“Dog and Wheelie Bin”, de Nicholas Harding
urbano
ah estes cães vira-latas
que andam determinados
pelas ruas da cidade
e as conhecem palmo a palmo
na palma das patas
nas antenas do faro
na ponta da língua
que dobra e desdobra
as esquinas
de cor e salteado
ah estes vira-latas tão orientados
nada sabem do meu coração
que vive aos sobressaltos
e bate na contramão
no colapso do tráfego
adernando
adernando
cargueiro encalhado
"Blue Crab", de Jun-Pierre Shiozawa
o caranguejo
elmo de um guerreiro medievo.
estojo de um par
de olhos
em riste
como dois dedos míopes,
quase cegos,
tateando pelo avesso
um mundo destro.
ser dialético, canhoto,
osso e carne,
bicho barroco,
vive entre o ser e o não ser.
em terra firme,
no mangue
ou no mar alto,
radiografia de um esqueleto acuado.
"Cicadas", de Emile-Alain Séguy
cigarras
mal engarrafam o canto,
logo o explodem:
coquetel molotov
de encontro à tarde
moída em vidro.
"Mootown", de Sharon Cummings
as frações do boi
a) boi,
pasto, vastidão:
futuro reduzido,
hoje é botão.
casa,
vertical e japonesa;
espaço enforcado
na fração do boi.
boi,
círculo de tristeza,
imagem que não foi.
b) o boi
nos chifres pressente:
armações futuras,
construções de pentes.
o pente
(mudo e capilar)
na cabeça pasta
sem ruminar.
“Peacock II”, de Karen Walker
o pavão
são tantos olhos abertos
sobre a cauda polvilhados
que em leque entreaberto
há sempre quem o enxergue
qual um indiscreto voyeur
em um narciso disfarçado.
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Sérgio de Castro Pinto nasceu em João Pessoa, Paraíba, no ano de 1947. É professor aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Autor de livros de ensaios, como “A casa e seus arredores”, “Longe daqui, aqui mesmo – a poética de Mario Quintana” e “O leitor que sou”. É autor de nove livros de poesia, sendo o mais recente “Folha Corrida – poemas escolhidos”, uma seleção de poemas. Participa de antologias poéticas no Brasil e no exterior.