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Ilustrações: Felipe Stefani |
Eu te amo com espanto
E solidão.
Com as lâmpadas oblíquas
Do céu fechado
Da roupa esgarçada
Do incrédulo que reza
E não sabe.
Amo como um troglodita
E não te digo
O amor curvo
Feito criança com medo.
Mas esse meu amor
É mais bonito que a água
É simples como um tropeço
É maior que o tempo.
Esse adivinho espantado
Ensimesmado.
Eu te amo como quem
Já não acreditava.
Juro.
O amor perpassa o policarbonato
A matéria magnética dos discos
Kubricks, polanskis, a anteposta luz
Ainda a desvelar. Seus dentes místicos
Incidem sobre cordas, pregadores
As roupas gotejantes da semana
A máquina, a memória (tudo gira
E se desbasta, mas o amor acorda
As cortinas). O vidro se trepida.
Chaves, página, tábua de cortar.
O amor combina as borras do café
Imbica a direção dos passos, vai
Sem destino imediato. Não colide
O espelho, a reflexão, os Four Quartets
O elétrico aparelho de afeitar
Na pia (em nada se depara, o amor
Renasce de si mesmo, sucessivo
Sem tributos à morte). Seus anéis
Tintinam o interior impermeável
As realizações. O amor se lança
Ao termostato, às linhas de drenagem
Acondiciona serpentinamente
As paredes, o jeans na maçaneta.
Súbito sobressai das luvas de
Boxe, da vida oculta dos cabides
Do juramento inabalável (dentro
Da vibração do dia, sempiterno
Emenda sonho e vigilância). Tufa
Os travesseiros. O edredom intui
Adivinha sua própria gramatura
À investida do amor. É ele! o sopro
O movimento que repousa
Em mim, em ti, Amor da minha vida.
Tem nos lábios o gesto forte:
Seu gesto forte é cor de rosas
Tem na pele o palor dos dentes
Tem olhos úmidos e verdes como o lodo.
Aureoladas pétalas
Como se um dia o cobre se pusesse
Macio, rio com despenho
De pétalas: o fio
De cobre do cabelo.
Tem: é riquíssima.
Herdeiro do horizonte
O azul das águas não vai ter o quanto.
Sua vida é uma espada luminosa
E no andar a postura prateada
Suas luzes se deitam lúbricas
Na noite tem a copa mais vermelha.
Tem seios tão precisos como um tom de cor.
Minha paixão é límpida
Como o leite.
Doce asfalto onde pisa meu instante
Esse instante onde piso e o outro adiante
Doce lume, disperso e prisioneiro
Mais duradouro que o maior isqueiro
Baba de uma doçura tão distante
Que do mar a ela cabe o rio inteiro
Ciscos em meu espaço, cheiro
Do mundo e música perseverante –
Da ausência, da saudade, da lonjura
Essa presença apetecível
Mas nunca de matéria que não dura –
Te amo com a memória, imperecível.
De olhares empoeirados caídos
No chão ou de
Folhas sem som
Se sepultando. De metais sem
Luz, com o vazio, com a
Ausência do dia
Morto bruscamente. No alto das mãos
O deslumbrar de
Borboletas, seu decolar cuja luz
Não tem fim. Guardavas o rastro
De luz, de seres rotos que o
Sol abandonado
Entardecendo, arrasta às
Igrejas. Tingida
Com olhares, com objeto de
Abelhas
Teu material de inesperada chama fugindo
Precede e acompanha o dia e sua
Família de ouro. Os dias
Espreitando cruzam em
Sigilo, mas
Caem dentro de tua voz
De luz. Ó dona do amor, em teu
Descanso
Fundei meu sono, minha
Atitude calada. Com teu corpo de
Número tímido
Subitamente
Espalhado até as quantidades que definem a terra
Atrás da peleja dos
Dias brancos de espaço e
Frios de mortes lentas e estímulos
Murchos, sinto arder teu regaço e transitar teus
Beijos
Criando singelos
Pássaros em meu sonho. Às vezes
O destino de tuas lágrimas se ergue como
De meu rosto a idade, ali estão
Batendo as ondas da morte: seu
Movimento é úmido
Pendido
Final.
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Daniel Gilnasceu em 1981, no Rio de Janeiro. É secretário executivo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorando em Literatura Brasileira na mesma instituição. Foi músico da Companhia Folclórica do Rio e atua eventualmente em pesquisas editoriais de estabelecimento e fixação de textos literários.