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Imagem: screenshot "Movies", de Weyes Blood |
ESSA CAMA TE PERDOA TODOS OS DIAS
Essa cama te perdoa todos os dias!
Ah, sua imbecil!
Que tudo te martele à cabeça!
Que tudo te rejeite nesse caminho
que fazes sozinha!
Todos os pais e todas as mães
do mundo gritam uníssono
em teus ouvidos: “Como és burra!”
Choras e ainda nem amanheceu.
Amas mesmo que nunca tenha sido amada.
Ah, sua imbecil!
És uma criança no corredor dos 30.
Que fardo ilógico é este?
Tão febril por dentro, chegas onde
ninguém conseguiu.
Tão confusa por fora, feres-te
para tocar o ombro de quem amas.
Podes devorar todos os livros e todas
as obras de arte disponíveis!
É nisso que pensas: alimentar-se
É nisso que pensas: alimentar-se
de Beleza para fazer Beleza em breve.
Mas ainda pensas se esse breve
é um Túmulo repleto de flores e versos.
Tu poderias ser salva? Sabes que não.
Não queres ser salva. Queres ser amada.
É por isso que essa cama te perdoa todos os dias!
***
A vida é esta fresta
entre os pores do sol
entre os pores do sol
que tramam a existência
das coisas
das coisas
no fim de morrer
[…]
O que é efêmero não dá
trégua.
trégua.
***
Há em cada espírito solitário
um ilhado
um ilhado
que no primeiro afeto
se torna múltiplo e encolhe
se torna múltiplo e encolhe
e ainda que encolher-se
o apequene
o apequene
sabe que – por ser sua própria
intimidade, fica vasto.
intimidade, fica vasto.
***
Deixe-me plantar uma flor
no teu quintal
no teu quintal
para que sempre
eu tenha que perguntar:
como ela vai?
eu tenha que perguntar:
como ela vai?
Quando na verdade
quero saber de ti.
quero saber de ti.
***
Estou rapidamente envelhecendo
e a palavra tem se tornado
cada vez mais jovem em mim
cada vez mais jovem em mim
[…]
Temo e a felicito, pois algum dia
de tão jovem se tornará semente
de tão jovem se tornará semente
sementes.
***
o poema "Essa cama te perdoa todos os dias" faz parte do livro inédito da autora, com lançamento marcado para agosto/2019
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P.F. FILIPINI nasceu em Rolim de Moura, Rondônia, em 1994. Formada em Pedagogia, atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver, eis sua costura de compreensão. Escreve. E nas horas vagas, existe: esta é toda sua substância. Vive através de uma timidez que lhe parece inerente, e é por isso que escreve: para ordenar cernes, e tentar penetrar à realidade que sua conjuntura tanto dificulta. A condição humana é o pilar de seus escritos evidenciando que, além da habilidade com as palavras, inegavelmente, é a palavra que, habilidosamente, concretiza a feitura da escritora. Publicou os livros FOLHAS DOS OSSOS ou o tratado das coisas insignificantes (Patuá, 2017), e Ensaio sobre a Geografia dos Cernes (Temas Originais, Portugal, 2017).