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a natureza e a cidade em Marcos Samuel Costa

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Foto de Raed Aljawad

Réquiem

era um pulo diante da faina dos tumultos ou um réquiem das cruzes subvertidas a saliva da cura. antes dizia que teu amor era a fonte dos números que me ligavam ao orelhão da esquina. discava na solidão das chuvas finas de início de ano - mas não, era teu olhar de desprezo que fazia eu ir até lá. comprei meio litro de açaí e cinco conto de charque, te chamei para jantar. abrir as pernas e liguei a netflix – a hora me dizia que o tempo na tempestade era isso. não recuei. fui até um pouco mais longe, abrir novamente as pernas e te chamei para entrar. não foi sexo. amor?
- oi? você tá me ouvindo? Pedro?
 acho que caiu a ligação. 

"Blood Rose", de Bilton Armada
Cicatriz da erva

Içar sobre os pontos neutros dos pelos pubianos. A mangueira sóbria cobria-os de manto cinza, desfecho de luz, na paz de um santo anônimo. na cicatriz da erva um júbilo, nas mãos folhas e fogo, faziam-se nas disputas. um beijo. uma luta. um ponto de exclamação entre os inatos. Era antes ou depois de Jeremias cair de sua postura? Lázaro vestido de ocasiões amava-lhe com a intensidade dos santos que abriram mão do céu.
Vieram a terra. o chão, eram eles aviltantes. a árvore depois dentro deles por uma tarde. floriam:

"Flying Couple", de Brajmohan Arya
Nas plumas de um pássaro

ele o amava tanto que logo descobriu o punhado de farinha-d'água que caia das mãos do outro. ambos abriram as bocas, um rico alimento a apaziguar sobre seus amargos estômagos descorados. entranhados de peixe seco, durante um sol inteiro o amor esteve entre eles, nus de corpo. no outro dia mudaram-se para Soure, levando cada um, várias penas de pássaros. havia em Diego uma luz, mas tornava-se sol quando trazia Lucas ao seu peito. traziam nas costas várias penas, dois pássaros em cada olhar. voavam.

Arte de Jerry Uelsmann
Tempestade

ouviu-se o som da porta ao encontro da madeira envelhecida. passos no córrego das fontes que saiam do corpo de Bárbara – “tu vai  sair outra vez?". virou-se e diante de uma tempestade casual molhou o outro, "desta vez não voltarei" disse ela friamente. o cão quase que evoluído de galo, metafisico e simbólico a seguiu. o pai fechou-se. a porta bate novamente, agora ao encontro da fechadura. ela mergulhou na rua. Bárbara morre com vários tiros costurando seu suas intimidades. contra o corpo a força do fogo. enterra com seu nome de batismo – Pedro de Jesus Filho. amém.

"Heart in Darkness", de Zdzislaw Beksinski
Cedro

Quis amar. 
Bastava lembrar da temperatura do corpo que despejava sapos em meio a carne novíssima para acelerar o amor. Queria ter algo para si – um campo de anzóis, batatas frias na água gelada, uma visão real do peito de uma gata. Ou um livro bem escrito. Seu apego por intermédios era cruel, sua crueldade mesmo era deixar bichos vivendo dentro de seu crânio. Estigmatizava as suas locuções. Foi um professor na mais cruel das decisões, queria fazer outra coisa, mas se formou em filosofia na estadual do Pará. Sua dor era sua verdade. De uma forma simples – batia flores em seu liquidificador e bebia tudo sem gelo, achava que a poesia era uma mistura do belo e formal. Tinha algo de exagerado e mesquinho. Ao falar de Sócrates desvanecia as longas folhas secas de cedro sobre a mesa. Seus alunos dormiam em aula. Traiçoeiro e não apenas. Feliz. Vinha voltando a noite com os amigos, fechou os olhos. Sentiu um morto passando em seus cabelos as mãos e um carro trazendo flores. Atropelando suas horas. Fechou os olhos. Quando ouviu um som incomum, lhes abriu outra vez. Dois mortos em sua frente. Duas moedas de um real. Pegou as moedas e seguiu. Mas antes decidiu amar um daqueles dois corpos mortes e ter o orgulho no peito de ter vivido um grande amor. Depois veio o tempo e o matou.



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Marcos Samuel Costaé natural de Ponta de Pedras - Ilha de Marajó - Amazônia brasileira. Atualmente cursa Serviço Social UFPA e mora em Belém do Pará. Vive perdido no caos da cidade grande e entre livros de poesia. É membro correspondente da Academia de letras do sul e sudeste paraense e da ASPEELPP-DJ. Autor dos livros: Sentimentos de um século 21 (Multifoco Editora, 2014), Titulado amor (editora Literacidade, 2014), em coautoria com dois amigos: Interpoética (Big Times editora 2015), Uma semana de poesia(Editora Penalux 2016). Participou de mais de 20 antologias literá­rias, entre elas I, II e III Anuário de Poesia Paraense e publicou nas revistas, Mallarmargens revista de poesia & arte contemporânea, contemporArtes, revista g.u.e.t.o. e  Marinatambalo – crítica e literatura. Nessa última colabora na banca avaliadora. É colunista do Jornal Crescendo e faz parte da equipe editorial do mesmo. Além de poeta, Marcos vem escrevendo prosa longa, contos, crônica e literatura infantil. E mantém o blog Someplace (2008 – 2018) onde divulga sua produção.

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