O mundo não basta
pássaros parecem acompanhar ossos do futuro
carcaças espinhosas de dinossauros eletrônicos.
querosenes rouquejam liberdades
a carne queimada é diamante de olhos secos.
homens submersos flutuam asas pesadas em uma cidade
de avalanches e guaranis perdidos em labirintos de cegas pragas.
feirantes prometem plenitude de produtos chineses
e imagens piratas distorcidas replicam sonhos embaçados.
carros velozes cerceiam campos.
sobre escombros moscas de olhos humanos ainda enxergam:
um amor sem estilhaços
uma manhã de sol
um abraço sem pretensão de falsa paz
um assovio de multidão em jogos sem rivais
e o sangue estancado dos anjos.
o mundo é o bastante para sonhar.
O solitário (ou o poeta)
anjo com asas de foices
flutua nu com seu carro de compras
goza lixos luvas e luas
livros desapercebidos
afeito a lágrimas
feitor de conceitos inexistentes: alma
preso a botões de ouro e latão
profeta do não
dizer
lunático de sorrisos
profissão de risco
gerenciador de gerânios
organista de prisões
cais entre universos
goteja por corredores
um
outro
olhar.
A dois
sorriu navio naufragado
mergulhei toneladas de pedra aos pés
refúgio de fissuras e grito
na lua de celulose
combinação de osmose
entre porto e abismo
construamos um mundo em ruínas baby
no despenhadeiro
mais valia de aconchego.
(porque nestes tempos
afogamentos constroem
autoestradas para as estrelas)
imagem: arte de Brenda Guyton
* * *
Lucas Guimaraensé mineiro de Belo Horizonte, 34 anos. Bacharel em Direito, morou anos na França, onde desenvolveu seu mestrado em filosofia pela Universidade Paris 8. Realizou seus estudos em Direitos Humanos e Poderes Públicos na Universidade Paris X – Nanterre. Trabalhou, também, como intérprete, tradutor e parecerista no CCFD (Comitê contra a Fome e pelo Desenvolvimento sustentável), órgão criado pela ONU. Publicou poemas em diversas antologias, periódicos e revistas no Brasil e no exterior (dentre as quais, a Revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional, a Revista da Academia Mineira de Letras, a revista Espanhola En Sentido Figurado e a francesa Caravelles), tendo recebido alguns prêmios literários. Lançou, em 2011, seu livro: “Onde (poeira pixel poesia)”, pela editora carioca 7Letras, com texto de orelha do poeta Afonso Henriques Neto e prefácio do poeta português Luís Serguilha. Os versos de Lucas revelam uma filiação poética eclética, que bebe na fonte de Ginsberg, Whitman, Lorca e Cecília Meireles, além de Alphonsus de Guimaraens, o poeta simbolista – seu bisavô.