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"Face of Life", de Shambhu Nath Goswami |
Impermanência
Venho do lodo fervente onde as estrelas sustentam os ovos
Que eclodem sob o horizonte ejaculatório
Proporcional ao espanto enfeitado de vagidos
Onde os lamentos fraturados em dor
Amputam a espinha dorsal dos necessitados
Impele-me a lua gelada pelo canal vermelho vivo faiscante
Resvalo no processo gigantesco em agonia insurreta
Mesmo na penumbra da noite e à luz pobre da candeia
E os pulmões batedores de vitalidade inspiram
A cacimba escura num odor de humedecida madeira
Os grilhões desprendem-se num mundo que se inquina
Alagando as veias em transmutação explosiva
Sustentando um ser inconstante e delinquente
Contemplando em estranheza aguda e em autoexclusão iminente
Sou o espirro do invisível
O espinho aguçado do delírio
A saliva contaminada do martírio
A tatuagem salgada indecifrável
Sou a cãibra incontrolável
O remendo que à terra falta
O animal em fuga que o muro salta
O ponto fixo do caótico na cavalgada
O baile de máscaras fantasmagórico
A mão sem garras a casa em alas
O riso sem alegria
O corte profundo com a confraria
O silêncio criador de valsas
A reflexão que afasta as sombras
Um corpo nu aguardando o degelo
Para renascer noutro sol noutra translação
Quem sabe dentro de um novo pesadelo
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"Screaming silence", de Marko Gacesa |
Corpo em cinzas
O grotesco da minha voz apenas se ergue contra o ruído
Rejeitando os estalidos estridentes nos meus ouvidos
Provocando a avalanche de sangramento da minha escrita
Que provém do desconforto asfixiante patético
Semelhante ao peso sobre o meu peito de criaturas toupeiras
Que minam o terreno e abrem buracos sugadores de vida
Enterrando-a bem fundo para depois se alimentarem
Em frações de absolutismo patogénico
O vómito incontido no rasto de tinta da minha caneta
Arrasta as entranhas revoltadas contra o harém
De compra e venda de carne humana em traição cobarde
Rabiscos denunciadores de embusteiros
Que apregoam os sonhos paradisíacos colados na testa
Rotulada de idiota felicidade
Os pés de criança cruzam o tempo no palmilhar dos campos e carreiros
Decidem em modo precoce de quem acabou
De entrar no mundo pelo protesto da rebeldia
E empreendem sem dúvidas a viagem
Que se metamorfoseia em anúncio de libertação
Um pronunciar afirmativo sem receio da franzina autonomia
A víbora que se enrosca no recém-nascido
E o faz soltar o grito de alerta profundo
Transforma-se no acontecer de iniciação
Preparando a inocência para as batalhas do mundo
O meu corpo transformar-se-á em cinzas
E a voz continuará o grito pela libertação
O vómito será destreza de aniquilação dos ditadores com a doença do poder
Os pés humanos calcorrearão as montanhas mais altas
Sentirão o esforço da subida das vertiginosas dunas
E o conhecimento dinâmico captará as transmudações
Das fissuras dos abismos inalcançáveis
Onde a arte e a vida serão unas
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"A minute before the flood", de KPEKEP |
A força do dilúvio
Abre-se a fenda por onde os elementos cósmicos
Se revolvem misturam deleitam se entrecruzam
Procurando o encaixe perfeito omnipotente eleito
Criando rasgos de lençol campos estratificados
Aguardando a miscelânea o vendaval perfeito
O grito de comando soou por entre os recifes
Ecoa em toda a parte estridente como ser omnipresente
A água borbulha perante as rajadas de eficácia destrutiva
Arrancando o sustento dos homens à terra enfurecida
São prisioneiros do dilúvio infinito e imitando o furor cósmico
Chacinam os irmãos inventando justificações estoqueadas
Pela imbecilidade de uma mente decadente que perde a sintonia
Com o cordão umbilical da ética e a criativa energia
A força do dilúvio enlameia os ossos dos cadáveres à deriva
E deposita-os no fundo do mar do esquecimento ilimitado
O sol encarregar-se-á de aquecer o gérmen
Que emerge os seus caules delicados após a tempestade
À procura de um ancoradouro onde possa repousar
Pois o tempo é uma bolha sempre pronta a rebentar
E as possibilidades do acontecer rejubilam por festejar
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"Sacred Soil", de Vki Art (Vara Kamin's) |
A cor da terra
As interrogações dos homens agregam-se
No compasso da aridez dos famintos
No desaparecimento das garras dos instintos
No equilíbrio intermitente dos pedestres
No proliferar dos fetos
Na movimentação em incógnita perene dos entes
No agonizar apodrecido dos pedintes
E a cor da terra à espera!
As asserções dos humanos desperdiçam-se
Em carantonhas múltiplas
De ânsias pútridas
Em tronos temporários
Em empreendimentos missionários
De navegadores temerários
E a cor da terra à espera!
A corcunda terrestre sustenta os parasitas
Acolhe palafitas
Deixa-se perfurar até às entranhas na escuridão silenciosa
Onde nenhuma viva alma se agarra
E as areias do deserto invadem o leito dos belicosos
Dos luxuosos dos supérfluos
Em cérebros abaulados de inquinações radioativas
Cobrindo-se de mantos adornados de joias
Enquanto os indigentes se agarram em desespero a rotas boias
A cor da terra espera os fracos e os fortes
Os ricos e os pobres
Os obedientes e os rebeldes
E entre o oxigénio animador de fogos
Os justos e os empalados
Denuncia-se o coração das criaturas
Qual estirpe irascível atrasada
Canibalesca amedrontada
Repetidas vezes ferida e cicatrizada
Vergonhosamente decepada e crucificada
Até ao final dos dias
À cor da terra subjugada
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"Puppet master", de Natalya Syuzeva |
Construtor de quimeras
Pela avidez dos passos da contemporaneidade
Apresenta currículo ultrapassado e gasto
Traz atrelado um baú de sonhos
Para cada cabeça com sua fantasia
Desenha estilos ergue tronos
Estéticas cativadoras de permanências eternas
Mas vende o perene descortinar das alucinações
Na provocação de paraísos
Pantomineiro guionista fantoche artista
Saltitão palhaço malabarista
O construtor de quimeras ergue o seu comando
Nas linhas férreas do enredo retórico
Sorridente lança a rede
Por entre a vibração sísmica do desencanto
Senta-se no balouço na iminência da queda
Ainda assim gesticula aos ingénuos dúbios devaneios
Aspira destila sussurra e transpira
Aborrece o arquiteto da farsa
Escolhe de entre rejeitados os mais propícios à cilada
Anedota transformada em graça
Mina o terreno para o feitiço do engano pleno
Rodopia para um lado e para o outro conforme as melodias
Porque o fardo é real e pesado
E as palavras gastas ingerem-se frias
Enfadonho o tecedor de utopias
Para os que captam a profundidade do mundo
E de mãos gretadas unhas carcomidas
Bocejam as bocas pedindo descanso nas desertas ermidas
De dentes cerrados silenciando a espera o desencanto
Enquanto o fazedor de sonhos e criador de alvoroços
Continua a tecer de brilho efêmero o seu precioso manto
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Ana Maria Rodrigues Oliveira nasceu a 17 de Fevereiro de 1960, em Portugal, no Alto Alentejo no distrito de Portalegre e concelho de Castelo de Vide. Em 1986 finalizou a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Ciências sociais e humanas de Lisboa. Licenciatura que lhe permitiu dar aulas de filosofia durante alguns anos. Edita o seu primeiro livro de poesia em 2008 através da Corpos Editora “Grito de liberdade”. Este livro é uma forma de partilhar emoções e vivências, encarando a poesia como uma catarse. Dedica este livro a todas as mulheres, pela luta e determinação com que enfrentam as adversidades de uma sociedade que ainda manipula e escraviza. Faz uma edição de autor “Espírito Guerreiro” o seu segundo livro de poesia, em 2014. Mantém alguns sites onde divulga a sua escrita. Ultimamente mantem-se ligada ao projeto “Filosofia para crianças”.
http://www.assinaturaeletromagnética.blogspot.com
https://devirquantico.blogspot.pt/