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"Henri Rousseau's Dream", de Henri Rousseau |
Do Tigre
I
Outra vez, na mesma noite:
o homem tem um tigre e carrega
o homem tem um tigre e carrega
a sua vitória nos olhos.
Poderia eu lhe prestar as homenagens
com antúrios e jasmins. Devidas.
com antúrios e jasmins. Devidas.
II
Deitado de dorso sobre vento, vejo
a plataforma que se eleva
aos céus. Dispo o meu ser, entrego-me.
Toda vez que penso em abandoná-la,
um gavião voa em silêncio
no horizonte, trazendo a serpente na boca.
III
Ao cair, o homem entrevê
o levantar. Recria-se: amansa o
tigre que ruge ao dilatar
as pupilas. Em um trono ele se assenta.
Do sonho, governa toda a aldeia.
Junto à sua coroa,
o tigre o afaga com suas patas rendidas.
IV
Há mil anos,
quando a noite caiu sobre o Ocidente,
vi anjos carregando os homens
vi anjos carregando os homens
pelas ruas da Índia. Corpos voltavam
ao pó nas margens do Ganges.
O crânio resistia nas piras e
O crânio resistia nas piras e
as mulheres tremiam com as
maldições do amor.
V
No todo: como o tigre
preso ao javali, intacto, repasso-me
junto à luz – meu felino
não perde a visão, nem dorme
nos dias de sol. Acalma-me às
três horas da manhã e
corre em todos os meus sonhos.
VI
Ao banhar-se sob à lua, todo aldeão
se coroa com flores. O rei passa numa
noite e desfila com o tigre.
Cantam-lhe as canções
dos antigos. Olho para os montes: decifro-os
e somente então vejo o tigre a guiar cada
homem.
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Gustavo Cardosoé do interior do Pará. Atualmente reside no Rio de Janeiro, onde estuda Direito na UFRJ. Já publicou em outras plataformas online, como no canal Ruído Manifesto (2018). Suas crônicas foram selecionadas para compor a coletânea “Da Janela do meu Quarto” (2016). O primeiro livro solo, no entanto, ainda está no prelo. Por ora, também se dedica aos estudos de “Direito & Literatura”, buscando novas formas de humanização do jurista por meio da Literatura.