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Imagem cedida pelo autor |
o olho do pavão
miríade de íris
tapeçaria de plumas
olho no olho da cauda
na bunda.
entre quatro estômagos ou asas
mais potentes, entre a rigidez segura
dos músculos, das presas, peçonhas
e garras,
escolheu a cartografia ritual
da penugem grafa.
este homem não,
ele se embeleza e
e se enfeita e
se apetrecha,
quando abre seu leque
não se esconde mas se
mostra à pavoa fogosa
ou ao pavão curioso
que por ventura o vir,
pode vir, aqui tem
colares de olhares
a serem olhados.
pavão mister
ioso, qual o mistério
do seu olho?
mister pavão, que mira
com dezenas de olhos
o branco do ovo.
será quase cego
estúpido às variações sutis
e às texturas do matiz?
será tetracromata
tão atento e delicado
que não bastam as cores da vulgata
uniformemente misturadas?
será o pavão um místico
que enxerga não dois no outro,
mas terceiro, quarto e quinto
olho?
por que tamanha vaidade em um voo
tão curto? o que se pode ver, mesmo
com tantos olhos, do chão?
mas o pavão não responde,
só olha — silencioso — ótimo,
mestre da sua própria óptica.
uma galáxia tecida em crochê
tapeçaria real do microondas
e auréola sobre a geladeira
santo sudário apócrifo, panos de prato
dentes tortos e cariados
de um ou outro garfo
ossários arquivando galáxias e sudários e garfos
copos de plástico coloridos e engordurados
onipresença do plástico
maçãs e peras de plástico
natureza-morta
folhas de alface e cebolas cruas
submersas em caldo de vinagre
quadrado perfeito sem uma ponta
azulejo quebrado
nobreza gorda do filtro de barro
do botijão e seu mantinho branco
imperial, mais alto que todos
responsável pela ordem estética e térmica
pinguim de geladeira.
borra de café
eu que tantas vezes olhei fundo nos olhos do destino
todo mundo é triste, não há quem
ela estava como quando ficam mudando rápido de canal
um menino vestindo leggings
todo arco-íris tem a mesma angulação e cores
mudam os olhos do guará e da preguiça
estes goles quentes de ansiedade macchiata
tanta guerra declarada por causa de angulação de nariz
há mil gerações, trampolins de alcoólatras
a vida digna, mas cansativa
ninguém aguenta mais se cansar
o mundo é grande, mas cheio de entulho
um dia eu também sentei a beleza no meu colo
e a chamei de apocalipse
ela tem os olhos amarelos
é cada vez mais magra e seu nome já soa ridículo,
pomposo demais para sua figura
não nos falamos há muitos anos, meus amigos,
desde as jaquetas de couro sintético da adolescência
voávamos em círculos acorrentados
na cruz da igreja matriz
falávamos em línguas e nos lambíamos com fluência
cabos grossos enterrados no fundo dos rios
há hieróglifos elétricos pintados nas marquises
sempre fomos felizes, nós, vira-latas magros
muitos nos afagam, o cardápio de restos é variado,
mordemos botas de motoqueiro,
suportamos solidários os hálitos uns dos outros e parimos
filhos às dezenas
os espinhos, dizem que são folhas com medo de evaporar.
eu li uns livros enquanto esperava
na sala de espera e o médico já foge pelos fundos
entre o tênis e o asfalto um fio se derretendo de chiclete
a vida cobrará a conta e seremos nós então a fugir?
estes pequenos gaviões de bicos italianos
recebendo no peito plumado erupções suaves de ar
quente, planando,
alguém que fala de vez em quando envergonhado
de coisas bonitas em voz baixa
é uma vergonha total mesmo, neste estado de coisas,
lembrar que não é sempre assim
você me dando beijos no rosto com seus lábios mornos
tem chá nos seus cabelos e conchas do mar
só me caso na igreja se casarmos todos,
incluindo os mortos e o padre
a humanidade poderia ser uma mesa de bar,
sentados frente a frente,
ao lado de peixes e tatus sujos de terra
nossos filhos androides crucificarão a primeira
inteligência artificial
pena não sabermos ler a grande poesia
que escreveram os golfinhos
tão primitivo e tosco quanto cobrir a terra de asfalto
o cobalto dizem que queima azul
há uma dúzia de pores-do-sol costurados,
sim, no seu vestido
a borra de café e sua aplicação cívica nos tapetes
de corpus christi
andré nogueira, você é uma rima em pleno modernismo.
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Tomaz Amorim Izabel é poeta nascido e criado na cidade de Poá, às margens da grande São Paulo. Estuda literatura, mas também pensa sobre justiça social e amor. Mantém um blog onde publica suas criações literárias [tomazizabel.blogspot.com] e outro em que faz crítica cultural [3paragrafosdecritica.blogspot.com].
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Tomaz Amorim Izabel é poeta nascido e criado na cidade de Poá, às margens da grande São Paulo. Estuda literatura, mas também pensa sobre justiça social e amor. Mantém um blog onde publica suas criações literárias [tomazizabel.blogspot.com] e outro em que faz crítica cultural [3paragrafosdecritica.blogspot.com].