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"Impressões Trânsfugas", conto de Fernando Andrade

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Arte de PavellKiD

Impressões Trânsfugas

Quando subia ao sótão para deixar algum item destituído de uso. Ao entrar pela porta de quase um metro de altura onde tinha que se abaixar muito para passar. Mas não era apenas um verbo de permanência. Talvez fosse mais um verbo de imanência. De ser menor - redução de tamanho. O teto era rebaixado à pouco mais de 2 metros.

Aquele lugar tinha uma horizontalidade que poucos sótãos haveriam de ter. Conhecidos por serem aconchegante . Sim, ela sabia que ao passar pelo umbral da porta a percepção do espaço era alterada, pois não havia sótão à caber dentro do espaço da casa que continha o depósito. O olhar dela se horizontalizava para o além ver. Do alcance possível do seu corpo. Das suas mãos quando queriam alcançar um objeto devolvido ao uso da casa. Esta deformação da visão tanto central quanto periférica lhe dava muito medo na hora de andar pelo lugar. Não sabia que ao pisar pelo assoalho triste e carcomido pela velhice podia encontrar um rato ou morcego. 

O que viria? Depois de esbarrar em tal animal. Sua percepção estaria sujeita à alteração das relações de espaço e ações entre ela e os animais?

(Se já falaram que o morcego seria um rato de asas). Uma deformidade de constituição. Ali o próprio morcego era o penetra do lugar, pois não havia conformidade entre o uso de suas asas  ao ambiente. Ele, sim, podia horizontalizar sua experiência; voar pelo espaço até dar em alguma parede oposta. Foi andando para procurar, mas seus olhos quando pisavam nas tábuas que rangiam, especulavam, a passagem deles.

Roedores de pés de mesas? assento de cadeira?

Já o morcego tinha que se pendurar em alguma viga, e talvez, meditar sobre sua existência ambígua. 
E ela? Como se postava ali naquele lugar? Se tu leitor não sabe nada dela, na casa. Que hábitos tem com relação ao cotidiano do uso da casa? Lá embaixo. Se faz da sua rotina uma devida vida calma com seu esposo que lhe pede para deixar o café pronto quando sai pela manhã, já que ele acorda às 5 da manhã. Este espaço físico do sotão lhe apraz mais? Do que estar exposta ao medo ou recuo diante do rato que anda por ali, ou o morcego que abre os olhos e enxerga de cabeça para baixo. 

Tendo vindo de uma existência repetitiva e monótona, ela gostaria de um episódio violento. De uma possível obliteração da sua realidade. Imagina ver-se dentro deste mesmo espaço, mas com um homem que lhe inspire um pouco de terror. Que chegue de um espaço camuflado e lhe pergunte seu nome. Ao beija-lhe a mão percorra com certa má índole todo seu braço até o pescoço. E ali lhe deixe dois furos.

Duas iniciais. Ou suas impressões transfugas.


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Fernando Andrade, 49 anos, é jornalista e poeta. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel e do coletivo Clube de leitura onde tem um conto Quadris no coletânea volume 3 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia com Entrevistas com escritores e resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e meio. Lacan Por Câmeras Cinematográficas Poemoemetria e acabou de lançar Enclave (poemas) pela Editora Patuá. 


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