Scorpio (2010), Alkistis Wechsler.
1
Um homem se deitara no chão e remexia em um buraco. Outro homem que por ali passava, intrigado, perguntou-lhe:
− O que está fazendo?
O primeiro homem respondeu:
− Um escorpião ferido caiu nesse buraco e morrerá se eu não tirá-lo. O problema é que, toda vez que me aproximo, ele tenta me ferroar.
O segundo, então, perguntou:
− Por que você não se vai e o deixa aí para morrer?
O primeiro, então, respondeu:
− Porque ferroar-me é da natureza dele e ajudá-lo é da minha natureza.
2
Um homem se deitara no chão e remexia em um buraco. Outro homem que por ali passava, intrigado, perguntou-lhe:
− O que está fazendo?
O primeiro homem respondeu:
− Um escorpião ferido caiu nesse buraco e, quando tentei tirá-lo, o infeliz quase me ferroou. Por isso, irei matá-lo com uma pedra.
O segundo, então, perguntou:
− Por que você não se vai e o deixa aí para morrer?
O primeiro, então, respondeu:
− Porque vingar-me dele é da minha natureza.
3
Um homem se deitara no chão e remexia em um buraco. Outro homem que por ali passava, intrigado, perguntou-lhe:
− O que está fazendo?
O primeiro homem respondeu:
− Um escorpião ferido caiu nesse buraco e eu o estou matando, aos poucos, com uma pedra.
O segundo, então, perguntou:
− Mas, por que?
O primeiro, então, respondeu:
− Porque essa é a minha natureza. Não há outra coisa a fazer.
In: Desimagens (Bookess, 2018).
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Jorge Lucio de Campos é poeta, ensaísta e professor da ESDI/UERJ. Publicou os ensaios Do simbólico ao virtual (1990), A vertigem da maneira (2002), A travessia difícil (2015), Lembretes filosóficos para jovens sábios (2017), O império do escárnio (2017) e as coletâneas Arcangelo (1991), Speculum (1993), Belveder (1994), A dor da linguagem (1996), À maneira negra (1997), Prática do azul (2009), Os nomes nômades (2014), Sob a lâmpada de quartzo (2014), Paisagem bárbara (2014), Através (2017), Véspera do rosto (2017), O triunfo dos dias (2018), A grande noite perdida (2018) e Desimagens (2018).