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Resenha do livro "Terra Seca", de Tiago Fabris Rendelli - por Fernando Andrade

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Livro de poemas “Terra Seca” muda eixo e foco para ver a incorporação de lados e escritas que se aglutinam em polimórfico encaixe

O maniqueísmo não está na ação humana em seu objeto lunar tão distante quanto a projeção do homem ao tentar tornar a lua, olhar poético. A distância entre o homem e ela pode se dar pelo simbólico, pelo prazer, pois a lua é uma geringonça brincolável. Portanto a distância que temos dos objetos, das coisas, é o que torna possível o exame de sua consciência. Um ferro de passar roupa só é quente próximo a ti. Aproximidade nos traz o afeto. Mas para o bom entendedor da poética, é preciso dar às palavras talhadas ao poema um certo peso de ruína. É como abrir lacunas onde feixes de respostas e perguntas possam se equiva(ler). Não havendo distinção entre as duas. A noite comeria o dia, e o dia engoliria a noite.

Incorporação é um dos temas do livro Terra Seca do poeta e editor Tiago Fabris (Editora Urutau). Talhar uma escrita polimórfica, que ao mesmo tempo adere à uma crosta de uma coisa ou objeto, mas também a incorpora tomando conta ou espaço da pele segunda deste invasor que tem nome, epiderme, e até núcleo. Seus poemas lidam com a lógica da virulenta tomada do front ou da fronteira da linguagem, ou das suas bordas. Para isso, atentemos para a lógica do sentido em olhar o chão não como piso ou lugar dos pés. Mas para céu do inferno, lugar onde ta(b)tus, minhocas na cabeça levantam suas para ver a luz do dia.

São frases que aparentemente podem se negar pelo habituado senso comum. Excluir a harmonia e escolher a marginal companhia da distonia, da (dês)semelhança. Criar ruído não no corpo sonoro do poema apenas, mas também, na significação do embate entre lógica e absurdo, não seria uma espécie de dicotomização da vida enquanto semântica prática? Claro que o poeta tem um gap a alcançar. Não se faz alterações no plurido sentido sem ter um universo tanto particular, como o poeta, e também crítico da civilização obtusa. Resvalar a condição humana não é preciso olhar para lua. Mito e fantasia requerem uma dosada ciência da distância. Tiago está sempre perto embora sem se contaminar pelo apelo do normal normativo. Sua diapasão tanto da linguagem quanto do foco em que opera torções na carne da palavra lhe dão a sintonia necessária para mergulhar ou trocar o eixo das coisas.



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Fernando Andrade, jornalista e poeta. Trabalhou durante dez anos como livreiro. Colabora no portal Ambrosia como resenhista de literatura e música. Faz parte do Coletivo de Arte, Caneta Lente e Pincel com textos de poesia e prosa. Participa do Coletivo Clube da Leitura. Tem livros editados pela Editora Oito e Meio e pela Patuá.


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