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13 POEMAS DE RODRIGO M LEITE

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[posto de gasolina fantasma o mesmo dos estragos latentes]



primeiro presságio 


comida caseira, oásis restaurante n-
um campo de cinzas

tempestades de saudades de casa rodam Atmosfera Cerrado
caminhoneiros almoçam treze reais à vontade
insetos de areia circulam a construção protegida por uma tela

de céu azul,

a comida: fibra da carne negra - aço no caldo feijão grosso,
sustenta corpos o resto do dia, enquanto enormes
são as procissões no pátio da Bunge

: rebites são devorados com café
as melancias tira-gosto 


[canoa zanzando névoa]



regresso à viagem


entrelaçados de capins ressequidos deslizam no asfalto
regresso à viagem rumo outra Atmosfera
a claridade e o horizonte profundo de uma plantação de grãos
dissipam umas últimas lembranças urbanas

as trêmulas e embaçadas imagens de 400 km distantes

Outro pressentimento
cores super-vivas e criaturas elétricas
exigem carona no posto de combustível fantasma,
o mesmo dos estragos latentes (com
caminhões enamorados
estacionados
e cavalos repousos de capôs levantados)

prosseguimos hectares ao sul

réstias do sol finalizada a tarde 
atravessam o para-brisas com adesivos empoeirados
despachamos assim os últimos espectros, seguimos 
adiante paralém 


[nenhuma sereia serena]


nenhuma sereia serena


à margem do rio, terra vermelha – noite açafrão
aceito o convite proposto pelo céu
um caminho de constelações acesas Meu corpo,
vaga-lume das estrelas
uma embarcação à deriva
à procura dos mistérios envoltos nas cercanias do capinzal
A noite adensa provocações e convites
embalo das águas, sobe-e-desce das canoas
cricrilar dos grilos

nenhuma sereia serena

baldio entre brumas, 
namoro os aspectos fugidios
assombros vaporosos atrás de arbustos
assobios de seres estranhos imaginários
ninfas vulneráveis zanzando névoa Eu selvagem,
córrego de signo esfomeado pela quinta
sofrendo com alheia beleza da terceira
margem – onde as galhas ferem meu curso 
semiárido de quebradiça 
pele-agreste




[vasos sanguíneos do sistema agreste - bovino elegante]



Quarto dos Aracnídeos


No fundo da casa o quarto dos aracnídeos
de cascos vazios emborcados
de emboscadas caminhos de teias
de segredos embaulados: um bosque

A memória depositada num cômodo
abandonado
um museu de louças quebradas
com pôsteres encardidos

e avaliações semestrais


[Surfista Sertanejo, Praia do Caju - MA]



Sunday Parnayba Beach


curumins bronzeados equilibrados nas beiradas
penetram boias vaginas de pneus

[desaparecem determinado instante

O rio cristalina veeiros de saudade
devir de águas passadas,
náufragos de canoas na Ilha do Amor
Caminhões vermelho-trovão dilaceram na paisagem
outra ponte-divisa Piauí-Maranhão

garotos bronzeados reaparecem, trigueiros
como que mais graves após um rito primitivo


piaus fritos festejos com limão
surf-music embalos do coração




*   *   *




sobre a cama
livros lençóis e almofadas, forjam 
domésticas dunas oníricas:
dois corpos lassos coreografam 
a paisagem do aconchego
disto tudo:
dos mundos impressos nas páginas - voo das aves matutinas
dos galos cristalinas manhãs,

da calma sedutora de um copo de leite
sairemos ilesos?
ou será uma demanda do tempo, tic-tac
dos ponteiros do peito...



[desmotivados arames farpados]



doce é a tarde dos metais


desvendando gavetas, veredas domésticas
atravessar a casa de pés-descalço
à procura do açúcar

as formigas migram, entram no perímetro
das laranjas que despencam sorridentes

acolhidas numa bacia com versos caseiros


[atravessador de almas]



Rodoviária dos Corações Alados


viúvos em colunas de concreto puro ou assentados desertos ao batente
os homens acreditam num expresso para o norte
(as bagagens com lembranças apanhas, 
os delitos cometidos)
Quase não há movimento no único corredor empoeirado

quase,

quengas ainda insinuam derradeiras possibilidades
conduzidas por Raimunda Fulô – vendedora de bolo doce
traficante de toucinhos e açúcar caramelado
As horas dependuradas num dos guichês de bilhetes
                                                                       [paralém]
é
constantemente
consultada

no pátio rodoviário vazio, numa crescente
revoadas, as coisas, quase, parando 


[canoa, Rio Parnaíba, Uruçuí - PI]



tempero meu verso com sabores moídos


Aquele animal amarelo 
invasor 
quando a tarde cai sobre os lençóis,
que na casa silenciosa reside

A fumaça da brasa sensual
sonhei com Teresina Mexicana
Praça Pedro Segundo Pimenta Calabresa

algumas verduras brotam sem fúria
a música é qualquer som enferrujado
o barulho agreste de um despertador 
que acorde a tarde

Os ventiladores moinhos de ventos
baratas, baratas viciadas em baygon



[Dona Rosa lavadeira de roupas, Praia do Caju - PI]



sons de sedução, vasta atmosfera


motocicleta cem cilindradas invade uma plantação de soja
tripulantes os corpos movediços rascunham o plantio alheio
precipícios na relva imaginária, efusivos gritos de claridade

nossa imagem encanecida: um trêmulo videoclipe 




Vermelha Vila Vagarosa


entre cacarejos dos galos vizinhos
correria metálica de folhas secas no átrio
alto-falante uma caminhonete anuncia
Estreia do Campeonato de Futebol Municipal

aderimos ao musgo,
lesmas da antiga parede esverdeada que somos

ventura as carnaúbas distantes
o quintal de uma casa cheia de netos:
frutas airosas, inocentes os desejos

tudo bem,
um pouco mais de velocidade
os meninos afoitos ao rio
as redes com renda de crochê balouçando nos alpendres

no aluvião dos sonhos
movimentos despropositados da argila manhosa,
dos aguapés chapados de erva


TODOS EXECUTAMOS O RITMO DAS ÁGUAS



[mãe das águas, Rio Uruçuí Preto - PI]



bichos-madeira à beira de um incêndio


abutres que campeiam em círculos
vigiam preguiçosas cadeiras de espaguete
ao meio-dia: ermos caminhos
e o gosto do arraial quieto
o rio baixando as águas
promete praias ribeirinhas
carnavais dentro da época do fogo
algum ser desvairado, sem cavalo e desarmado
enfrenta a claridade e a umidade zero
atravessa deste modo a Rua da Areia
com salamandras assassinas em chamas
balas-olhares da quitanda agreste
ao meio-dia: emaranhados de galhos secos
e tempestades de saudades de casa

não há saídas para o forasteiro,
o destino primeiro é sempre o rio



[Praia do Caju - MA]



alguma sereia serena


o resto da tarde insinuada entre caibros
transfigura no teatro de paredes amarelas e cerâmica antiga
(o último quarto, um porão sépia fotográfico)
sombraspectos sensibilizados pelo meu ser sereno

garrafão cachaça, insetos conservados
aquário, caranguejeirantes aranhas vivas
rupestres desenhos domésticos, telhas encardidas
                                 sem verniz

mangas verdes cheiram sal, devaneio
já estou distante da casa – amigável numa quinta vegetal

bravios galhos estalam, as  frutas ao chão
gravura no corpo um segundo pressentimento
a mensagem pássaro de silêncio

ao encontro das águas mistério
meu olhar à toa, mal ouve ruídos seresteiros
(festejos da terceira margem) desemboca n-
um verso revisitado: Alguma sereia serena 





fotos: Robrigo M Leite


*    *    *


Rodrigo M Leite nasceu em 12 de agosto 1989, em Teresina - PI. É formado em Letras - Português. Desde 2010 edita o blogue A Musa Esquecida. Tem publicado os livretos poéticos A Cidade Frita e Zona Sub (espécie de bairro d'A Cidade Frita). Tem publicado poemas em jornais, revistas, sites e antologias. Atualmente reside na Atmosfera Cerrado, seu segundo livro-projeto/estético. Contato: facebook: rm.leite.9 / twitter (@rodrigoemeleite) / e-mail


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