Tentativa de poesia moderna nº 26.072.013
Vou escrever um livro com tudo que sei.
Será um livro gigante cheio de...
Mas, porém, sempre haverá entretantos
(deixarei, então, os que não me deixam... em paz).
Explicarei à esfinge da esfinge e
Cavarei um buraco dentro de um buraco.
Será um hino de amor, só que ao contrário.
Será um livro de autoajuda, só que pelo avesso.
Será um riso de livro feito diágua – um livro rebelde,
Fruto do não: como todo livro.
Eu vou afundar a quinta estação
Que organizará as safras do comércio – embora ninguém...
A moderna não terá tempo nem moda, nem modo e
Será sempre o tempo de nem...
E, mais, claro!, haverá, sempre!, contudos.
O livro de tudo será cheio de duvidos
E heroica retórica pretórica:
Será uma ode a paz, mas, antes, muito pelo contrário;
Será uma prece feita aos berros e aos ferros;
Será um choro corrente feito de uma gargalhada.
Fruto do não: como um nada.
Um livro sintético, será... Como ar, evidente.
Será um convite, só que do lado de fora.
Só que do lado de fora.
Terá as portas abertas pra poder sair.
Será um hino à desistência, mas será cívico, mas será Sísifo.
Mas será mais com todos os seus poréns.
O contrário da flor dentro da lama
O verso de amor por trás, da cama.
Um livro que será amarginagem.
Que permitirá amarginagem.
Um livro que permitirá um livro de permitos
Mas, entretanto, sem outra face.
Um livro tão singelo para as crianças continuarem sem entender.
Só que ao contrário.
Um livro pro teu avô se aborrecer.
Só que ao contrário.
Um livro pra quanto alvorecer.
Só que ao contrário.
Um livro para escrever.
Só que ao contrário.
Um livro prasquecer.
Só que ao contrário.
Um livro
Só que ao contrário.
A Flor Bela
De camisola de ar
Ela se deixa no mar
Vai deitar, dormir.
Vai fundar um mundo
No fundo – de si,
Vai – tentar – sorrir
Pra sempre.
(No seu quarto gigante,
Uma colcha d’água
O vestido de alga
A cama de areia
O travesseiro de pedra
E o teto de céu
Compõem seu último cenário.)
Assim, cintila seu verso,
Seu corpo liquefeito,
Na areia do tempo,
Como um deus, perfeito.
E assim, linda,
Pelo verso, devolvido
e lapidado nas ondas,
mais uma vez, ecoa ainda.
Anjo-da-guarda
A Clélia Lustosa
(Os filhos de seu Inácio têm um anjo-da-guarda.
Os netos de meu pai têm, no mínimo, dois. É quase
como ter uma – outra – alma que abraça. Uma
alma de braços e palavras que abarcam, sacodem
e Fortalecem.) Fortaleza é assim também – de
grande – quando passeamos pelas ruas em
companhia da professora Clélia – e me sinto (mais)
orgulhosamente cearense. Ganhamos a cidade –
Simara e eu – de presente. Como se seu dia
tivesse 48 horas pra cuidar.
(A mãe de meu pai tem um anjo-da-guarda. Os
sobrinhos de seu Inácio têm, pelo menos, dois. A
mãe que não é mãe é tão mãe tanta que os braços
a agigantam – cajueiramente criando um eco:
cabemos todos, cabemos todos.) Já foi no
mercado da antiga penitenciária? E a praça do
Ferreira? E a estação ferroviária? Centro Cultural
Dragão do Mar? E o José de Alencar? Fortaleza,
você sabe, a gente aprende. É um jeito de ser
oxente! É um jeito de estudar pra ser simples.
Como se as horas fossem feitas de reticências...
Como os irmãos de meu pai têm um anjo-da-guarda,
os filhos de seu Inácio têm um anjo-da-guarda.
E os netos de meu pai têm, pelo menos, dois.
(É um jeito de não desisti que é quase um milagre.)
(É um jeito de servir que é mágica em si.)
A árvore que saiu de meu pai só sabe dizer obrigado.
E o filho de minha mãe repete.
Amém, meu pai.
Amém.
Notas esclarecedoras
A goteira do silêncio
Permanece rascunhando o dia
- anuncia o fora do fora,
Uma alma, uma cápsula: uma pergunta.
imagem: arte de Brian Dettmer
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