio Austragésilo, foi um dos poetas portugueses mais lidos pelos brasileiros do movimento -, tem, em seu poema “Desastre”, um verdadeiro clássico no que se refere à crítica social e à exploração do homem pelo homem.
Na questão teórica, Baudelaire – um dos grande precursores do Simbolismo, mas, por essência, um Decadentista -, assim definiu a suposta obrigação da poesia em questões morais e sociais: “(...) Digo que, se o poeta procurou uma finalidade mora, diminuiu sua força poética e não é imprudente apostar que sua obra será má. A poesia não pode, sob pena de morte ou de decadência, assimilar-se à ciência ou à moral. Ela não tem por objeto a Verdade, ela não tem senão Ela mesma. As formas de demonstração das verdades são outras e estão alhures (...)”. Não havia, portanto, desde os decadentistas franceses até os simbolistas brasileiros, um intentento essencial de moralidade – de escrever sobre as mazelas da sociedade para que se ponha o leitor a questioná-las. Porém, como veremos, esse pressuposto de abstenção foi, pouco a pouco, deixado de lado.
Se no aspecto artístico havia uma postura crítica dos Simbolistas, o mesmo não havia na vida pública, principalmente depois da Proclamação da República (1889). A grande parte dos primeiros simbolistas brasileiros fizeram campanha pelos movimentos abolicionista e republicano – de Emiliano Perneta a Cruz e Sousa, Oscar Rosas, entre outros -, mas a postura elitizante e excludente da Primeira República fez com que o apoio se tornasse frustração; acerca da abolição, Cruz e Sousa, filho de escravos (que acabaram sendo alforriados), era o grande exemplo de como a sociedade não havia se preparado para os negros livres – nem sequer para um negro de uma importância intelectual como o autor de Broquéis– que sofreu, mesmo de importantes escritores e críticos da época – como Araripe Júnior – ataques como “seus poemas não negam que é um primitivo” ou “é um maravilhado com a civilização”.
Falemos, enfim, de dois poemas de Cruz e Sousa. Durante muito tempo – talvez por má interpretação ou má fé – ele fora acusado de se abster de questões de “ordem-social” (como se a própria fuga para um outro mundo ideal não fosse uma consequência de um mundo hostil ao poeta), mas antes mesmo de seu Missal (1893) ele já havia publicado o soneto “Escravocratas” ou o texto “O Abolicionismo”, em que critica a falta de preparação da sociedade para receber os negros alforriados. Mas partamos de um texto de Faróis (1900), nem sempre lembrado como uma grande e genial descrição da pobreza do Rio de Janeiro daquela época – além de conter valiosos traços de um “sofrer-redentor”, tão comum à crença católica, e também usual à linguagem simbolista.
LITANIA DOS POBRES
Os miseráveis, os rotos
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
As sombras das sombras mortas,
Cegos, a tatear nas portas.
Procurando o céu, aflitos,
E varando o céu de gritos.
Faróis à noite apagados
Por ventos desesperados.
Inúteis, cansados braços
Pedindo amor aos Espaços.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Figuras que o Santo Ofício
Condena a feroz suplício.
Arcas soltas ao nevoento
Dilúvio do Esquecimento.
Perdidas na correnteza
Das culpas da Natureza.
Ó pobres! Soluços feitos
Dos pecados imperfeitos!
Arrancadas amarguras
Do fundo das sepulturas.
Imagens dos deletérios,
Imponderáveis mistérios.
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
Fantasmas vãos, sibilinos
Da caverna dos Destinos!
Ó pobres! o vosso bando
É tremendo, é formidando!
Ele já marcha crescendo,
O vosso bando tremendo...
Ele marcha por colinas,
Por montes e por campinas.
Nos areiais e nas serras
Em hostes como as de guerras.
Cerradas legiões estranhas
A subir, descer montanhas.
Como avalanches terríveis
Enchendo plagas incríveis.
Atravessa já os mares,
Com aspectos singulares.
Perde-se além nas distâncias
A caravana das ânsias.
Perde-se além na poeira,
Das Esferas na cegueira.
Vai enchendo o estranho mundo
Com o seu soluçar profundo.
Como torres formidandas
De torturas miserandas.
E de tal forma no imenso
Mundo ele se torna denso.
E de tal forma se arrasta
Por toda a região mais vasta.
E de tal forma um encanto
Secreto vos veste tanto.
E de tal forma já cresce
O bando, que em vós parece.
Ó Pobres de ocultas chagas
Lá das mais longínquas plagas!
Parece que em vós há sonho
E o vosso bando é risonho.
Que através das rotas vestes
Trazeis delícias celestes.
Que as vossas bocas, de um vinho
Prelibam todo o carinho...
Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.
Que as vossas almas trevosas
Vêm cheias de odor das rosas.
De torpores, d’indolências
E graças e quintessências.
Que já livres de martírios
Vêm festonadas de lírios.
Vem nimbadas de magia,
De morna melancolia!
Que essas flageladas almas
Reverdecem como palmas.
Balanceadas no letargo
Dos sopros que vem do largo...
Radiantes d’ilusionismos,
Segredos, orientalismos.
Que como em águas de lagos
Boiam nelas cisnes vagos...
Que essas cabeças errantes
Trazem louros verdejantes.
E a languidez fugitiva
De alguma esperança viva.
Que trazeis magos aspeitos
E o vosso bando é de eleitos.
Que vestes a pompa ardente
Do velho Sonho dolente.
Que por entre os estertores
Sois uns belos sonhadores.
São as flores dos esgotos.
São espectros implacáveis
Os rotos, os miseráveis.
São prantos negros de furnas
Caladas, mudas, soturnas.
São os grandes visionários
Dos abismos tumultuários.
As sombras das sombras mortas,
Cegos, a tatear nas portas.
Procurando o céu, aflitos,
E varando o céu de gritos.
Faróis à noite apagados
Por ventos desesperados.
Inúteis, cansados braços
Pedindo amor aos Espaços.
Mãos inquietas, estendidas
Ao vão deserto das vidas.
Figuras que o Santo Ofício
Condena a feroz suplício.
Arcas soltas ao nevoento
Dilúvio do Esquecimento.
Perdidas na correnteza
Das culpas da Natureza.
Ó pobres! Soluços feitos
Dos pecados imperfeitos!
Arrancadas amarguras
Do fundo das sepulturas.
Imagens dos deletérios,
Imponderáveis mistérios.
Bandeiras rotas, sem nome,
Das barricadas da fome.
Bandeiras estraçalhadas
Das sangrentas barricadas.
Fantasmas vãos, sibilinos
Da caverna dos Destinos!
Ó pobres! o vosso bando
É tremendo, é formidando!
Ele já marcha crescendo,
O vosso bando tremendo...
Ele marcha por colinas,
Por montes e por campinas.
Nos areiais e nas serras
Em hostes como as de guerras.
Cerradas legiões estranhas
A subir, descer montanhas.
Como avalanches terríveis
Enchendo plagas incríveis.
Atravessa já os mares,
Com aspectos singulares.
Perde-se além nas distâncias
A caravana das ânsias.
Perde-se além na poeira,
Das Esferas na cegueira.
Vai enchendo o estranho mundo
Com o seu soluçar profundo.
Como torres formidandas
De torturas miserandas.
E de tal forma no imenso
Mundo ele se torna denso.
E de tal forma se arrasta
Por toda a região mais vasta.
E de tal forma um encanto
Secreto vos veste tanto.
E de tal forma já cresce
O bando, que em vós parece.
Ó Pobres de ocultas chagas
Lá das mais longínquas plagas!
Parece que em vós há sonho
E o vosso bando é risonho.
Que através das rotas vestes
Trazeis delícias celestes.
Que as vossas bocas, de um vinho
Prelibam todo o carinho...
Que os vossos olhos sombrios
Trazem raros amavios.
Que as vossas almas trevosas
Vêm cheias de odor das rosas.
De torpores, d’indolências
E graças e quintessências.
Que já livres de martírios
Vêm festonadas de lírios.
Vem nimbadas de magia,
De morna melancolia!
Que essas flageladas almas
Reverdecem como palmas.
Balanceadas no letargo
Dos sopros que vem do largo...
Radiantes d’ilusionismos,
Segredos, orientalismos.
Que como em águas de lagos
Boiam nelas cisnes vagos...
Que essas cabeças errantes
Trazem louros verdejantes.
E a languidez fugitiva
De alguma esperança viva.
Que trazeis magos aspeitos
E o vosso bando é de eleitos.
Que vestes a pompa ardente
Do velho Sonho dolente.
Que por entre os estertores
Sois uns belos sonhadores.
É, evidentemente, um poema simbolista, com suas evocações, ritmo alucinatório e imagens alegóricas – mas é, inegavelmente, uma crítica social – e muito mais complexa, em representação e profundidade, do que grande parte do que fora produzido por Realistas ou Naturalistas da época. Não podemos nos esquecer que, com o Cientificismo em voga – inclusive com o uso de frenologia para determinar o caráter e personalidade de uma pessoa por meio da medição do crânio, e com a fama de Lombroso atingindo o auge - para muitos, agir em prol da sociedade era reproduzir as teorias deterministas e escrever uma obra em favor da superioridade racial. Talvez um dos exemplos mais evidentes disso é “O Cromo” (1888), de Horácio de Carvalho, cujo principal personagem define-se como um ser “darwianamente superior” (Lília Moritz Schwartz faz um breve estudo sobre essas obras naturalistas em seu “O Espetáculo das Raças”, da Companhia das Letras).
Entre outros poemas de Cruz e Sousa que contêm teor social – que, segundo Andrade Muricy, tomou como posição política o Socialismo -, cito o clássico “Escravocratas”. Detenho-me em transcrever a grande obra de Cruz e Sousa - “Emparedado” - pois, por sua extensão, obstaria a sua publicação por inteiro. Não podemos nos esquecer que Cruz e Sousa era leitor de Castro Alves – “o poeta dos cativos”, como era celebrado por muitos -, chegando, em 1881, a homenageá-lo publicamente pela ocasião do decênio da morte do poeta baiano.
ESCRAVOCRATAS
Oh! Trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranquilo.
Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos à espinha — enquanto o grande basta
O basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciência — o rútilo sacrário
No tímpano do ouvido — audaz me não soar.
Eu quero em rude verso altivo adamastórico,
Vermelho, colossal, d'estrépito, gongórico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!
Cito agora o gaúcho Eduardo Guimaraens, talvez o grande representante do Simbolismo do Rio Grande do Sul. Há, em sua obra completa – A Divina Quimera (1942) -, dois poemas que fazem, direta ou indiretamente, menção à Primeira Grande Guerra (1914-1918). Esse fato vem confirmar o que Andrade Muricy, em seu Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, disse acerca da postura ativa de muitos simbolistas à época do conflito. Em alguns exemplos, cito Alphonsus de Guimaraens, que escreveu, muito influenciado pelo tema, a sua Pauvre Lyre, publicada postumamente em 1921, e também Nestor Vítor, o grande amigo de Cruz e Sousa, maior ensaísta e crítico da primeira fase do Simbolismo, que fundou, em 1914, junto com Rui Barbosa e José Veríssimo, a Liga Brasileira pelos Aliados; Nestor Vítor, inclusive, chegou a criticar duramente alguns poetas do Movimento Simbolista que se abstinham naquele momento.
Eduardo Guimaraens, tratando da guerra, legou-nos, de mais singular, este belo poema:
SETEMBRO DE 1915 (nas Estâncias de um Peregrino)
Sob o esplendor dos astros que sorriem,
acorda o mundo a um sonho alucinante.
Ouvem-se os versos lúgubres de um Dante.
Descem-se os nove círculos do Inferno.
Que vale a dor do teu soluço eterno,
ó dolorosa Noite, ardente e triste?
Do que era outrora humano a sombra existe
apenas, sobre a terra desolada.
Desfraldam-se as bandeiras à lufada
da morte. E o sangue espuma sobre a lama.
Pare o gemido aos lábios de quem ama!
Petrifique-se o gesto que perdoa!
Qual raio de ódio, o atro clamor ressoa
que os homens chama aos campos de batalha.
Quando há de vir a esplêndida mortalha
para envolver o último Combatente?
Nitre, a galope, o furacão furente:
e os trovões uivam, altos agourando.
E as Pátrias choram sob o céu, cantando.
E os Bardos erguem, num delírio, a lira.
Sobre as trincheiras, a alma a Deus aspira.
São reis, contudo, a fome e o desalento.
E, a um solitário ritmo de lamento,
sob o clamor que, pela noite, escuto,
como sonhando, as doces mães de luto
que, dentre o céu das lágrimas, sorriem,
oram ao pé dos Berços. E sorriem!
E acerca do Simbolismo Gaúcho, cito um dado biográfico de Alceu Wamosy, autor de Coroa de Sonhos (1923) e do soneto “Duas Almas” – um dos melhores escritos em terras brasileiras. Wamosy, mesmo tendo uma obra idílica e de uma leveza outonal, envolveu-se fervorosamente na Revolução de 1923, ocorrida em seu Estado, vindo a falecer em 13 de Setembro desse ano, por consequência de um ferimento de guerra. Foi uma característica do Simbolismo gaúcho o envolvimento com os temas e belezas do Rio Grande do Sul – fosse na poesia (como em Eduardo Guimaraens, vide o Canto do Vento Minuano) ou nos então constantes conflitos da região, como em Wamosy.
O curitibano Dario Vellozo, um dos maiores propagadores do Símbolo, conhecido por sua poesia esotérica, tão criticada por seu feitio hermético, não se impediu de deixar, em 1892, um soneto em apoio ao Socialismo. Vejamo-lo:
NOVO PENDÃO
Por terra o despotismo!... Trompas soem!...
Soem de guerras bélicas fanfarras!...
Saltem da morte envenenadas garras,
Monstros de pedra à bala esboroem!...
Férreos tinidos másculos reboem,
Gritos cruzem o ar, surjam lamentos;
Choquem-se o ódio, a raiva, os sentimentos;
Troem clarins e os bombardeios troem!
Por terra o despotismo!... Caos e morte
Rolem do Sul a regiões do Norte,
Sacudindo os ermos de espantoso abismo!...
Quebrem-se os cetros que a tormenta arranca!...
Flutue após longa bandeira branca,
O alto estandarte do Socialismo!...
É dado de curiosidade o fato de que Dario Vellozo, um maçom, preferisse (não com pacifismo) o Socialismo. Na ocasião de sua morte, o seu funéreo cortejo – como desejou o poeta – passou pelas regiões mais pobres de Curitiba, em uma interessante e derradeira manifestação de união do poeta com o povo de sua terra.
É possível que a crítica social – no que se compreende essa palavra, ou seja “da sociedade ou relativo a ela” -, quando praticada por poetas simbolistas, tenha atingido um dos ápices em Silveira Neto, autor de Luar de Hinverno(1900). Quase tudo de sua época, em sua “Ode ao Alicerce”, é tratado, conjuntamente com grandes fatos e mitos históricos: do cientificismo à política de injustiças, de um “alicerce maligno” que sustenta o malogro do mundo às revoltas que o estremeceram, mas não o derrubaram. É uma obra-prima, sem dúvida, do Simbolismo e, porventura, da poesia brasileira.
ODE AO ALICERCE (na Ronda Crepuscular)
De pedras brutas, pedras sobrepostas,
Que a rígida argamassa em bloco firma,
Diz o Alicerce: aqui, nestas encostas,
Quem a muralha que eu sustento pode
Sacudir-ma?
Num baque surdo, para aquele rumo
Foram as pedras num montão jogadas;
Depois, a trolha, o camartelo, o prumo,
E o plano feito: em linha foram todas
Colocadas.
Talhando o solo a pique, da comprida
Vala terrosa lento ele se erguera,
Erato e largo, devassando a vida,
Com a solidez de um contraforte de aço
Se fizera.
Então, sobre o Alicerce, pedra a pedra,
Erguem-se paredões e a de granito
Bela fachada, que a alma desempedra
De uma arte antiga, relembrando assombros
Do alto Egito.
Veem-se portais que ao passo humano tentam
Para cultos de Apolo ou das Fortunas;
Ou plintos onde hieráticas assentam
Desse mármore branco do Pentélico
As colunas.
Fustes coríntios; capitel de acanto,
Que a lenda evoca de uma noiva morta;
Cariátides de olhar frio, do espanto,
Que à vencida de Cária, ou Salamina
Desconforta.
E a soberba muralha que recorda,
Cruel, do Coliseu a arena imensa,
Ou Brunellesco que a amplidão acorda
Quando a assombrosa cúpula levanta
De Florença.
Suntuosa e vasta é pronta a maravilha:
Palácio ou templo, escola ou alcaçares;
De amplos salões em que a Ilusão rebrilha
Do Gozo farto; mas... e se for tudo
Pelos ares?...
Pompas de ouro e veludo, lá por dentro,
Geram orgias; e, paramentado,
De Judas e Iago é o orientalesco centro.
E ninguém mais se lembra do Alicerce,
Enterrado.
Vultos senhoriais de governantes
Calcam os pavilhões. Crésus bojudo
Loas burila aos tetos fulgurantes:
E a Arte se obumbra e a Ciência tudo aplaude,
Tudo! Tudo!
Mundo que é a febre do viver humano,
Encastelado nas muralhas; e estas
O poderio, rígido e tirano,
À luz ostentam entre varandins
E giestas.
E o Construtor o gênio não disperse
Em calcular o peso do mundo,
Que subterrâneo e humílimo o Alicerce,
Ninguém o vê, mas ei-lo ali supremo
E profundo.
De que ele exista (é bem humana a incúria)
Dos paredões abaixo, quem se lembra?
Ah! mais um dia fende-o, horror, a fúria
Do terramoto; e à convulsão que trágica
O desmembra.
Ele estremece. A grita e a insânia dá-lhas
O pânico; e, num rápido minuto,
Ruem tombando a cúpula e muralhas,
E mármores e bronzes, num reboo
Longo e bruto.
E ao fundo o novo Atlante vê o entulho
Do orbe que há pouco lhe pesava aos ombros;
Um século de lutas e de orgulho
Que desmoronam; e ele inda é alicerce,
Nos escombros.
Ruem tombando a cúpula e muralhas,
E mármores e bronzes, num reboo
Longo e bruto.
E ao fundo o novo Atlante vê o entulho
Do orbe que há pouco lhe pesava aos ombros;
Um século de lutas e de orgulho
Que desmoronam; e ele inda é alicerce,
Nos escombros.
Povo, assim és; o plinto da estrutura
Na Mole social; e era oculto
Sob a ruma de andrajos e amargura.
Quem do Kremlin, ou de Versailles, vira
O teu vulto?
Mas se ao peso do guantes ou da fome
A juba enristas, o rugido atroa;
E nada mais a cólera sem nome
Detém-te, e Alhambras ou Bastilhas, tudo
Se esboroa.
E não sucumbes, não; pária indomável.
E te hás de alevantar um dia invicto,
Povo! como as montanhas, admirável,
Bloco integral com o vértice em demanda
Do Infinito.
Na Mole social; e era oculto
Sob a ruma de andrajos e amargura.
Quem do Kremlin, ou de Versailles, vira
O teu vulto?
Mas se ao peso do guantes ou da fome
A juba enristas, o rugido atroa;
E nada mais a cólera sem nome
Detém-te, e Alhambras ou Bastilhas, tudo
Se esboroa.
E não sucumbes, não; pária indomável.
E te hás de alevantar um dia invicto,
Povo! como as montanhas, admirável,
Bloco integral com o vértice em demanda
Do Infinito.
Manifestações como O Instante Universal (1934), de Pádua de Almeida (irmão do magnífico poeta Moacir de Almeida) – e em cuja lírica se posiciona um dos grandes momentos da poesia brasileira da década de 1960, no livro O Luar de Outros Caminhos (1961) - talvez marquem um raro passo na poesia simbolista – pois se trata, única e exclusivamente, de um livro de viés de protesto social. Muito comuns foram casos como o do carioca Marcelo Gama que, discorrendo sobre aspectos sociais presentes em relações do cotidiano – para além de uma discussão teórica, Socialismo, Anarquismo e etc.., acabou por escrever versos como estes, presentes no poema “Feia”, publicado na Via-Sacra, em 1944:
(…)
Sei que um dia choraste, assistindo a uma boda,
porque viste alguém rir do teu porte mesquinho.
Já chegaste a dizer, encontrando um ceguinho:
- Que bom se fosse cega a humanidade toda!
Entristeceste ao ver, numa revista de arte,
um "tipo de beleza"... E terias a palma
se fosse dado a alguém fotografar tu'alma:
- não havia mulher tão linda em toda parte.
(...)
O Simbolismo, considerado um estilo que se absteve dos interesses sociais e coletivos, como demonstrado neste ensaio, se não participou ativamente da vida pública após a Proclamação da República, não deixou de ter, em grande parte, uma arte de imenso valor social. Constituindo-se, sem dúvida, também de um movimento Pós-Romântico, o Simbolismo teve algumas poucas semelhanças formais com a escola literária de Castro Alves. O que havia de igualdade era referente à postura dos poetas, pois esta foi essencialmente de revolta nos dois movimentos - por sentirem-se os poetas muitas vezes deslocados da sociedade - em deslocamentos não somente no sentido de frustração amorosa (nos Românticos) ou de incapacidade de resolver os seus problemas de ordem metafísica (Simbolistas) – mas também no que se refere à ordem social. Se para os Românticos a escravidão e a Guerra do Paraguai (1864-1870) avivaram as discussões sobre a questão da nacionalidade brasileira, para os Simbolistas foi a Primeira República, com muitos problemas semelhantes aos do Segundo Reinado, que fez com que se procurasse – por meio da alegoria simbólica - um porquê da desigualdade entre os seres.
*palavra: Cardoso Tardelli