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W. J. SOLHA EM NOVO RIMANCE [ROMANCE RIMADO]

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A grandiosidade do Nordeste em A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso
Solha volta à ficção com a criação de um megaespectáculo literário,
num enredo que traz Ariano Suassuna e Miguel de Cervantes


Solha acaba de lançar seu mais novo livro: A engenhosa tragédia de Dulcineia e Trancoso.
Para quem não o conhece, o autor, além de escritor e artista plástico, atuou em alguns filmes importantes, com ótimas críticas (sua maior projeção atuando veio em 2012 graças à sua participação no longa-metragem O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho).


No palco das letras, entre prosa e verso, publicou mais de uma dezena de livros. O de agora, seu mais recente trabalho literário, é um longo poema narrativo com rimas (um “rimance”) e está sendo lançado pela Editora Penalux.
“Poderia ter feito um cordel”, diz o autor, “mas escolhi algo mais solto: um romance rimado, sempre ágil, aqui e ali sofreado e engrandecido pela solidez do ‘martelo agalopado’ (versos com estrofes de dez decassílabos)”.
A obra retoma fatos de nosso passado, a exemplo do romance Pedra Bonita, do Zé Lins, mas dotando-os de elementos contemporâneos, de modo a tornar-se algo como um acontecimento esportivo do porte de uma Copa do Mundo. É o Brasil, na sua revolta sem tamanho, pedindo uma atenção de alcance mundial a favor do seu povo.

Na trama, uma multidão, sob cobertura internacional da imprensa escrita e televisiva de todo o mundo, se reúne em torno da Pedra do Reino, em São José do Belmonte, sertão pernambucano, a fim de ver o portento da chegada messiânica, anunciada por ninguém menos do que Ariano Suassuna e seu ídolo Miguel de Cervantes, o que tem a ver com o casal que vai se envolver no “milagre” – Trancoso, que é o Quixote do Circo Du Seo Léo, ali presente – e sua amada Dulcineia, uma beldade do lugar, não tão bela, mas que se submete a um banho de loja, pra conquistar seu amado. Com a enormidade em que se torna o evento, as forças armadas cercam a Pedra, com o propósito de explodi-la, detonando gigantesca revolta popular. 

Na opinião do crítico Éverton Santos, “a narrativa é ao mesmo tempo mítica e representativa da realidade popular nordestina; seu cantar, nesse Rimance, é inventivo, crítico, simbólico, perspicaz, irônico, um antropofágico monumento que, como as duas Pedras do Reino, é cercado de histórias”.

O livro em sua originalidade consagra a beleza mítica do Nordeste – do seu povo a clamar por Justiça e por uma realidade menos sofrida.


*    *    *


CONHEÇA ABAIXO ALGUNS TRECHOS DO LIVRO


,
do alto da Pedra,
o susto de arribaçãs,
e,
de quebra,
os helicópteros Sabre,
da FAB,
que irrompem com seus soldados,
muitos do lado de fora,
armados,
e assustam a multidão,
que lembra,
pela extensão,
o êxodo bíblico
e o cíclico,
tantas vezes fotografado
por Sebastião Salgado.

Alta
e ancestral no meio do plaino,
a Pedra do Reino,
rocha dupla na vertical, no sertão pernambucano,
insufla no povo ( mesmo quando se camufla em profano )
a estupenda lenda de que tem, dentro, no centro, a catedral
na qual,
el-rey D. Sebastião, de Portugal, o Afoito,
sumido ( ou abduzido ) na batalha de Alcácer Quibir,
de 1578,
está por vir,
messiânico,
pra levar a fundo a retirada dos males do mundo,
cada vez mais
satânico.

E eis que lá está o autor da Compadecida e do Romance d´A
Pedra do Reino
a cavalo,
a Globo a entrevistá-lo no seu céu,
que é o Circo de Sô Leo,
entre mágicos, palhaços, malabaristas e acrobatas;
saltimbancos e trapezistas – que idolatra!

Ao fundo,
um grupo de camponeses – que passa com suas reses – confunde-se,
dócil,
com as figuras de barro do mestre Vitalino
e as de Manuel Eudócio.

A BandNews dá ao Brasil,
em panorâmica (que deixa de lado os helicópteros – agora
meras libélulas e coleópteros  ) a leva – romântica – de romeiros,
que lembra a de cangaceiros.

A BBC mostra o que mais se vê:
flagelados em paus-de-arara lotados, que cruzam a paisagem,
em fim de viagem.

A NBC faz,  sobre a água, um “Abecê” da escassez –  em hotéis, motéis, bares – restaurantes cada vez mais abundantes, centenas de lupanares.

Filma – com tudo que o assunto comporte – as romarias que vêm até ali, sem transporte,
além de brigas, intrigas,
vários assaltos com morte.

Entre os peregrinos a pé,
aqui e ali um pangaré.

Flagra-se a magra artesã, cadeirante marcante
que,
moldando ( e fumando o quinto cigarro ),
miniaturiza,
no barro,
com esperta destreza,
a Pedra – aberta – com o que nela antevê de riqueza.

Filma-se o pé-de-pau cheio gente ( principalmente crian- ças ),
que vê a humanidade que chega – toda ansiedade,
esperanças!

[...]

DULCINEIA

Ao começar a chover,
após a estreia moderna,
cheia de danças,
dAs Conchambranças de Quaderna,
Ariano,
seguindo o Plano,
vê,
de cima do terraço do Centro Cultural de Garanhuns,
alguns,
depois um mundo de guarda-chuvas de luto – como num reduto de viúvas – abrir-se de quatro em quatro,
ao sair do teatro,
quando... uma determinada sombrinha... iluminada por dentro ( coisa banal, mas... pra
ele... um sinal ),
floresce.
E ele...
desce,
manda-lhe cores
em flores
e esta turminha – esquisitinha – de palavras:
Trancoso – o meu Quaderna – em breve (uma de minhas lavras ) será seu esposo.
Ariano,
ditoso.”

Dulcineia não é linda,
ainda.
Não acha ser o principal mister da mulher o de estar permanentemente formosa:
seria propaganda enganosa.
Sabe que,
quando quer,
salve-se quem puder!:
tem poder – ... abaixo e acima do abdômen – sobre qualquer homem.

Já vira,
no palco,
o raivoso Bozo – a cara branca de talco – dizer que “elas”,... insatisfeitas-porque– imperfeitas,
iludem os pobres romeus
com seios e a esbelta cintura, cheiros e a bela estatura,
que não são seus.
Ao que Ariano,
sorrindo,
lembrou-se,
até que se divertindo,
de que já vira Trancoso – delícia pura! – cantarolando, bem langoroso,
o samba-canção Escultura,
– É um Pigmalião,
disse o Astier ,
quase que só por dizer.

A MOÇA ESCOLHIDA,
( a da sombrinha florida ),
consente nesse lance, contente,
e Sô Leo,
que a considera ( coisa de idoso) “um pitéu!”,
dá-lhe todo um banho de loja,
a que ela – surpreendentemente – se arroja.
Aceita as tais lingeries e outros ardis,
que incluem cabelos e
cílios postiços,
a pele com novos viços,
tinta, maquiagem, cinta, rinsagem,
mais manicure, saltos altos, a pedicure,
tudo que a torna ... letal ,
fatal,
graças ao sonho de que se sente vassala,
com filhos,
conta no banco,
marido,
tudo sensato na sala.

Diz-lhe o Ariano,
decano:
Tome o tento que puder com Bozo,
que não gosta de mulher.

Ela – afiança o nosso bom São Chupança – atrai o basbaque,
é invadida,
engravida...
e... aí faz o saque.

– Daí – diz Dulcineia – que já posso ter a ideia de quanto será goshtoso tomar
Trancoso do Bozo.

De repente,
o susto,
e a que custo:
rompe-se o colar de pérolas,
que,
numa chuva de esférulas,
se espalha no piso,
em metralha,
e ela diz
―É aviso!‖
Vai-se do vestido – no espelho – o vermelho.

E vêm nuvens,
a ribombar beethovens.

[...]

GRAÇAS AO ARIANO E CERVANTES,
TANQUES, por si sós aterrorizantes, passam – em todos os pesadelos – a vir em cortejos ( como esquecê-los? ) de cancros e
caranguejos.
E vêm – derradeiras – alas de escavadeiras,
com rastros de ossos,
caveiras,
rugindo feito leões
– de olhos acesos;
dragas  enormes,  dragões,
sobre indefesos.

E é um general: Albuquerque Urquiza,
que frisa,
com muito prazer ,
pro Astier:
– Sintoma do poder de Roma foram, também, as máquinas pesadas pra construir estradas,
dando mobilidade à tropa – dentro e fora da Europa – contramobilidade pro inimigo,
livrando-se de seu perigo:
É do que fala Isaías,
nas profecias,
sobre aplainar horizontes,
exaltando-se vales,
humilhando-se montes.

Pausa.
Causa:

o Astier,
a rebater:
– Mas Nel mezzo del cammin... há uma Pedra.
Sim,
mas tenho pra mim... que Suassuna e Saavedra, que, aparentemente, só cuidam do estético – sabem que vem aí um especialista em demolições,
um técnico,
pra implosão dela – e é pena, porque bela – com máquinas tirânicas,
titânicas,
prontas pra lhe recolher os pedaços e abrir de vez os espaços.
Os helicópteros, todos já viram.
Talvez ,
no entanto,
prefiram...
caças a jato,
que vêm pra dar uns rasantes... no Ariano e Cervantes,
se vão às vias de fato.

Basílio complica:
– Pode acabar em Guernica.
– Sem o Picasso?! Duvido! Este país é um fracasso,
o que explica a espera... irreal... de uma salvação nacional , vinda de um... rei,  ... de
Portugal!
Caramba,
isso talvez explique porque – bocado a bocado – mais e mais me enfado...
com samba!


*    *    *




*    *    *


Solha tem 77 anos, é de Sorocaba, sendo paraibano há 56. Tem vários romances premiados: Israel Rêmora– Prêmio Fernando Chinaglia 1974; A Canga– 2º. Prêmio Caixa Econômica de Goiás 1975; A Batalha de Oliveiros– Prêmio INL 1988; Relato de Prócula – Funarte 2007 e Prêmio João Fagundes de Menezes, da UBE-Rio, 2010. Tem vários poemas longos, dentre eles Trigal com Corvos – Prêmio João Cabral de Melo Neto, UBE-Rio 2005. O autor também se dedicou à pintura (o painel Homenagem a Shakespeare, da reitoria da UFPB é dele) e participou como ator em vários filmes, destacando-se os curtas A Canga– de Marcus Vilar, e Antoninha, de Laércio Filho; e, entre os longas, O Som ao Redor– de Kleber Mendonça Filho, e Era uma vez eu, Verônica– de Marcelo Gomes. Tem publicada também a coletânea História Universal da Angústia– Ed. Bertrand Brasil, 2005 – Finalista do Jabuti em 2006; Prêmio Graciliano Ramos, da UBE/Rio 2006.






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