A SENTENÇA
Sou a terra seca,
Bebendo das águas dos rios, que defecas dos teus olhos feridos,
Mãezinha!
AS PEGADAS NO PASSEIO DO VENTO
Tu dormes minha virgem África!
Dormes mais que uma pedra estática
Enquanto não despertas
O teu mundo murcha.
Levanta-te do silêncio
E esgravata no meu corpo precioso.
Ó mãe África misteriosa
Vestida do aroma de ouro
E mineral
Como vagueias no alto da solidão?
Minha mãe
Minha rainha
Minha virgem
E idolatrada vaidosa
Enxergo-te a lacrimejar
Entre as paredes insólitas da panela de barro
Curvando-se aos pés da cacana e nhangana;
Das resinas verdes sob as folhas do Embondeiro.
Minha mãe
Teus olhos nus reflectem
Feridas de desespero
Marcas de solidão
Sorrisos de omissão
Governação histórica
E mortes das órbitas nos hospitais.
Mãe
Enxergo-te clamando
Sobre as montanhas do Zambeze
Rios e lagos do Nilo.
Lamento seus acutilantes sorrisos
Que hoje te condenam à solidão e desespero.
Mãe
Oiço o romper da sua corda vocal Chorando a histeria de uma política
(velha e caiada).
Seus filhos (em troca da liberdade)
Recatando feitiços
E dívidas acumuladas. Condenados ao trabalho
E à glória atrasada
Enxergo-te a lamentar
(de joelhos) cavando túmulos
Desterradas no umbigo do seu olhar.
Minha mãe
Oiço-te a gargalhar com a sua enxada de pau Rasgando a terra por uma migalha.
Diz-me mãe
Porque carregas cicatrizes
Meu berço coração
Filhos magistrados condenados sem razão?
Seu sangue mãe
Irrigando areia no orvalho da manhã
Porque tantos mistérios?
Guerras no save
E delírios das armas em muchungwe
Estiagem e secas imundos.
Minha mãe
Seu corpo põe-me a duvidar
De ti, minha amada.
Mamã África.
MOÇA(MBIQUE)
Terra de mistérios e dores
Pátria de shongane, Xirilo e Mondlane
Terra da cacana e mandande
E do aroma da xima no carvão.
Moça(mbique)
Berço sagrado da Josina
Terra amarga, Mãezinha!
Onde o povo ronca pelo perdão divino.
Moça(mbique)
Terra de ouro e mineral
Pátria amada
Dos que ousaram a lutar
País fardado de recursos minerais
Moça(mbique)
Terra revestida de carvão
Pátria libertada na escravidão
Terra de Chissano e Baltazar
Onde o povo dorme e nunca avança
Moça(mbique)
Terra de guerras
Que sempre devastam
País de sofrimento
Que seus mistérios nunca desvenda
Terra fugitiva, dorminhoco...
Que nunca regressa.
Moça(mbique)
Terra adormecida no berço
Pátria condenado a prisão perpetua.
Moça dos olhos agrilhoadas de prata
Onde o Mbique espelha a desgraça,
Dos filhos da África,
Mentalmente usados e feitos escravos.
Moça(mbique)
Pátria de Alberto chipande
Berço de Eduardo Mondlane
Terra derramada de sangue
Moça(mbique)
Terra Mãe,
Que me negaste o amparo
Patria amada de Lourenço Marques
Onde dorme mares de lágrimas
Por onde embarca barcos e navios
Moça(mbique)
Terra da Fátima, do António e Maria
Terra de mistérios e dores
Pátria de causas imundas
Nação de meninos da rua
Moça(mbique)
Patria de vovó Malunga
Terra de wazimbo e Mingas
país de tambores e guitarras acústicas
Berço sagrado dos artístas.
Moça(mbique)
Terra onde todos nascemos
Pátria amada,
Onde eternamente crescemos
País onde quero morrer.
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Mamanas dançando, sul de Moçambique (foto Joaquim Margarido) |
SOU CINZA E CARVÃO
África
És o tronco e carvão
Hoje explorado com mãos,
E pelos ombros levado
Sob as feridas da escravidão
Minha Mãe,
És cinza de carvão
Derramado no chão,
Como rio de sangue
Por onde embarca o navio de save
És branco em carne
E Negra por dentro
Atraente por fora,
E Nojento por dentro
CONTINENTE CHAMADO NADA
Quem é nada?
Este sujeito mais falado em África
Que não sei, se é branco ou negro
Se vesti,
Se tem casa ou dorme ao relento.
Não sei,
Só sei que nada é nada
Talvez nos cruzamos
No momento da vanguarda
Sei lá, Se também foi usado(a),
como escravo(a)
Apenas ouvi falar,
Que nada carregava blocos e tijolos pelo colo
Que nada, era violentado pelos colonos
Que ate saltava grandes muros dos impérios,
Fugindo dos inimigos
Mas no fim,
Nada tornou-se milionário em África
Nada construiu grandes prédios
Investiu colectâneas de empresas,
De ouro e prata
Nada é proprietário dos bancos, dos automóveis,
E dos navios internacionais de marca
Nada tem filhos e família
Que hoje são médicos, Doutores e ministros
Nada já não é mais escravo
Nada é símbolo da África
Nada é respeitado na Europa,
E na diáspora da Ásia
Nada esta libertado,
Continua condenado na África
Porque, Nada é respeitado.
A ENVERGADURA DA NAVE MÃE
Mãe
Vagueio entre
Os vácuos dos seus lábios.
(lábios ancorados, de estrondos e astros)
Mater
Erguida no tempo
E nas fendas
Da escravidão.
Eis seu corpo negro,
Tão formosa
E linda como a lua
Sobre a mina de carvão.
Sua força condenada
Aprisão perpétua;
Seus lamentos já foram mais
Que uma canção.
Defensora das guerras
E batalhas, liberta-te, desta insónia
Pois, fartei-me de enxergar-te pelo colo
Faminta de migalhas
Sedenta por liberté
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Ernesto Moamba, conhecido também como “Filho da África”, nascido em 1994, em Maputo, Moçambique, representante da nova poesia africana. A temática da sua escrita é marcada pela dor, desespero e o sofrer da sua Mãe África esquecida, um verdadeiro cântico de lamento, uma ode àa África ancestral. Membro fundador da Academia Mundial de Cultura e Literatura, ocupa a cadeira 21, cujo patrono é o brasileiro Cruz e Souza. Publicou, em 2016, o livro de poemas intitulado “Liberta-te Mãe África”, pela Editora do Carmo. Representa em Moçambique, a Fundação Noemia Bonelli, ocupando o cargo de Curador responsável pela Folclore Luso-Africana. Participa de varias antologias nacionais e internacionais, assim como revistas culturais. Foi finalista de Prêmio Internacional Machado de Assis 2017, e recentemente organizou a Antologia Brasil-Moçambique, em parceria com a Universidade Estadual de Piauí, UESPI-NEPA.