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Dom Sebastião - Carlos Barahona Possollo (1992) - Overwriting: N.Rau |
Fome
I
Chuva
sobre a
marquise:
gota go
ta g
ota a got
a à rua:
corpo
inclinado
ao vazio
sal
ivando.
II
O antônimo da paz é não comer,
ausência esfaqueando o anonimato.
Encolhido, resiste a si o estômago,
sem ser condecorado.
Paisagem
cama p-
elo tempo der-
ramada
olhos transparentes
descobertos
verdes sonhando-se
eternos como maio
luz morna em sombra fria
silêncio impensado
sol no lençol
manhã depois da janela
esquecida
Poema que Rodrigo Groetaers não leu
Tic, tac; tac: razões pela cortina
branca. O despertador atrasado.
Fina manhã pelo frio cobertor
sem furos. Descobrir-se,
no café requentado por açúcar.
Ler notícias de um ontem que inexiste.
Sem que ninguém o visse,
um rio secou? Onde está?
Onde está o seu percurso?
Leo não disse uma palavra.
Ao menos, resta uma faca
inox, manteiga, uma
ou outra previsão de economistas,
esta colher remexendo o café
anti-horário.
Resta um pão, uma formiga carregando-
o, de grão em grão: o seu infinito
sobre a mesa
devorado em uma mordida.
Que dia é hoje?
Facesebastianism
I
E navegar estibordo
ao encontro do teu rosto
inviável, em um mito
sem por onde, de algoritmos
ondeando águas do Nada.
Fundo mar insosso afunda
o mapa regresso ao fado.
Terras não há, só procuras.
Na névoa polida e clara,
esvai-se um perfil, off-line,
enquanto o tempo desfia
augúrios de ventos mudos
sob um céu sem sol nem lua.
Náufragos intactos sonham
reviver a fé no agora.
II
Tudo é o Encoberto
e tudo é Deserto.
Por Feed de notícias,
Portugal caminha.
Outros hão-de ver
o ser no não-ser.
O real é areal
sonhando sonhos de Deus.
Montréal, ma petite
I
Desço ao saguão do pequenino hotel
às cinco da manhã. A cozinha
ainda derramada de noite pelas paredes.
(Hóspedes, funcionários exilados
em suas terras inacabadas.)
O dessabor de uma banana
gorjeia distâncias. Mas é cedo.
E um xarope
deácer, ofmaple, d’érable
delicadamente açucara
possíveis maneiras
de ressentir o mundo desde a rua Sainte-Catherine.
II
A Roland Giguère, In Memorian
) por ruas errando um verso
erro uma rua por versos.
um pedregoso caminho me erra.
mas aqui na rua Saint-Paul
erra o tempo o seguir. erro
em presentes que não vivi. eu sendo
onde não sou. tudo erra.
às horas erradias no Velho Porto
um vinho transparente
azulado irradia maresias.
erro o destino para ampliá-lo.
aqui. fotografias erram pouco
erroneamente. antes o olhar
erra o que vejo. onde está é aqui?
praça Jean Cartier ou errático lugar
sem nome (mapa em branco)
todos temos razões para errar.
desando meus passos
para encontrar
quem me erra (
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Leonardo Menezes nasceu em 1989, Rio de Janeiro. Mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP/FFLCH) e autor de poemas publicados na Revista Brasileira (Academia Brasileira de Letras) - nº 93 -, além de textos em diversas coletâneas.
E-mail para contato: leonardobsmenezes@gmail.com