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apagar o vazio dos nomes - quatro poemas de Penélope Martins

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Imagem: screenshot "WOMEN IN [ ART ] :: Francesca Woodman"



prefiro os livros que não li


prefiro os livros que não li
os livros que eu não li
empilhados sobre a mesa
ou esteticamente guardados
por ordem de tamanho
pelos nomes neles gravados
os livros que eu não li
compreendem em minhas aflições
guardam todas as possibilidades
de um futuro próximo, de um amor
vindouro. os livros que eu não li
ganharam desde sempre a minha preferência
neles não existe a descrença,
nem a dor de lágrimas descontroladas,
só o cheiro de páginas dormentes

mais nada. 




era mais fácil não pensar teu nome

era mais fácil não pensar teu nome
rasgar lembranças com desprezo
apressado. andava a esmo pela cidade
- fazia um puta frio em agosto - na tua janela
aberta pra rua.                                 e eu,
quem não avança o sinal,
quem não chega com atraso,
quem senta de pernas cruzadas
toma banho todos os dias. e era segunda,
a cidade cinza demais
a falta que me faziam os cigarros na bolsa.
a tua janela aberta pra rua. nós dois
que fumávamos da mesma marca. 




o que você pode me dizer

o que você não pode me dizer, você
com seus sapatos lustrosos e seus óculos de leitura
a expressão de conforto e um traço de ternura
                                                           eu gostaria de saber o que você não pode me dizer
:
o amor me faz sofrer. o amor me faz chorar
o amor me arranha a garganta. o amor me quebra os dentes.
o amor me rói as unhas. o amor me fode.
:
o que você não pode me dizer, você
com seu casaco de veludo cotelê sobre os ombros
a mão deslizando sobre a página de um livro de muitas páginas
                                                           eu vejo o quanto você não pode me dizer. 




das coisas que não pudemos nos dizer


lá vai meu menino
entre cascalhos a marulhar
choro tímido. sofro por ele
essa dor de seguir ferido
as asas cortadas sem alçar
dois palmos do chão.
olha lá, ele se magoa nas pedras
olha como lhe brota visgo
de sangue. olha como ele me faz
morrer. ai, se ele voltasse
pra me beijar o umbigo
ai se viesse morar dentro de mim
e se nós esquecêssemos do tempo
em que o tempo
era de nós roubado. 





____________________________________________________



Penélope Martins (Mogi das Cruzes, 1973) é escritora, narradora de histórias e articuladora em projetos de fomento da palavra escrita e falada. Pós-graduada em Direitos Humanos pela PUC-Campinas, dedica-se à formação de novos leitores desde 2006, produzindo conteúdo para encontros presenciais e plataformas digitais. Colabora com a articulação de reflexões sobre a leitura com a Editora do Brasil e outras instituições. Participou de coletivos de mulheres com poesia autoral e faz a curadoria do projeto Mulheres que Leem Mulheres, com ações em diversas instituições culturais como o Sesc. Entre suas obras publicadas estão “Minha vida não é cor-de-rosa” (2018) e “Que amores de sons!” (2018), ambos pela Editora do Brasil, “Poemas do jardim” (2013), Editora Cortez, “Quintalzinho” (2014), Editora Bolacha Maria, e “As aventuras de Pinóquio” (2018), Panda Books. Integrou a antologia “Sete”, de poetas contemporâneas, organizada pela Editora Essencial, e é autora do livro de poesia “Que culpa é essa?” (2018), pela Editora Patuá.


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