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Foto de Bahareh Bisheh |
Meus oito anos
Aos oito anos estavam todos mortos. Estava sozinho e, por isso, andava aos mais longínquos lugares, que já não são tão longe assim na era dos automóveis; só eu e minhas pernas nos movíamos nesse tempo. Hoje, penso que eu estava condenado à natureza, e, se havia cisão, eu era o cindido entre aquilo que eu via e o que sentia. O que eu via era terrível, poderiam dizer, poderia eu nesse tempo pensar sem saber, e se coadunava ao que eu sentia numa complementação que para sempre, talvez, me deixou discordante sem entender bem com o quê. Desde então, compreendi, mais hoje que outrora, que ser sozinho, como fui em diante, é compreender a desimportância que todos têm ao que se faz. Cair no chão e sentir cada parte do corpo querer ser engolida pela terra, sentindo as gotas d’água caírem sobre o corpo, tornando a terra em lama e o sangue em meu semblante, que ao largo de meus olhos passava, em vinho que ebriaria a terra. Contudo, não me lembro de ser triste, talvez fosse.
Quando digo natureza, digo mundo. Foi frente à pedra de meu irmão que tive a oportunidade de ser encontrado por alguém que não se aproximava de mim, mas cuidava de, baixo, ter consigo uma melodia que eu cria ser de mim que partisse. Quando deixei também meu irmão sozinho, deparei-me com um rapaz que olhava para o chão. Tinha roupas simples, apesar de melhor portado que eu, cabelos um pouco grandes, usava short; que pareça coisa de mau escritor, lembro-me de, nesse tempo, não ter visto algo mais belo que ele, como se toda minha serenidade e quietude houvesse sido personificada.
— Um lugar tão ermo e longe de onde moro, pensei que não encontraria alguém aqui. Você ficou por muito tempo defronte alguma coisa que só agora consigo ver.
— É o meu irmão mais novo.
— Como? Que incrível! Teu irmão é um pedaço de terra. Nunca imaginei que algo assim fosse possível.
— Eu também não. – virei-me, distanciando-me dele.
— Ei! – correu e segurou meu ombro – Por que você já está indo embora? – não respondi nem me virei – É tão difícil, onde eu moro, encontrar com quem ficar, que apenas aqui eu me sinto em companhia.
— Como?... Como você pode ter alguém... estando só?
— Não sei, só acontece.
Virei-me para me abismar. Mas, o que era aquele sorriso de soslaio, tão pequeno e tímido? Um olhar tão penetrante e grande, um pouco esquivante. Entreguei-me à sua companhia, qual sorvesse um último lapso de vida. Não corremos pelas pradarias nem colhemos mangas e pitangas, e a aurora só existia fora de nós. O crepúsculo ameaçava despontar. Prometeu-me que viria amanhã, mais ou menos à mesma hora, onde meu irmão estava. Sorri-lhe de volta, despedindo-me.
O que chamam esperança, eu não chamo. Os dias transcorreram e ele nunca mais voltou. Estive ao pé de meu irmão nos dias subsecutivos, sem saber mais direito o porquê de ver aquele pedaço de terra no qual cresciam as gramíneas; tinha na fauce aquela melodia. Tinha uma companhia.
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Felipe Medeiros reside em Petrópolis, é formado e mestre em Letras pela UFRJ, publicou um livro pela editora musAbsurda, "Sven" (2014), e tem outros no prelo.
Felipe Medeiros reside em Petrópolis, é formado e mestre em Letras pela UFRJ, publicou um livro pela editora musAbsurda, "Sven" (2014), e tem outros no prelo.