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Dois Poemas de "Fôlego" - pt 1

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teoria e prática do belo

beleza do corpo
de até chorar se preciso
destreza sinistra do pouco
que em se masturbando
reflete a si mesmo
esse simetrificando
na contramão
não a esmo
a gozar narciso

beleza do copo
onde translúcido vibro
bem aventurado e maldito
quando vidro não importa
embebido do parecer bonito
e de outra sede me dopo
pois ela só me entorta
se ainda me equilibro

beleza do louco
de rara aparência
em quem pensando
logo que me vou
a me dar demência
e pesando a razão
com ele ainda sou
em relação

beleza da tarde
porque queima
porque de raça
sempre ainda
nunca passa
apesar de linda
ela não teima
apenas arde

beleza da canção
instrumento que se toca
momento fruído
monumento à fruição
em forma de harmonia
o próprio eterno ruído
da cor do que não se via
em canto que desentoca

beleza do sapato
no rastro do que é a moda
espaço que se acelera
no encalço do que pisa
sobre a superfície do profundo
que nunca espera
que desliza
com a esfera do imundo
aperto ao longe que incomoda
perpendicular ao pé do ato
que deitado realiza

beleza da cadeira
que é quadrúpede já selado
quadrado que não se mede
escultura onde se senta
equilíbrio arredondado
esqueleto do estar sentado
útil que não aparenta
preguiça de ferro feita
repouso da mesma madeira
do ângulo que se endireita
no animal inanimado

beleza do cacto
raiz gárgula do dia
de verde escaldante
hidrante de espinho
sem outra companhia
perfurante ao impacto
da solidão sem mágoa
deserto do ser distante
que o amadurecer sozinho
com sua alma de água
miragem solar delirante
para outra beleza inapto
brotar sobre a terra vazia

beleza do olho
ao outro paralelo
a abrir e fechar
a dormir para olhar
cratera que o planeta engrandece
esfera com que o mundo encolho
raso d’água ou fundo que adormece
aquário de luz e maré de luneta
vermelho ou verde e amarelo
janela que tudo conhece
meio do próprio belo

beleza da vela
que se consome em aparecer
que encomenda o humano
cujo fogo é já não ser
sobra do símbolo que é ela
sombra de mim que eu mesmo emano
haja mais lume porque é bela
derrete o sagrado do que profano
reflete na obra o que o esteta escrevera
ela veloz em sua leveza
ela vê luz com cílios de cera
ela meu elo com tanta beleza




Lemniscantes

Meu espírito improvisa loucamente à meia luz
enquanto a carne
em delícia
sua.
O seu suor é salgado
e servido sem sifões
a ser sorvido no seio.
Pinga se alambicando em meu palato sensu.
Fio de orfeurídice. Trança sem ponta ou raiz dos descabelados:
serpenteados.
No calor instante que liquefaz os segundos à revelia de terceiros.
É com prazer que sentimos os sintomas dessa doença inexorável,
o envelhecimento.
Nosso movimento é inculto e ímpar,
musculoso, angular e guloso.
Essa energia que se libera ao se queimar no ar é de radicais livres.
Alquimia do fôlego.
A própria tarde geme sôfrega na penumbra. E nos goza conosco,
dentro.
A viva alvura contra a rubra torrente,
iniciocaso de mais um ciclo,
nós de orgasmos em gosma,
róseo visco.
Substância de pacto com que se plasmam os amores em absoluto
ou mancha de fogo, projeto de filho.
Dragão da hora que cai no agora de nossa pequena morte (além)
é esta aliança: agouroboros.




* Os poemas fazem parte do projeto "Fôlego", do poeta-mallarmago Davi Araújo e da bailarina Emilly Naoi. Os vídeos performáticos e maiores informações podem ser lidos aqui




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