A RUPTURA
No meio da noite
com uma espécie de rangido
ela simplesmente
se instala.
É assim:
tão de repente
e voraz
que todo o ar
é tragado
e a língua aturdida
não ousa formular
palavra alguma.
No final
os nervos
arados pelo tempo
buscam
a sombra.
Tudo para,
estagnados todos,
embora a manhã
acomode os despojos
e as unhas continuem
indiferentes
a crescer.
RELANCE
1.
não é o tempo
a exumar lembranças.
sequer o dia
estilhaçando o flanco.
atrás da pele cálida
eu mesma:
pura tormenta
em teus afetos brandos.
2.
o fino som
de um traço sobre a areia
risca o acaso
desse amor vindouro:
em nosso peito
ilhado
a tarde em cheio.
BODAS
A memória
desloca uma peça
e tudo muda:
a garganta pronta
para a palavra mais terna.
A exclusão constrói.
imagem: Pierre Beteille
* * *
Vera Americano nasceu em Minas Gerais. De família goiana, esteve entre Goiás, Rio de Janeiro e, depois, Brasília. Estudou Letras em Brasília, na UnB, e fez mestrado em Literatura Brasileira na PUC/RJ. Foi professora de Teoria da Literatura na Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. Em Brasília, trabalhou no Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e na Consultoria Legislativa do Senado Federal, na área da cultura. Publicou A hora maior, poesia, 1970 (1º prêmio da União Brasileira de Escritores), e Arremesso livre, poesia, 2004. Tem poemas publicados em jornais, revistas e portais especializados em literatura.